Os congestionamentos não afetam apenas o tempo gasto no trânsito, eles elevam a poluição, prejudicam a saúde e trazem perdas de produtividade. Diminuir a dependência dos carros, promover outros meios de locomoção e qualificar as áreas urbanas são medidas implementadas pelas localidades para amenizar esses reflexos e oferecer ambientes mais protegidos.
Antes uma realidade comum somente nas metrópoles, os engarrafamentos estão se tornando uma dificuldade também para grandes e médios municípios. Durante a Covid-19, quando menos veículos estavam circulando e as bicicletas e os pedestres ganharam mais espaço nas vias públicas, havia a expectativa que outras formas de deslocamento se consolidassem. No entanto, como mostra pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o tempo para a realização dos trajetos aumentou no pós-pandemia, agravando os problemas de mobilidade e as suas consequências.
O estudo de 2023, que ouviu 2.019 indivíduos de cidades com população a partir de 250 mil habitantes de todo o Brasil, identificou que 29% dos entrevistados perdem mais horas no trânsito agora que antes do coronavírus (entre as principais razões para isso estão menor oferta de linhas de ônibus, aumento do fluxo e modificação na rotina). Essa demora maior impacta a qualidade de vida de 55% das pessoas e 51% delas afirmaram que o tempo gasto na locomoção traz efeitos para a sua produtividade, entre eles chegar atrasado e/ou estressado (para 60% dos participantes), perder um turno de trabalho (34%) ou um dia inteiro (23%) e não conseguir ir a uma reunião importante (26%). Outro dado apurado é que 37% dos entrevistados cogitavam mudar de emprego, com a mesma remuneração, para reduzir o tempo de transporte.
O levantamento revelou ainda que mais de um terço dos brasileiros que moram em grandes localidades passam mais de uma hora por dia no trânsito – 21% deles ficam entre 1 e 2 horas, 7% entre 2 e 3 horas e 8% mais de 3 horas. Mas, os congestionamentos afetam outros aspectos da rotina, do bem-estar e do acesso que os indivíduos têm a diferentes oportunidades. Relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), do ano passado, investigou os reflexos dos engarrafamentos na proximidade das pessoas a ofertas de trabalho nos 20 maiores municípios brasileiros.
O estudo comparou o número de empregos acessíveis por automóvel em um intervalo de 15 a 45 minutos de viagem no período de pico da manhã e em fluxo livre. As informações foram obtidas por meio da velocidade do tráfego verificada através de dados de GPS. Os resultados demonstraram que São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF) registraram os maiores níveis de congestionamento, causando uma queda na quantidade média de vagas de trabalho acessíveis de 40,7% a 24,6%. Já Goiânia (GO), Campo Grande (MS) e São Gonçalo (RJ) foram os lugares com menos consequências dos engarrafamentos – com uma diminuição de 3,2% a 0,6% na acessibilidade.
Os autores do levantamento relataram também que a população de baixa renda tende a ser a mais prejudicada, podendo ter uma redução de mais de 50% na quantidade de empregos acessíveis durante o horário de pico em relação ao de fluxo livre. A saúde física e mental dos indivíduos e o incremento da poluição são outros elementos que sofrem os impactos da falta de políticas públicas que incentivem outras maneiras de locomoção e das decisões de planejamento urbano que levam ao crescimento do uso dos carros e dos congestionamentos.
Mesmo as pessoas que ficam um curto período paradas no trânsito já são expostas a altas doses de partículas inaláveis finas (MP2,5) de poluição, conforme estudo internacional desenvolvido, em 2019, em dez cidades mundiais, entre elas a capital paulista. A engenheira ambiental Veronika Sassen Brand, uma das autoras da pesquisa, disse à CNN que essa exposição traz riscos ao bem-estar dos indivíduos a longo prazo, podendo ocasionar doenças pulmonares. Para ela, a saída para esse cenário é diminuir a utilização de veículos. “A principal fonte de poluição do ar são os automóveis. É preciso estimular o uso do transporte público ou de bicicleta, por exemplo”, salientou.
Atualmente, cerca de 15% das emissões de gases de efeito estufa do planeta são oriundas do sistema de transporte global, detalha artigo do instituto de pesquisa WRI Brasil. Também em 2019, o setor rodoviário era responsável por 71% de todas as emissões ligadas à movimentação de pessoas e cargas, ficando o restante dividido entre os modais marítimo e aéreo e uma pequena parcela vinha de trens e outras fontes. Todos esses fatores resultam em um preço a ser pago pela sociedade e pelas localidades. De acordo com a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), o custo socioeconômico da mobilidade urbana foi calculado em R$ 483,3 bilhões anuais (levantamento efetuado em 2018 baseado em dados de 2016).
Essa estimativa considerou os gastos individuais dos usuários de transporte ou de empregadores (quando esses fornecem vale-transporte), recursos do poder público para manter os sistemas em operação, reflexos sociais da movimentação das pessoas, da poluição do ar e sonora e dos acidentes de trânsito. Foram coletadas informações de 533 municípios com mais de 60 mil residentes, nos quais viviam cerca de 65% da população do País e por onde circulavam 39 milhões de veículos. O estudo destacou ainda que apenas 20% dos habitantes de nove regiões metropolitanas moravam perto de uma estação que permitia o acesso aos mais de mil quilômetros de corredores de transporte coletivo que havia em 55 cidades do Brasil.
Ações para mitigar engarrafamentos envolvem alterações na área urbana, tecnologia e desenvolvimento compacto
A fórmula aplicada por muito tempo pelas localidades para resolver, ou pelo menos amenizar, os congestionamentos foi construir ruas mais largas. Apesar de ainda ser utilizada, essa iniciativa já mostrou ser ineficiente para solucionar essa questão. Isso porque a abertura de vias com mais pistas traz uma melhora em um primeiro momento no fluxo, mas os engarrafamentos retornam e, às vezes, piores que antes. A demanda induzida explica esse fenômeno, como descreve o fundador do think tank City Observatory, Joe Cortright, em artigo para o Strong Towns.
Segundo ele, estudos concluídos em distintos países reforçam que o aumento na capacidade rodoviária eleva, proporcionalmente, o tráfego e, por sua vez, os congestionamentos e o tempo de duração das viagens. “Simplificando, ampliar a capacidade rodoviária é um esforço fútil e autodestrutivo. A expansão de rodovias urbanas é um trabalho de Sísifo (mito grego de um homem condenado a empurrar, por toda a eternidade, uma pedra ao topo de uma montanha para ela voltar ao ponto inicial)”, escreveu.
Entre os levantamentos citados por Cortright está o trabalho idealizado por pesquisadores da Universidade Autônoma de Barcelona (Espanha), que comprovou que a edificação de novas ruas incrementou a movimentação de carros. Os autores reuniram informações dos 545 maiores municípios europeus, entre 1985 e 2005, e descobriram que a ampliação da rede viária levou à maior procura por viagens realizadas de automóvel. Divulgado em 2020, o relatório aponta o aperfeiçoamento da infraestrutura e a rapidez dos trajetos como os motivos que fizeram os motoristas escolherem essas ruas mais largas, o que acaba gerando um fluxo mais intenso e o retorno dos engarrafamentos.
“Mais estradas simplesmente geram mais tráfego. Cidades e estados devem parar de gastar dinheiro em projetos de alargamento de estradas para diminuir o congestionamento”, ressalta o criador do City Observatory. Mas, como tratar esse problema que atinge cada vez mais localidades e ainda proporcionar vias mais seguras? Investir na qualificação do transporte coletivo e no acesso a ele é uma das principais estratégias para isso, argumentam especialistas no assunto, assim como melhorar os ambientes públicos para que mais indivíduos optem por outros meios de deslocamento, como caminhar e pedalar, a chamada mobilidade ativa.
Outras formas para reduzir o uso dos carros e contar com espaços mais protegidos são impulsionar o desenho de cidades mais compactas e conectadas, evitando a expansão urbana, diminuir a velocidade das ruas e conceber lugares para os pedestres e mais ciclovias, recomenda artigo do Smart Cities Dive. Conforme a publicação, regiões com quadras menores, vias voltadas para as pessoas e residências mais densas facilitam a caminhada até lojas, serviços, áreas públicas e ao transporte, dispensando a utilização de veículos para isso e, consequentemente, reduzindo os acidentes e fatalidades no tráfego.
Além disso, pontua o Smart Cities Dive, velocidades abaixo de 50, 40 quilômetros por hora diminuem significativamente o risco de mortes nas ruas. Outras medidas para aumentar a segurança abrangem a idealização de espaços para todos os seus usuários, com calçadas largas e contínuas, mobiliário urbano, iluminação e vegetação e sem obstáculos, faixas exclusivas para ônibus e para as bicicletas. Estreitar as vias é outro recurso para elevar a proteção dos indivíduos. A tecnologia é mais uma aliada para mitigar os congestionamentos e mapear regiões com mais acidentes e outras dificuldades relacionadas ao trânsito.
Sistemas avançados de gestão de tráfego, fundamentados em dados em tempo real, que possibilitam ajustes ágeis em semáforos para otimizar o fluxo de veículos, e aplicativos de navegação que fornecem rotas alternativas, redistribuindo os carros de forma mais inteligente, são algumas ferramentas atuais que colaboram para atenuar os efeitos dos engarrafamentos, de acordo com matéria do Portal do Trânsito e Mobilidade. Integrar tecnologias como a dos automóveis autônomos e da Internet das Coisas (IoT) com políticas públicas, como pedágios urbanos, ruas com restrições aos veículos, também ajudam a melhorar a segurança e eficiência do tráfego.
Micromobilidade: alternativa aos carros que contribui para reduzir os congestionamentos
A menor dependência dos automóveis é um desafio que as localidades seguem tentando superar, tanto para tornar os percursos mais fáceis para os seus habitantes e qualificar o seu bem-estar como para alcançar metas climáticas. Promover a micromobilidade é uma das soluções que vêm sendo implementadas em muitos municípios para atingir esses objetivos. Segundo o Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento (ITDP), a micromobilidade refere-se aos deslocamentos de veículos leves que circulam a uma velocidade de até 25 quilômetros por hora e são usados para trajetos de até dez quilômetros de distância.
Fazem parte desse grupo bicicletas, patinetes, skates, triciclos e bicicletas de carga. A entidade pondera que, como a maioria das pessoas que vivem em ambientes urbanos não possuem carros, a micromobilidade pode ampliar o acesso delas à cidade e ao transporte público, substituindo os automóveis em percursos curtos. O ITDP enfatiza ainda a necessidade de implementar infraestrutura adequada para a movimentação dos indivíduos nesses equipamentos, bem como a pé pelas localidades. Entre esses lugares que precisam ser construídos estão, por exemplo, as ciclovias, que permitem separar de forma segura as bicicletas comuns e elétricas dos carros e dos pedestres.
O instituto sugere ainda a instalação de faixas expressas para complementar o sistema cicloviário, estruturas destinadas para percorrer longas distâncias em veículos leves, abrangendo tanto as bicicletas, como patinetes, skates e triciclos. Propõe também o design de vias calmas onde a velocidade máxima autorizada seja de 30 quilômetros por hora, limite que viabiliza que ciclistas e outros usuários de micromobilidade compartilhem essas ruas com automóveis de maneira protegida.
Já no planejamento de vias arteriais, onde a velocidade é mais alta, devem ser incluídas ciclovias ou faixas separadas para garantir a segurança de quem opta pela micromobilidade. Por fim, o ITDP assinala a importância de os espaços possuírem bicicletários e áreas adequadas para estacionar os equipamentos, sem ocupar as calçadas e obstruir a passagem dos pedestres.
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