A realidade do cotidiano como parâmetro, os movimentos da economia como referência e a promoção do bem-estar como consequência.
A realidade do cotidiano como parâmetro, os movimentos da economia como referência e a promoção do bem-estar como consequência. Esta pode ser considerada a síntese do chamado urbanismo de mercado – pautado por decisões descentralizadas mais liberais e menos restritivas no planejamento das cidades, que tem o nível de qualidade de vida da população como medida de eficiência desse ecossistema, complexo e dinâmico.
Faz sentido uma pessoa ter de descolocar-se por quilômetros para ir trabalhar, fazer compras, ir ao cinema ou para levar os filhos à escola porque mora em uma área exclusivamente residencial? Faz sentido proibir edificações multifamiliares na região central de uma cidade e provocar o espraiamento urbano em função do processo natural de crescimento da população, o que poderá acarretar problemas de mobilidade, o aumento do custo de infraestrutura e até a ocupação irregular do solo?
É a partir de reflexões como essas que as determinações sobre zoneamento e densidade urbana estão no centro dos debates sobre como seria a cidade ideal na ótica do urbanismo de mercado. Ao impor uma visão particular da forma urbana, as cidades são menos capazes de se adaptar às mudanças na demanda por moradia, preferências de estilo de vida e circunstâncias econômicas, considera o pesquisador norte-americano Nolan Gray, mestre em planejamento urbano e regional pela Rutgers University, de Nova Jérsei, Estados Unidos. Em seu artigo “Em direção a uma abordagem liberal para a forma urbana”, Gray destaca que, sem restrições, uma variedade de arranjos de vida urbana pode coexistir pacificamente, considerando que, ao reconhecer que as cidades não são máquinas que podem ser controladas, descobre-se sistemas de incrível complexidade, mantidos e avançados por ecossistemas dinâmicos de pequenos planos de milhões de planejadores individuais, cada um com seus próprios sonhos e talentos.
Impactos sociais e econômicos
As decisões urbanísticas, quaisquer que sejam, apresentam implicações sociais e econômicas diretas. “Uma cidade com maior densidade urbana oferece distâncias menores para o deslocamento dos seus habitantes, que podem ser percorridas a pé ou de bicicleta, pois têm, perto de casa, emprego, comércio e serviços. Em uma cidade menos densa, o custo de infraestrutura é maior e as pessoas são mais dependentes dos carros, pois as distâncias são maiores. O tempo médio de deslocamento das cidades brasileiras é de uma hora e meia, o que impacta diretamente a vida de qualquer pessoa”, sintetiza o empresário Ricardo Birmann, diretor-presidente da Urbanizadora Paranoazinho (UP), do Distrito Federal – região mundialmente conhecida pela sua icônica capital, Brasília, inaugurada há 60 anos a partir de um plano urbanístico desenvolvido por Lucio Costa com base em um rigoroso zoneamento das quatro funções básicas do chamado urbanismo moderno: habitar, trabalhar, recrear e circular.
Em sua opinião, quando o zoneamento é definido em um grande plano urbanístico para a cidade, evita-se a possiblidade do próprio mercado se acomodar e oferecer usos nas localidades onde faça mais sentido, tanto para o negócio como para os habitantes. “Onde é mais natural abrir um mercado, uma padaria, um prédio de escritórios? Perto das casas das pessoas. O efeito será positivo, reduzindo deslocamentos, se as especificações de uso e de atividades não forem tão rígidas”, enfatiza. Essa é uma das premissas da Cidade Urbitá, que vem sendo construída desde 2008 pela UP em uma área de 900 hectares localizada a 15 quilômetros de Brasília. Considerado o maior projeto imobiliário do país, o empreendimento criará uma nova centralidade, com edifícios residenciais, comerciais e institucionais, parques e equipamentos públicos, ciclovias e espaços públicos de lazer, com capacidade para 120 mil habitantes ao final do plano de ocupação de 25 anos. A primeira etapa deverá ser inaugurada em 2023.
A resistência à verticalização em áreas centrais também precisa ser vencida, enfatiza o empresário. “Se há demanda para as pessoas morarem lá, por que não deixar ela se acomodar? Se liberasse a oferta, os preços dos imóveis naquela região iriam cair, a cidade iria crescer e se desenvolver em áreas que já têm infraestrutura para isso e se tornaria muito mais inclusiva”, pontua. O argumento comum de que a verticalização vai gerar trânsito precisa ser revisto, pois o que gera trânsito são as pessoas se deslocando para atender as suas necessidades do dia a dia, ou seja, o efeito é contrário, alega Ricardo Birmann.
Em áreas de menor densidade, os imóveis costumam ser mais caros, o que força as pessoas de menor poder aquisitivo a viverem na periferia e, assim, arcarem com o custo de habitar um lugar com infraestrutura deficiente e que exige grandes deslocamentos, o que acarreta em menos tempo livre e menor qualidade de vida do que as pessoas que moram na área central. “Essa é uma das razões que fazem as cidades serem tão excludentes, tão desiguais e tão cruéis com quem não tem poder aquisitivo”, lamenta.
O papel dos desenvolvedores
O principal case de urbanismo de mercado, referenciado em todos os debates sobre o tema, é a cidade de Houston, no Texas. Ao contrário das outras grandes cidades dos Estados Unidos, Houston não impõe a separação de empreendimentos residenciais, comerciais e industriais, não regula a densidade e não impõe um tamanho mínimo de lote para residências unifamiliares, tendo sido a única grande cidade a realizar uma abrangente votação pública sobre zoneamento e a recusá-lo, conforme explica o pesquisador Nolan Gray no artigo “Como Houston regula o uso da terra”. “Muitas pessoas acreditam que sem zoneamento a cidade seria uma maluquice urbanística, fazendo surgir uma boate ao lado de uma escola infantil, por exemplo. Mas qual seria o sentido disso? Um bar só vai prosperar em uma área residencial, por exemplo, se os moradores tiverem interesse. Os benefícios de não ter essas amarras são tão maiores do que os eventuais malefícios, e as regra do jogo são claras para todo mundo”, considera Ricardo Birmann.
Outro benefício, na opinião do empresário, é que a prefeitura se isenta da árdua tarefa de tentar acomodar grupos de interesses. “As prefeituras assumem um papel que não precisava ser delas. A Constituição Federal estabelece que o município tem autonomia para legislar sobre as questões de desenvolvimento urbano e planejamento, mas eles praticamente descartam essa possibilidade e ficam só copiando as leis uns dos outros. As prefeituras que tiverem coragem de sair desse papel de regente e deixarem as relações de mercado fluírem de modo mais natural vão criar cidades muito inclusivas, crescer e gerar prosperidade, atraindo muito mais pessoas. Afinal, se você pudesse escolher, escolheria morar em um lugar com maior ou menor qualidade de vida?”, reflete o empresário.
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