NIMBY

A batalha entre YIMBY e NIMBY aumenta em todo o mundo. Enquanto os YIMBYs defendem o aumento da oferta de moradia em regiões dotadas de infraestrutura, os NIMBYs defendem o congelamento da cidade e o zoneamento excludente

Organizado em forma de grupos independentes e de atuação local em diversos países, o YIMBY (sigla que vem do inglês: “Sim no Meu Jardim”) apresenta-se como um movimento pró-moradia e desenvolvimento que busca alterações nas políticas urbanistas. O objetivo é aumentar a oferta de habitações para todas as classes sociais em regiões que tiveram uma grande elevação nos custos das residências.

O movimento surgiu como uma oposição ao NIMBY – expressão também em inglês que significa “Não no Meu Jardim” e que pode ser definida como a mobilização comunitária para impedir a aprovação de empreendimentos em seus bairros ou cidades. O YIMBY defende a necessidade de modificações nos zoneamentos, com adensamento das áreas, agilidade nos licenciamentos para novas edificações e incentivo para a formação de fundos para a construção de moradias de qualidade para a baixa renda, como detalha a YIMBY Action de São Francisco, na Califórnia (EUA), em seu site. Clique aqui para acessar.

A baía de São Francisco, inclusive, é apontada como exemplo pelo jornal britânico The Guardian, na matéria Ascensão dos YIMBYs: a furiosa geração millennials com uma solução habitacional radical, de Erin McCormick, como o berço do movimento. A localidade tem um dos aluguéis mais caros da América do Norte, situação desencadeada pela alta procura por imóveis e a baixa disponibilidade de unidades. Segundo a reportagem, entre 2010 e 2013, foram criados 307 mil empregos na cidade californiana (principalmente nas empresas de tecnologia do Vale do Silício) enquanto foram erguidas menos de 40 mil novas habitações, gerando o desequilíbrio entre oferta e demanda, encarecendo a moradia e dificultando a manutenção das pessoas em suas casas.

Esse cenário levou a ex-professora de matemática e moradora de São Francisco, Sonja Trauss, a fazer uma postagem na internet, em 2015, afirmando que o motivo da escassez de imóveis na região era uma questão 100% política, e não decorrente da falta de recursos, técnica ou materiais. Ainda conforme o The Guardian, o texto atraiu um grande número de seguidores que passaram a participar de audiências públicas que debatiam a permissão para novos empreendimentos imobiliários, a enviar cartas e a angariar apoio para a causa da construção de mais residências como solução para o déficit habitacional nos Estados Unidos. A partir dessa ação, a ideia se espalhou pelo mundo, com inúmeros grupos sendo formados no Reino Unido, Canadá, Austrália, entre outras nações.

Apesar de ganhar mais visibilidade e força a partir do post de Sonja, o termo YIMBY já havia sido utilizado em um artigo publicado no New York Times, assim como o NIMBY, na década de 1980, como revelou a escritora Karrie Jacobs em sua coluna no site de design urbano e arquitetura Curbed, da New York Magazine. No artigo A real resposta é ‘talvez’, ela comenta que o jornal apresentou, em 1983, a primeira citação ao “Não no Meu Jardim” em um texto que detalhava a luta de fazendeiros no Colorado (EUA) contra um depósito de lixo perigoso perto de suas terras. Já o YIMBY apareceu em1988 também em um artigo sobre um empresário do segmento de descarte que propôs que os depósitos de resíduos tóxicos fossem portáteis para que pudessem ser transportados de um lugar para outro em caminhões. “Sua reposta ao NIMBY foi um YIMBY ou um sim, em muitos quintais”, escreveu Karrie.

Grupos de YIMBY crescem em diversos países a partir do ativismo digital

Autointitulados de YIMBYs, os membros desses grupos têm, em geral, entre 20 e 30 anos e fazem parte da geração Millennials. São estudantes universitários, jovens e artistas em começo de carreira que vêm enfrentando dificuldades habitacionais nas maiores cidades mundiais, de acordo com a matéria do The Guardian.

“Em vez de sofrer em silêncio enquanto lutam para encontrar um local acessível para morar, eles estão planejando reuniões em massa para defender mais moradias – de preferência em projetos de preenchimento urbano denso que muitas vezes geram oposição do (movimento) NIMBY na vizinhança”, narra Erin. As atividades dos YIMBYs têm se multiplicado especialmente por meio da mobilização virtual, com a criação de diversos sites e perfis em redes sociais, como o Instagram, para divulgar iniciativas, encontros e os principais temas apoiados pelos participantes, inclusive no Brasil.

Em páginas como o YIMBY Nova York, YIMBY Action, Califórnia YIMBY, Londres YIMBY, São Paulo YIMBY e Porto Alegre YIMBY, para citar algumas das existentes, estão reunidas informações sobre as legislações urbanas nessas localidades, empreendimentos realizados e em desenvolvimento, notícias sobre urbanismo e arquitetura, e os motivos que levam os ativistas a se articularem por mais habitações em suas cidades. Muitos dos YIMBYs acreditam que a construção de “qualquer casa” é melhor que não erguer sequer uma. Eles apontam que para isso acontecer é preciso promover mudanças nas políticas urbanas, revendo o zoneamento para permitir o adensamento de bairros, garantir segurança jurídica para a concretização de novos complexos imobiliários e reduzir a necessidade de carros fazendo residências perto dos meios de transporte. Ainda segundo esses grupos, as vantagens dessas ações vão desde a redução do custo das moradias até a melhoria no deslocamento das pessoas e a preservação de áreas verdes.

Em contraposição, integrantes do NIMBY veem na defesa irrestrita de qualquer empreendimento efeitos como gentrificação, aumento da poluição e do trânsito, descaracterização da região e de seus moradores. A reportagem do The Guardian relata o caso de Mission District, em São Francisco, na Califórnia, um bairro hispânico de baixa renda que está sendo transformado em um território de luxo para funcionários do setor de tecnologia do Vale do Silício, elevando os aluguéis desse distrito e fazendo com que os antigos residentes tenham que deixar suas casas em busca de outras mais acessíveis financeiramente. Estudo mostrado pelo jornal estima que, entre 2000 e 2020, um terço da população latina da área terá deixado o local. Sonja Trauss, junto com outros YIMBYs, entraram no debate reforçando o argumento que “qualquer nova moradia é melhor que nenhuma” e foram à Comissão de Planejamento da cidade para discutir uma proposta de edificação de 75 unidades no Mission District, que seriam comercializadas, principalmente, pelo valor de mercado, o que causou reação dos ativistas hispânicos, pois elas ficariam fora da faixa de renda da maioria da população atual do lugar. “É util conhecer a comunidade por um tempo antes de decidir mudá-la. Os moradores se sentem desrespeitados por essas pessoas dizendo o que é bom para eles”, disse ao The Guardian Andy Blue, membro da Plaza 16 Coalition, grupo que tenta preservar a cultura latina no bairro. Conforme o jornal, também irrita os oponentes da gentrificação o fato dos YIMBYs “frequentemente fazerem lobby de projetos longe de seu território”.

Mobilizações alcançam resultados concretos 

A aprovação para a construção de uma torre residencial de 24 andares ao lado de uma estação de metrô em Oakland, na Califórnia, foi uma das conquistas dos YIMBYs da cidade, de acordo com a reportagem Ascensão dos YIMBYs: a furiosa geração millennials com uma solução habitacional radical do The Guardian. A ela juntam-se outras como a ação em Seattle (EUA) que tem como objetivo permitir maior densidade em distintas localidades, como o University District, ou a de Vancouver (Canadá), onde ativistas organizam passeios para mostrar lotes em zonas consideradas subaproveitadas, como áreas de 150 acres que contam com apenas 400 pessoas vivendo nelas. No Reino Unido, que possuiu uma Aliança dos YIMBYs que ajuda a começar novos grupos, há movimentos, além de Londres, em Oxford, Cambridge e Bristol que estão estudando como modificar as leis urbanas para permitir a edificação de mais habitações.

Também atuando na mudança da legislação, YIMBYs na Austrália buscam a permissão para que proprietários possam alugar os espaços acima das garagens de suas moradias. Já o Califórnia YIMBY, que tem mais de 80 mil integrantes e 20 equipes de voluntários, trabalha com o engajamento de eleitores, proprietários, locatários, empresas e comunidades, conectando-os a líderes locais e estaduais responsáveis pela redação e aprovação das normas urbanísticas e habitacionais. No site do grupo, é destacado que as iniciativas visam tornar o estado um lugar mais justo, acessível e habitável. Afirmam, ainda, que auxiliaram na aprovação de projetos de lei que possibilitarão a construção de pelo menos mais 1,5 milhão de casas na Califórnia.

YIMBY versus o NIMBY parece, muitas vezes, uma guerra cultural, destacou a escritora Karrie Jacobs em um artigo na Curbed.  “Vejo isso mais como uma resposta previsível a um sistema que força as discussões sobre a mais complexa das criações humanas – a cidade – em canais estreitos, nos quais a maioria das pessoas afetadas por um determinado projeto entra no final (dos debates), quando as decisões substantivas já foram feitas”, resume. Ela conclui que essa dicotomia a favor e contra qualquer coisa em qualquer lugar não faz sentido, uma vez que nem todos os empreendimentos são necessariamente bons ou ruins. “Não vivemos em um mundo binário; a maioria dos problemas de desenvolvimento com os quais lidamos são mais como ‘sim, mas’ ou ‘não, mas’”. Karrie acrescenta que a dificuldade é descobrir como expressar esses “tons de cinza” e ainda ser ouvido para que se tenha uma cidade melhor.

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