As empresas que hoje não têm em seus projetos um olhar para a questão social, ambiental e de governança ficarão fora do mercado.

As empresas que hoje não têm em seus projetos um olhar para a questão social, ambiental e de governança ficarão fora do mercado. No cenário atual, em que cada vez mais se fala em cidades e bairros inteligentes e em planejar lugares melhores, tendo as pessoas como foco, vem crescendo o número de companhias que trabalham essa pauta dentro de uma visão de gestão integrada. Essas foram algumas das opiniões defendidas por Renê Rocha, engenheiro civil, mestre em Engenharia Civil pela Universidade de São Paulo (USP) e gerente geral de investimentos imobiliários da Votorantim, durante a sua participação no podcast do Movimento Somos Cidade, do qual faz parte. Na conversa com o apresentador Felipe Cavalcante, coordenador do movimento, Renê contou sobre a sua experiência de mais de 20 anos no segmento de incorporação e de novos negócios e como “sua veia do urbanismo foi picada” pelas suas possibilidades de transformação social.

O Projeto de Intervenção Urbana da Vila Leopoldina (“PIU-Vila Leopoldina”), na Zona Oeste de São Paulo, é um exemplo dessa capacidade de mudança que pode ser desencadeada pelo setor imobiliário. Abrangendo uma área em torno de 300 mil metros quadrados, o projeto prevê a reurbanização da região, com a reordenação do espaço e soluções de moradia popular para mais de 850 famílias que vivem no entorno. A Votorantim, que tem um terreno de cerca de 110 mil metros quadrados nessa área da cidade, é uma das companhias proponentes do projeto. No local, onde funcionava até 2016 uma metalúrgica do grupo, há três galpões (dois com aproximadamente 10 mil m² e outro com 3 mil m²) e um prédio de 10 andares. Ao lado dessas edificações fica ainda uma empresa de concreto, que está em fase de desativação. “Essa era uma zona industrial, fechada, com muro em toda a quadra e uma vizinhança frágil socialmente, com três comunidades – as favelas da Linha e do Nove e o conjunto habitacional Cingapura Madeirite – vivendo em situação muito degradada que inclui diversos moradores de rua. É uma localidade carente de modificações intra e extramuros da propriedade”, recorda Renê.

O PIU-Vila Leopoldina que propõe toda a transformação urbana desse ponto do bairro, destaca o engenheiro, vem sendo discutido desde 2016, quando foram regulamentados os mecanismos para elaboração de projetos dessa natureza, que permite criar mini zoneamentos dentro de uma região da cidade e fazer mudanças pontuais mesmo após a aprovação do Plano Diretor e Lei de Zoneamento. “Utilizando a urbanização, principalmente por meio da atuação do setor privado ou das Parcerias Público-Privadas (PPPs), para promover transformações em tecidos tão frágeis, como é o caso da Vila Leopoldina”, ressalta. Ele explica que o PIU possibilita olhar para essas microáreas e, por meio de um amplo processo participativo, discutir com o poder público as modificações necessárias no uso do solo e parâmetros construtivos, por exemplo, e tornar esses benefícios em um plano de interesse público para aquele lugar. “Com isso, você casa crescimento imobiliário com mudanças sociais”, argumenta.

As novidades do PIU Vila Leopoldina, informa o gerente da Votorantim, envolvem, além desse olhar para as comunidades locais, um leilão público para aquisição do potencial construtivo adicional daquele perímetro de forma antecipada, e não conforme o desenvolvimento imobiliário dos lotes privados avance (que deve levar de 20 a 25 anos para acontecer). O pagamento desse potencial construtivo adicional “será feito em forma de execução das contrapartidas, o que representa cerca de 850 habitações de interesse social que serão erguidas, parte delas dentro da propriedade da Votorantim”, adianta.

Segundo ele, a empresa vencedora do leilão público será responsável pela criação de equipamentos públicos comunitários, como creche, Unidade Básica de Saúde (UBS), posto policial, restaurante-escola, centro de acolhimento psicossocial e pelo programa de revitalização urbanística dessa localidade. Nesse sentido, serão ainda aprimoradas ruas, plantadas em torno de três mil mudas de árvores e o conjunto habitacional Cingapura Madeirite será recuperado.

Todas essas melhorias, salienta Renê, são das contrapartidas iniciais referentes ao parcelamento do solo, e muitas outras serão agregadas com a finalização dos estudos de impacto de vizinhança. “O PIU Vila Leopoldina abrange, ainda, a doação de aproximadamente 35% do terreno que atualmente é da Votorantim e que passará a ser público e contemplará o sistema viário e de calçadas, ciclovias e a criação de um parque com mais de 20 mil m²”, detalha. Ele reforça que o masterplan do empreendimento foi planejado para dispensar a existência de muros, ser integrado, com grande fluidez e conexão das áreas verdes. Algumas mudanças já foram implementadas na propriedade do grupo e começam a transformar a região, como a ressignificação e recuperação dos dois galpões existentes. Em 2018, o primeiro deles foi inaugurado como um espaço para eventos, a Arca. Desde a abertura, mais de 70 mil pessoas participaram de atividades de tecnologia, moda, gastronomia, empresariais e de outras abertas ao público em geral. A segunda estrutura, que passou por um retrofit e ficou pronta em 2019, foi destinada para o State, um hub de inovação.

Em paralelo, a empresa está requalificando ambientes externos, iniciou a demolição da usina de concreto e promoveu ações para integrar a comunidade do entorno, incentivando a participação nesses projetos. “Esperamos ter daqui alguns anos um espaço completamente modificado, vivo, ativo, dinâmico e cultural. Tornando-se um lugar de encontros, de escritórios e de moradia para toda São Paulo”, acredita. Sobre as objeções enfrentadas em relação ao desenvolvimento do PIU Vila Leopoldina, Renê pondera que falta uma visão para o impacto positivo de uma iniciativa como essa para a microrregião e para todo o bairro e a mudança que representará para as quase cinco mil pessoas que moram lá. “Quem conhece o empreendimento sabe das suas qualidades e como ele pode ser um exemplo para a cidade de como uma intervenção urbana pode vir de maneira sustentável para dentro do município”, defende.

Do acompanhamento de obras ao desenvolvimento urbano

Com passagem pela Matec, Gafisa, Alphaville e Cipasa que marcaram uma extensa trajetória percorrida pelo profissional até ingressar na Votorantim, em 2017. Nesta época, o grupo passava por uma reestruturação organizacional que, entre outras alterações, levou a um novo olhar para as áreas e ativos imobiliários adquiridos ao longo de seus 102 anos de fundação. “A partir de 2015, começou um trabalho de mapeamento desses terrenos, feito em conjunto com uma consultoria, para a definição daqueles que eram estratégicos, operacionais e os que tinham vocação para o desenvolvimento imobiliário”, lembra Renê, ao falar como se deu a entrada da Votorantim nesse setor. Além do espaço na Vila Leopoldina, foram identificados outros com potencial para a criação de novos empreendimentos, como um no município de Paulista, com 460 hectares, na região metropolitana de Recife (PE), e outro na cidade de Votorantim, na grande Sorocaba (SP), com aproximadamente 1 mil hectares.

Renê descreve que viveu o boom do mercado imobiliário brasileiro, entre 2007 e 2013, e que é preciso aprender com esse período, em que houve um crescimento descontrolado das empresas e se tinha dificuldade para encontrar mão de obra especializada. “Eu mesmo fui colocado nesse setor sem saber o que era uma incorporação e cheguei como gerente da área em uma companhia como a Gafisa. Ia aprendendo e fazendo e vi muitos colegas passarem pelo mesmo.” E, agora, que o segmento demonstra uma recuperação, com taxas de juros baixas, dinheiro abundante e demanda compradora forte, é preciso, alerta Renê, recordar do passado, quando muitas empresas tiveram que recuar, e decolar, mas com o paraquedas nas costas. Depois da Alphaville, o engenheiro entrou na Cipasa, em 2011, onde ficou por sete anos. “Foi lá quando de fato minha veia do urbanismo foi picada”, diz.

Mergulhar na cidade é essencial para quem trabalha com novos negócios imobiliários

Tendo rodado por mais de 300 municípios brasileiros, o engenheiro enfatiza que é preciso conhecer muitas pessoas e entender a cultura de cada localidade para trabalhar na área de novos negócios imobiliários. “Tem que viver a cidade, mergulhar nela, conversar com os moradores e ver o lugar pela ótica de quem está ali e não sob a sua”, aconselha. Ele analisa que muitos dos terrenos que já indicou, defendeu e viraram projetos deram errado exatamente por não ter o olhar de quem está na região e que vai comprar o produto de fato. Nesse sentido, Renê considera que as pesquisas mercadológicas podem, muitas vezes, serem lidas apenas para reforçar o que se acredita. “É preciso avaliar também os pontos que podem trazer problemas, os fatores de risco”, recomenda.

Ele observa ainda que o timing no segmento de novos negócios é muito rápido: “para se ter uma ideia, tinha que avaliar cerca de 1 mil áreas por ano para selecionar aproximadamente 300 praças para visitar e conversar com os proprietários. Desse total, se fazia propostas para em torno de 60 a 70 delas e apenas 10 a 15 delas eram adquiridas”. Após a compra, relata, o projeto vai para o desenvolvimento e, entre três a seis meses antes do lançamento, começa o trabalho do time comercial. “É tudo muito veloz e o que já aconteceu é de chegar na fase final de aprovação e a gente ver que o produto estava errado”, pontua.

O engenheiro defende que está ocorrendo uma mudança cultural dos desenvolvedores imobiliários, que vêm dando mais destaque para o urbanismo e para as pessoas em seus projetos e toda a pauta ambiental, social e de governança. O Somos Cidade é um exemplo disso, uma ação que reúne pessoas preocupadas desenhar locais mais sustentáveis, inteligentes e voltados para seus usuários. “O propósito da iniciativa é trocar experiências e aprender como produzir e disseminar o conhecimento para se ter melhores municípios”, destaca.

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