O urbanista, escritor e pesquisador sênior da Universidade de Nova York, Alain Bertaud, defende que é preciso criar indicadores econômicos adequados de análise das demandas atuais das pessoas para planejamentos urbanos mais eficientes
A pandemia de Covid-19 levantou uma série de questionamentos sobre a forma como as populações irão viver daqui para a frente e como as cidades do futuro deverão ser pensadas. Para o urbanista Alain Bertaud, consultor independente e pesquisador sênior do Marron Institute of Urban Management da Universidade de Nova York, não se deve projetar tendo em vista a pandemia do coronavírus ou o pós-pandemia, e sim olhando com atenção o que os indivíduos estão fazendo e quais serão as suas necessidades.
“O que precisamos fazer é permitir que o uso do solo mude para refletir essas novas demandas”, aponta Bertaud, que é autor do livro “Order without Design – How Markets Shape Cities”. O especialista foi um dos entrevistados da série de webinares Urban Manifest, uma iniciativa realizada pela Urban Vision e pelo Urbanista.org e capitaneada pelas arquitetas e urbanistas Lucy Bullivant e Prathima Manohar.
Bertaud acredita que para entender as transformações pelas quais as pessoas estão passando é vital contar com indicadores precisos para, por exemplo, saber o número de unidades habitacionais que são edificadas todos os anos em uma cidade, onde elas estão localizadas, quanto custam e qual o tempo de deslocamento entre a moradia e o trabalho. “Esses índices devem ser avaliados e comparados a outros dados para que se possa decidir o que está errado e o que é certo fazer em relação à infraestrutura social, a de transporte e a densidade das áreas”, salienta. O pesquisador defende que os urbanistas precisam ser melhores para enfrentarem os desafios do crescimento dos municípios e devem abordar a construção da cidade aplicando mais teorias de economia urbana. E, para isso, têm que estabelecer estratégias e indicadores apropriados.
Segundo ele, os economistas analisam e identificam tendências do mercado, as quais refletem as prioridades dos indivíduos. “Deveria ser a demanda, o mercado, a nos dizer o tipo de habitação necessária em determinado lugar (se casas individuais ou arranha-céus) e não o urbanista ou o gestor público. Para poder ouvir e atender à população é preciso flexibilidade”, pondera. Bertaud cita como exemplo a zona caracterizada como comercial de Nova York que é dividida em centenas de subáreas, onde determinadas atividades são autorizadas e outras não, o que acaba desacelerando as modificações ou tornando-as mais caras. “Os planejadores, muitas vezes, possuem a sensação de que sabem em que local uma barbearia deveria ficar e acho isso errado. Eles não conhecem a necessidade de quem vai utilizar aquele ponto no futuro”, observa.
O consultor ressalta que, nesse momento em que enfrentamos uma alteração na organização da sociedade – acelerada pela pandemia –, deve-se possibilitar que a população se readapte e realoque e para isso é fundamental repensar o uso do solo. “Isso já vem acontecendo nos subúrbios norte-americanos. Há 20, 15 anos, os shopping centers faziam sucesso e hoje estão abandonados. E a questão que resiste é: o que se fazer com eles? Existe demanda por moradia nessas localidades. Porém, devem ser as pessoas a dizerem qual forma de habitação querem”, reforça. Taiwan, de acordo com o pesquisador, é um bom exemplo de como o uso do solo mesclado traz resultados positivos. Alain Bertaud conta que no país asiático começaram a ser erguidos prédios com o térreo ocupado por atividades comerciais, os primeiros andares por escritórios e o topo dos edifícios por residências. Além disso, muitos dos telhados de construções da área comercial passaram a ser utilizados como playground para as escolas próximas.
Monitoramento frequente de indicadores
Um entrave para que as mudanças potencializadas pela Covid-19 se reflitam nos planejamentos urbanos, na opinião do escritor Alain Bertaud, são os regulamentos sobre utilização do solo e os tipos de usos. “São como camisas de força”, compara. Ele indica ainda que haverá um movimento de jovens em direção às áreas centrais dos municípios enquanto que pessoas mais idosas irão para locais mais afastados ou para o Interior. “No entanto, se essas normas continuarem dificultando essas transformações, pode ser que elas não se concretizem”, enfatiza. O pesquisador exemplifica novamente com as regras de Nova York, que determinam a quantidade de unidades habitacionais que podem existir em um quarteirão. Para atender aos índices estipulados, explica o consultor, os empreendedores investem na construção de apartamentos com três ou quatro dormitórios ao invés de imóveis de um quarto, elevando o preço e impedindo muitos de morarem nos centros urbanos.
A maneira como os planos diretores são definidos também foi criticada pelo urbanista durante a palestra no Urban Manifest. Ele afirma que é preciso substituir a elaboração dos planejamentos das cidades a cada dez anos para uma visão mais flexível e com monitoramento e análise mensal ou a cada três meses dos indicadores para fazer as melhorias na infraestrutura conforme as demandas vão acontecendo. Para ele, os envolvidos na definição dos planos precisam se “colocar nos sapatos” de quem irá morar e usar aquela região e entender as questões sociais e econômicas que afetam a população. “Os governos municipais deveriam contratar economistas para os seus departamentos de planejamento urbano para olhar para a macro e a microeconomia e ter alguém que entenda os problemas e as necessidades das pessoas, sejam de transporte, moradia ou infraestrutura”, diz. Ele argumenta, ainda, que a redução do tempo para se obter as licenças de construção pode diminuir os custos das edificações e, consequentemente, o valor final dos imóveis e impactar na mobilidade dentro dos municípios. “Os planos diretores surgiram na Revolução Industrial, quando se tinha que prever a instalação de fábricas altamente poluentes longe de escolas e residências. Isso não é mais necessário”, destaca.
Crise climática e desafios para o desenvolvimento urbano
O consultor Alain Bertaud foi questionado durante o webinar sobre como as cidades deverão se preparar para enfrentar os impactos das mudanças climáticas e do aquecimento global. Ele comenta que segue a mesma linha de pensamento da maioria dos economistas que não veem um substituto para a precificação do carbono, o que significaria saber o preço que se paga a cada emissão desse elemento. “O problema que eu tenho com a abordagem tradicional sobre o aquecimento global é que todos os países estão estabelecendo uma meta de redução de emissão de carbono, o que é bom. Mas as nações não dizem quanta energia vão consumir para fazer isso e manter as suas economias. Não podemos esquecer que a nossa economia depende da quantidade de megawatt-hora consumida todos os dias”, ressalta.
Ele avalia que de nada adianta definir objetivos a serem atingidos de diminuição das emissões de carbono sem pensar em como colocar isso em prática, ou seja, sem calcular antes o quanto de energia será necessário produzir para poder manter o padrão de vida das pessoas – e ainda melhorá-lo para aqueles que precisam – e quais serão as fontes utilizadas. Somente a partir disso, frisa Bertaud, é que será possível fazer a migração do uso de energias sujas para as limpas. “Esse cenário vai estimular mais pesquisas sobre fontes renováveis, soluções e tecnologias para enfrentar as mudanças climáticas”, acredita.
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