A venda de uma empresa ou instituição pelo setor público para a iniciativa privada é uma prática conhecida pela maioria dos brasileiros. Já a transferência de um espaço público para governança privada é tema que causa estranheza e até certa desconfiança da maioria da população, reconhece Raphaël Lima, fundador e CEO do Ideias Radicais, no podcast “A privatização de ‘Espaços Públicos’ – Ruas, Bairros e Cidades Privadas”.
“Com cidades falindo, alto desemprego, uma onda de liberdade crescendo no Brasil e a demanda por novas ideias, temos uma excelente oportunidade para discutir a privatização do que as pessoas entendem como ‘espaços públicos’. Ruas privadas podem atrair comércio, uma vida noturna, gastronomia e outras ideias, inclusive com um potencial turístico. Bairros privados podem servir como alternativas para provimento de segurança. E claro, podemos subir a ideia até o nível da administração municipal”, defende ele, que criou o Ideais Radicais em 2015 para difundir o “libertarianismo e ajudar a construir uma sociedade livre” a partir do canal no YouTube homônimo lançado no ano anterior. Raphaël Lima é um dos embaixadores da organização global Free Private Cities Foundation, sediada na Suíça, que tem à frente o empreendedor alemão Titus Gebel, PhD em Direito Internacional, autor do livro Free Private Cities: Fazendo Governos Competirem por Você, lançado em diversos países, inclusive no Brasil.
A governança privada de espaços é apontada por Raphaël Lima como uma solução para administração de ruas, bairros e também para o desenvolvimento de áreas da cidade, para atração de investidores. “Uma incorporadora que vai construir um prédio no local pode financiar o desenvolvimento de uma rua e até de ruas paralelas, cuidar das calçadas, das pistas, fazer a manutenção do parquinho e até alguma espécie de controle de trânsito”, exemplifica. Na sua opinião, esse tipo de iniciativa representaria melhorias importantes para regiões das cidades e proporcionaria ganhos para todos os envolvidos. “São pessoas da cidade investindo nisso, o que gera retorno para todos. As propriedades que estarão ali vão se valorizar, haverá melhor segurança, serviços melhores; tudo o que está em volta será valorizado. Por que não fazer um bairro inteiro assim? Poderia ser feito”, avalia.
Iniciativas inovadoras
Raphaël Lima ressalta que esse tipo de iniciativa depende de uma gestão pública de perfil inovador, pois requer a aprovação de leis específicas. “É preciso uma legislação que autorize os proprietários de bares e restaurantes a tomarem controle do espaço, para que possam intervir na calçada, na iluminação, na segurança, alterar vagas de estacionamento, pavimentar a rua. É a gestão privada no espaço antes considerado público e coletivo”, exemplifica.
A principal dificuldade para o gestor público, na sua opinião, é enfrentar eventuais resistências da população. “Quem participa disso vai ter dificuldade no início porque é algo novo, há poucos casos no Brasil”, pondera. Como exemplo, ele cita a “Rua Coberta”, em Gramado (RS). Trata-se da rua Madre Verônica, no centro da cidade, que reúne um mix de estabelecimentos de gastronomia, serviços e compras e áreas de lazer, sediando a realização de importantes eventos. Localizada em frente ao Palácio dos Festivais, onde acontece o Festival de Cinema, a via ganhou cobertura e perfil turístico em 1996 a partir da iniciativa do prefeito Pedro Bertolucci, que comandou a cidade por quatro gestões. Por essa e por outras ações, como a criação do Natal Luz, o gestor conquistou diversos prêmios, incluindo o título de prefeito empreendedor pelo Sebrae. Na ampliação da rua, há quatro anos, foi estabelecida uma Parceria Público-Privada (PPP) entre o município e empresas locais para a construção da nova estrutura metálica e a cobertura.
Outro exemplo citado por ele é o da Vila Kosmos, na Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ). Em 2017, com autorização da prefeitura, os moradores cercaram o bairro para tentarem resolver um problema de segurança. A instalação de guaritas e cancelas e a contratação de um serviço de vigilância 24 horas foram viabilizados por um grupo de moradores. “Somente 25% dos moradores, de fato, pagaram taxa mensal de cerca de R$ 100. Mas o efeito foi que, no anterior, o lugar, que tinha 1.000 residências, teve 160 roubos. Depois que eles colocaram isso, nos três primeiros meses, foram três roubos. Funcionou. Subiu o valor dos imóveis dos envolvidos? Sim. Vale a pena? Sim”, reforça.
Roatán Próspera: cidade privada
De uma rua para um bairro para cidades inteiras. “O que conseguiram fazer em Honduras é algo muito próximo de uma cidade privada”, diz Raphaël, referindo-se ao Roatán Próspera, na Ilha de Roatán, em Honduras, lançado este ano, com um hub de desenvolvimento econômico sustentável – uma parceria entre a empresa Próspera e o Governo de Honduras.
Esta está sendo considerada a primeira cidade privada do mundo, e foi erguida a partir de uma alteração na constituição do país, especificamente com o Decreto Legislativo 236, de 24 de janeiro de 2013, que instituiu as Zonas de Emprego e Desenvolvimento Econômico (ZEDE) em Honduras. O objetivo é atrair empreendimentos locais e globais nas áreas de educação, saúde, turismo, aquicultura, entre outras, diversificando a economia da região e proporcionando a geração de trabalho e renda para os cidadãos.
Nesta primeira fase, em uma área de 11 hectares, será erguido o Próspera Village, com unidades habitacionais projetadas pelo escritório de Zaha Hadid. Desenvolvido para os próximos dez anos, o masterplan é de um empreendimento de uso misto composto por resorts, edifícios educacionais, um hospital com clínicas médicas, centros residenciais, comerciais e financeiros, parques e uma passarela pública à beira-mar.
Raphaël Lima conta que tem levado essa ideia da governança privada em espaços públicos para muitos candidatos das eleições municipais deste ano. “É algo que seria aprovado em várias cidades? Eu acho que sim. E ajuda as pessoas a entenderem o que é liberdade. Ter a propriedade privada para resolver conflitos e não precisar do estado para administrar as coisas”, afirma. Para ele, a proposta seria interessante especialmente para as pequenas e médias empresas, estabelecendo gestão privada, inicialmente, para cinco, seis ou oito ruas. “Acho uma ideia interessante e muito realista que podemos aprovar nessas eleições. É uma típica ideia libertária. Qual o problema? Parece legal. Por que não?”, reforça.
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