A revista The Economist publicou, no início de 2020, uma edição especial sobre os efeitos das restrições urbanísticas no custo das moradias para as classes média e baixa nas nações desenvolvidas nos últimos anos.
Restrições construtivas nas zonas centrais das cidade e o abandono das zonas periféricas
Com uma população que deve alcançar a marca de mais de 12,2 milhões de habitantes em 2030, conforme projeções do estudo SP Demográfico da Fundação SEADE (Sistema Estadual de Análise de Dados), a capital paulista vive os desafios gerados pelas decisões do passado sobre ocupação do solo e planejamento urbano e por uma expansão que se deu de maneira caótica e espalhada para longe das áreas centrais, impondo uma série de dificuldades a seus moradores.
Essas questões são abordadas no documentário São Paulo, Uma Cidade Segregada, roteirizado e dirigido por João Farkas, lançado em 4 de novembro e apresentado no dia 21 do mesmo mês na BandNews TV. O filme da MoG Produtora, traz relatos de pessoas que precisam diariamente lidar com problemas de mobilidade, falta de saneamento básico, para conseguir emprego e com o preconceito relacionado à região em que residem.
Na produção, os espectadores acompanham a jornada da administradora de sistemas Adriana Ramos que precisa de sete conduções para chegar da sua casa no Jardim Helena, zona Leste do município, até o trabalho no Jardim São Luís, na parte Sul, e mais sete na volta, em um trajeto que leva cerca de 6 horas. Essa é apenas uma das histórias mostradas no documentário, que reúne ainda urbanistas, empreendedores, técnicos, planejadores imobiliários e outros moradores para debater o formato atual de desenvolvimento de São Paulo, que empurra as pessoas para áreas periféricas com infraestrutura deficitária, e como ter uma capital melhor para todos.
Zoneamento questionado
Pesquisas e dados fundamentam o argumento do filme que, de acordo com a divulgação da MoG Produtora, coloca, no centro da discussão, dúvidas sobre a efetividade da “política extremamente restritiva nas zonas centrais da cidade e o abandono das zonas periféricas, onde o poder público mostra-se incapaz de formular políticas e garantir a sua implementação, criando um ambiente de ilegalidade, permissividade, baixíssima qualidade de vida e alto risco”.
Farkas afirmou em recente entrevista para o jornal Metro que o projeto cinematográfico surgiu depois de entrar em contato com informações sobre urbanismo, se aprofundar sobre o assunto e perceber que a proposta de um município menos verticalizado e adensado que ele acreditava ser a melhor não beneficia a maioria da população. De acordo com ele, “estamos defendendo um modelo de cidade muito grande, que não tem condições de dar infraestrutura para as pessoas que moram fora do Centro, além de agredir mananciais em volta da cidade e derrubar matas, porque adotamos esse modelo espraiado, de maneira desordenada”. Repensar a ocupação do solo e o adensamento da capital e como será o futuro de São Paulo são outros temas tratados no filme.
Rodado durante a pandemia do coronavírus, o diretor revelou para a Veja São Paulo que as entrevistas preparatórias para o documentário foram realizadas por vídeo. “Foi trabalhoso e tivemos que ser mais cirúrgicos nas filmagens, sem poder fazer muitas cenas na rua”, destacou. Farkas comentou que um dos relatos que chamou a sua atenção foi o de uma moça que vive na zona Sul do município e que há três anos procura emprego. Ela contou que uma das primeiras coisas que perguntam na seleção é onde ela mora e que, por residir longe, acaba sendo sempre descartada. “É muito duro ver uma vida submetida a essa exclusão por uma questão urbanística”, observou.
Olhar também sobre a natureza
A preocupação com as áreas verdes da capital paulista e com a sustentabilidade também está presente no filme. Ao jornal Metro, ele reforçou que sempre viu as cidades como um mal necessário e que era preciso “cuidar do que sobrou de verde”. Já na entrevista para a Veja São Paulo, salientou que o atual modelo de município espraiado e não adensado, “que gera falta de acesso, também agride os entornos, com mananciais derrubados, nascentes interrompidas e as represas poluídas enquanto se pensa que a luta pelo meio ambiente só existe na Amazônia e no Pantanal, mas estamos destruindo a natureza aqui do lado.”
Farkas, que tem uma extensa carreira na fotografia, possui uma relação profunda com a natureza. Em seu acervo guarda registros impressionantes da Amazônia, do Sul da Bahia e do Pantanal. Ele é, inclusive, um dos participantes e organizadores do Documenta Pantanal, uma iniciativa para divulgar as questões socioambientais da maior planície alagável do planeta. O projeto teve como inspiração para a sua criação o filme Ruivaldo, O Homem que Salvou a Terra, codirigido por Farkas e Jorge Bodanzky. O documentário, conforme matéria no site do Documenta Pantanal, mostra a luta diária da personagem principal para sobreviver às consequências geradas pelo assoreamento do Rio Taquari. Ainda neste ano, o fotógrafo e diretor, em parceria com a ação e com a Edições Sesc, lançou o livro Pantanal, com imagens realizadas durante seis expedições à região.
Além de observar a fauna e a flora, Farkas tem um olhar único para contar histórias de pessoas por meio de suas fotos. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), ele estudou também no International Center of Photography (ICP) e na School of Visual Arts (SVA), ambas em Nova York (EUA). Foi ainda fotógrafo correspondente da Veja e da IstoÉ. “O meu trabalho tem sempre um caráter poético e um diálogo permanente com a tensão entre o transitório e o transcendente, entre o episódico e o universal, entre o imanente e o ideal. Até por isso sou obrigado a uma conversa inescapável com as questões da beleza, tão fora de moda no território das artes nestes dias de horrores vários”, detalhou.
Clique aqui e assista ao trailer do documentário São Paulo, Uma Cidade Segregada.
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