Acredito que o diagnóstico dos problemas nas cidades não seja muito controverso nem novo, as queixas sempre envolvem insegurança, falta de limpeza, ausência de jardinagem, manutenção ruim de luminárias e mobiliário urbano, quando esses existem.
Vivemos o resultado do parcelamento do solo, em que aproximadamente 40% das áreas são públicas, com gestão precária, e 60% com administração privada, onde o individualismo impera.
Quanto aos trechos públicos, o comando é centralizado nos Executivos Municipal (jardinagem, guarda municipal, limpeza, ensino fundamental), Estadual (segurança, ensino médio, tratamento de água, esgoto, drenagem e justiça) e Federal (segurança, ensino superior e justiça ).
Não preciso perguntar quem consegue agenda com o Prefeito da sua cidade ou com o Secretário Municipal. Com o Governador ou o Presidente então é impossível. Digo isto para explicitar o distanciamento entre a gestão e a ponta do problema na rua, na frente da sua casa.
O financiamento público se faz por tributos não vinculados (não existe o dever do Estado de retribuir a quem paga na mesma proporção), ISS, ITBI e IPTU para o Município; ITCMD e ICMS para o Estado; e contribuições, impostos de Importação e de renda para a União. Esta é a estrutura – distante – responsável pela gestão da praça em frente da sua casa.
Há uma clara sensação entre a maioria dos contribuintes de “pagamento sem devida contrapartida por parte do poder público”. O Poder Judiciário e a Força Pública são presentes somente em casos extremos, como gravíssima e continuada perturbação do sossego e quando a vida está em perigo.
A primeira experiência que tive com uma associação de bairro se deu em 2009, em Barueri. Ao visitar os prédios comerciais (com acesso público) dos empreendimentos da Alphaville Urbanismo, fui abordado por um segurança. A impressão inicial foi de que seria multado, mas para minha grata surpresa a abordagem visou tão somente me avisar que o vidro do carro ficara aberto. Ali um oxigênio entrou na minha cabeça, abrindo um universo que até então me era desconhecido.
Naquela época, envolvido com a construção de condomínios fechados, eu recebia vigorosas críticas por estar construindo guetos homogêneos, renegando o espaço público. Era verdade, mas, ao mesmo tempo, eu não acreditava na viabilidade comercial de espaços abertos, por todos os problemas acima citados, diante dos quais me sentia impotente.
Foi aos poucos, lendo sobre a ferramenta das Associações de Bairro, que passei a vislumbrar uma luz no fim do túnel.
Visitando empreendimentos nos Estados Unidos (excursão organizada pela ADIT), ouvi de um developer uma frase emblemática: “Aqui o consumidor pergunta se existe Associação de Bairro antes de visitar o imóvel. Muitas vezes é condição para o negócio.” Foi então que caiu a ficha de que poderíamos, enquanto empresa, atacar os problemas de gestão, sem a necessidade de consertar um país inteiro antes de trocar uma lâmpada na frente de casa.
Consultamos pessoas que estudavam o tema da Associação Comunitária com entusiasmo; e, aqui, faço parênteses para citar o Dr. Sérgio Parisi, a Dra. Regina Betemps e a Dra. Mariângela Machado, na expectativa de reconhecer seus préstimos indispensáveis às nossas crenças atuais.
Afinal de contas, qual a mágica das Associações de Bairro? A começar pela gestão localizada, o morador tem a quem se reportar com uma simples caminhada até uma reunião presencial com o gerente da Associação de Bairro. É ele quem faz as vezes do prefeito na escala micro.
A contribuição financeira para a associação, diferentemente dos tributos convencionais, é vinculada e sem fins lucrativos. E a prestação de contas é transparente, bastando um clique. A “complexidade” é infinitas vezes menor que o exame das contas públicas, desconhecidas, eu diria, por 100% da população e até pelo Ministro da Fazenda.
A consequência é o despertar de um sentimento de comutatividade na relação entre o associado e a associação, um genuíno senso de comunidade.
A equipe de jardinagem é permanente, sabe de quantos em quantos dias a grama precisa de novo corte, no inverno e no verão, aumentando e diminuindo de tamanho a depender da estação. A segurança, embora sem poder de polícia, abrange camadas pré-ilicitude, com a presença de agentes sociais, que fiscalizam o descumprimento de regras de trato social, como largar uma bicicleta no lugar errado, um papel no chão ou falar alto demais. A mobília e a iluminação são trocadas instantaneamente ao final de uma ronda de vistoria diária, por uma simples pessoa caminhando.
Fotografias do trabalho da Associação Parque Una Pelotas, créditos para o Marcel Streichel.
O vínculo jurídico entre os associados viabiliza as penalidades administrativas, hoje juridicamente impossíveis de serem aplicadas pela Guarda Municipal, como, por exemplo, uma multa por mau comportamento.
As regras do estatuto da associação, por configurarem um contrato entre os associados, permitem o incremento de disciplina e ordem no convívio social em espaços abertos, tal como já ocorre em qualquer condomínio-clube ou loteamento fechado.
Não se diga que estamos falando de luxos, inacessíveis às classes menos abastadas, porque os ganhos de escala, frutos do financiamento coletivo, derrubam enormemente os custos envolvidos na solução de problemas e representam tão somente uma pequena fração daqueles tributos citados no início, menor do que o valor do IPTU, por exemplo, ou uma fração inferior a 1/4 do custo condominial.
Há um lugar mágico em solo brasileiro onde uma associação atende o bairro de ponta-a-ponta, desde a década de 70, em proporções físicas e econômicas maiores até do que o Ente público local. Chama-se Riviera de São Lourenço, no Município de Bertioga, onde 80.000 pessoas convivem numa praia de 4,5km de extensão e recebem água tratada de forma ininterrupta, esgoto tratado integralmente, serviços de segurança, jardinagem, manutenção dos espaços públicos e até de salva-vidas, enquanto os associados ou até mesmo os não associados, dão um pulo no mar em busca do direito constitucional ao lazer.
Ver o serviço oferecido à população da Riviera, em recente período de descanso em que me hospedei em um apartamento, me proporcionou uma emocionante sensação de que as coisas são possíveis, sim, e de que há sempre uma luz no fim do túnel quando assumimos como nossas as responsabilidades pelo bem estar comunitário. Eis a mágica!
Fabiano de Marco
Sócio Fundador das empresas Idealiza Urbanismo e Idealiza Verticais, responsáveis pelo case Parque Una Pelotas e membro do movimento Somos Cidade.
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