Podendo ser vista como uma plataforma na qual as pessoas vão se desenvolver, buscar realizar seus sonhos e ter diferentes experiências e trocas, as cidades precisam considerar cada vez mais, em seu planejamento, os efeitos socioeconômicos e as soluções que o urbanismo pode proporcionar

Podendo ser vista como uma plataforma na qual as pessoas vão se desenvolver, buscar realizar seus sonhos e ter diferentes experiências e trocas, as cidades precisam considerar cada vez mais, em seu planejamento, os efeitos socioeconômicos e as soluções que o urbanismo pode proporcionar. Os fatores que tornam um lugar bom para se morar e trabalhar, os desafios que o país enfrenta nesse sentido e o papel do setor privado no desenvolvimento das regiões foram alguns dos tópicos abordados no segundo podcast do Movimento Somos Cidade. Apresentado por Felipe Cavalcante, coordenador do movimento, que reúne empresas comprometidas com a oferta de melhores vivências urbanas, o programa entrevistou o diretor-presidente da Urbanizadora Paranoazinho S/A e CEO do Cidade Urbitá, Ricardo Birmann.

Apaixonado pelo tema da urbanização e da relação humana com os espaços e como esses podem favorecer ou não a qualidade de vida, Ricardo Birmann começou a atuar no mercado imobiliário com seu pai (a família trabalha no segmento há mais de 40 anos). Nos últimos dez anos, ele está à frente da Urbanizadora Paranoazinho S/A e do projeto Cidade Urbitá, que está sendo realizado na Fazenda Paranoazinho, no Distrito Federal, e envolve a regularização fundiária de 54 lotes existentes e a transformação da área não habitada em um bairro moderno e sustentável.

“No urbanismo, escolhas como o tamanho da calçada, o tipo de piso, a densidade e onde vão ficar os usos do empreendimento – morar, trabalhar e lazer –  têm um impacto gigantesco na forma como as pessoas se relacionarão com o espaço”, salienta. No entanto, muitas dessas decisões são ditadas pela legislação, ressalta o empresário, o que pode implicar limitações de tipologia e de utilização dos locais, por exemplo. Para ele, a solução de muitos dos problemas urbanos do País, como altas taxas de assassinatos e de mortes no trânsito e o fato de somente em torno de 40% a 50% do esgoto das cidades ser coletado e, desse total, aproximadamente 15% dele ser tratado, passam pela maneira como se projeta e constrói as cidades. Essas questões e outras, como o tempo de deslocamento de ida e volta de casa para o trabalho, devem ser cada vez mais consideradas pelos operadores do mercado imobiliário no momento de desenharem seus projetos. “Cidades melhores levam a sociedades melhores”, acredita.

Parâmetro para a qualidade de vida

Quais elementos determinam se uma cidade é adequada ou não? Para o diretor-presidente da Urbanizadora Paranoazinho S/A, esses elementos não são estáticos e variam com o tempo. Se no século XX a visão predominante sobre o bem viver era morar longe das áreas centrais, em residências com quintal e contato com a natureza, com baixa densidade e usar o automóvel como locomoção, atualmente o foco está no desenvolvimento sustentável, aquele que ocorre de maneira a não deixar uma pegada irreparável para as próximas gerações. “Na minha opinião, uma boa cidade hoje é aquela atenta às questões climáticas e alinhada à mudança tecnológica e ao novo paradigma das relações econômicas, que são muito dinâmicas, complexas e baseadas em dados, ao mesmo tempo em que são ambíguas e incertas”, argumenta o empresário. Ele acrescenta que estamos migrando para uma economia mais de serviços, com maior colaboração entre as empresas, e que isso também impacta o projeto urbanístico, que passa a ser mais denso, pois não há mais a necessidade das companhias ficarem longe uma das outras por questões de competição.

Nesse sentido, o adensamento volta a ser bem-visto, definido, inclusive, como crucial para o desenvolvimento. “Apesar de ser, para muitos, um ‘palavrão’, um vilão, o adensamento é fundamental e sustentável”, pondera Felipe Cavalcante, exemplificando que locais como Nova York, Paris e Londres têm, respectivamente, 38 mil habitantes por quilômetro quadrado, 20 mil e 18 mil. Segundo Ricardo Birmann, no Brasil, não se trabalha com as densidades adequadas nos municípios, sendo elas muito baixas, e a verticalização é um excelente instrumento para melhorar esse índice. Em São Paulo, por exemplo, a densidade demográfica é de 7,39 mil hab/km², segundo o IBGE. O empresário assinala, que a pressão para verticalizar alguns bairros em São Paulo, por exemplo, existe porque há um déficit habitacional, e quando essa demanda não é atendida na própria região, a consequência é “jogar a necessidade para a periferia da cidade”, aumentando a desigualdade social.

Para proporcionar uma vivência urbana mais satisfatória, o diretor-presidente da Urbanizadora Paranoazinho S/A recorda que áreas que conseguem se desenvolver com fachadas ativas contam com mais vida nas ruas e, consequentemente, têm mais movimento e segurança. “Já está comprovado, e isso vem desde Jane Jacobs (jornalista e ativista social norte americana, autora do livro Morte e Vida de Grandes Cidades), o impacto positivo desse modelo em que a parte térrea de um edifício é permeada por portas, janelas e atividades, como uma padaria, um comércio, e, principalmente, que a construção não esteja isolada por uma grade ou muro. São questões de desenho que podem acolher ou repelir as pessoas nos espaços urbanos”, detalha.

Um dos desafios para que haja melhores cidades no País, para ele, é enfrentar a estagnação de muitos planos diretores e das normas urbanísticas. Cenário esse criado, avalia, por um fator cultural atrelado à grande relevância da arquitetura modernista nacional – reconhecida mundialmente pelos projetos do arquiteto Oscar Niemeyer – e a um sentimento antiempresarial. Com relação ao modernismo, ele alega que a repercussão acabou abafando outras escolas e pensamentos que vieram depois, deixando a academia muito presa às regras desse movimento e, por sua vez, influenciando a definição de normas e leis para o setor. “As restrições impostas ao mercado imobiliário resultam em um incentivo à ilegalidade. Temos, atualmente, entre 30 a 50 milhões de domicílios informais no Brasil”, justifica. Para o empresário, a pauta em discussão deveria ser como viabilizar a utilização do espaço construído de forma mais eficaz. Além disso, Ricardo Birmann comenta que muitos empreendimentos são acusados de intensificar o trânsito ou de acabar com o meio ambiente. “O contrário de adensamento é espalhamento e nada mais prejudicial que isso, pois leva a uma maior impermeabilização do solo, mais deslocamento e menor eficiência do sistema de infraestrutura”, detalha.

Maior concorrência como fator de qualificação dos projetos

Questionado por Felipe Cavalcante sobre o papel do setor imobiliário no aprimoramento das cidades, o diretor-presidente da Urbanizadora Paranoazinho S/A frisa que, para um desenvolvimento mais próspero, justo e em sintonia aos valores do século XXI, o ideal seria ter relações de mercado nas estruturas de urbanização, com menos restrições artificiais. “Deveríamos estar pensando em como tornar mais propícia a entrada de novos participantes no segmento”, aponta. Na sua avaliação, competição e concorrência são praticamente as únicas estratégias testadas em qualquer área para produzir mais qualidade com menor preço. E uma das formas para se ter mais players é diminuir o custo e as barreiras para se entrar nesse mercado, como o acesso ao capital e ao crédito. “Nosso papel é ser zeloso por um ambiente saudável para a concorrência na produção de espaço urbano”, resume.

A partir de um mercado livre e dinâmico, as transformações em relação ao poder aquisitivo e a caracterização social tornam-se naturais na sociedade, o que leva a população a migrar para lugares que ofereçam mais qualidade urbana, serviços, segurança e facilidade de acesso ao transporte, avalia Ricardo Birmann. “Isso faz com que a demanda por aquele espaço seja maior e o preço suba, levando quem vive nessa localidade a tomar a decisão de ficar ou não”, analisa. Esse é o efeito do fenômeno conhecido como gentrificação, outro tema abordado no podcast. “A gentrificação é um processo pelo qual, através do desenvolvimento de uma área, a população sai desse lugar, pois, no discurso mainstream, fica inviabilizada de permanecer no local”, resume o empresário. Ele observa que não cabe ao Estado tutelar as pessoas no seu direito ou liberdade de como dispor de sua propriedade privada. Para ele, o gestor público deve ter uma visão responsável sobre o espaço urbano para tomar decisões que impactem a cidade como um todo.

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