Clarice Oliveira tem estado a frente da aplicação dos conceitos de Placemaking na Cidade Pedra Branca em Palhoça/SC
Referência internacional em planejamento urbano sustentável, a Cidade Criativa Pedra Branca é um case exemplar de placemaking. Localizado no município de Palhoça, na Grande Florianópolis (SC), o bairro-cidade vem sendo construído há 20 anos, pautado pelas diretrizes do novo urbanismo e da criação de uma cidade para pessoas.
A transformação do loteamento residencial planejado inicialmente para a área de fazenda familiar de 250 hectares no bairro-cidade atual, premiado e reconhecido mundo afora, teve início em 2005, a partir da leitura do livro Place Making – Developing Town Centers, Main Streets and Urban Villages, de Charles C. Bohl. Os empreendedores entusiasmaram-se com as ideias e investiram em pesquisas e estudos e contrataram a consultoria de especialistas como Gehl Arquitects, Jaime Lerner e DPZ Latin America para orientar 11 escritórios de arquitetura locais para a criação do “melhor bairro para se viver” em Santa Catarina.
A partir de 2013, com a inauguração do Passeio Pedra Branca – shopping a céu aberto do bairro na primeira rua compartilhada do país – a nova centralidade de bairro foi consolidada, com mix de 45 lojas, serviços e gastronomia integrado a empreendimentos residenciais e comerciais e áreas de lazer e com infraestrutura adequada que possibilita morar, trabalhar, estudar e se divertir ao alcance de uma caminhada.
O Passeio Pedra Branca tornou-se um “lugar” a partir da atenção à essência do conceito de placemaking, como enfatiza Clarice Mendonça de Oliveira, Gerente de Marketing no Grupo Pedra Branca, referenciando o movimento Placemaking Brasil: é um processo de planejamento, criação e gestão de espaços públicos totalmente voltado para as pessoas, visando transformar ‘espaços’ e pontos de encontro em uma comunidade – ruas, calçadas, parques, edifícios e outros espaços públicos – em ‘lugares’, que eles estimulem maiores interações entre as pessoas e promovam comunidades mais saudáveis e felizes.
Graduada em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Clarice possui MBA Smart em Gestão Ágil de Projetos pelo Senai SC e MBA em Marketing da FGV-Florianópolis, além de extensão em Marketing Digital EAD pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Ela atua no Grupo Pedra Branca desde 2007, tendo sido coordenadora de marketing e coordenadora do Passeio Pedra Branca. Nesta entrevista ao movimento Somos Cidade, Clarice revela os “segredos” da criação desse lugar e os desafios enfrentados para a sua implantação.
Somos Cidade – Qual o “segredo” do placemaking, na sua opinião?
Clarice Mendonça – Para mim, o segredo do placemaking é o senso de comunidade. A satisfação de se sentir integrado a um lugar único, sendo reconhecido e reconhecendo boa parte de seus vizinhos. Na história da Pedra Branca, vi uma comunidade de “estrangeiros” chegando e se instalando no bairro. Perguntávamos uns aos outros de onde eram e, aos poucos, aquelas primeiras famílias tiveram seus filhos “pedrabranquenses” chegando e fazendo daquele bairro o seu lugar, reconhecendo e compartilhando o dia a dia com seus amigos do bairro, com a turma da rua. Vi nascer o Passeio Pedra Branca e realizamos tantos eventos e ações que já perdi a conta. Vi uma comunidade se formando e sou muito feliz de fazer parte disso, seja como moradora, desde 2006, e como parte ativa nesse processo.
Somos Cidade – E quais os desafios da sua implantação?
Clarice Mendonça – Com a chegada do Passeio, tínhamos um novo “palco”, a rua! A rua como palco das nossas vidas. A arquitetura do lugar foi moldando o comportamento daquela comunidade e trazendo novos olhares para o uso e a ocupação. Começamos a desenvolver um trabalho de envolvimento das pessoas, com o conceito de cidade para as pessoas e pelas pessoas. O senso de pertencimento do lugar foi uma importante conquista para o engajamento e olhar coletivo.
Alguns exemplos práticos foram a feira de artesanato, feira noturna de produtos naturais, missa católica etc. Todas essas ações foram propostas pelas pessoas da comunidade e acolhidas por nós na Pedra Branca. Vimos ali, a maior riqueza de todas e passamos a desenvolver esse tipo de parceria com mais e mais força. Nós somos “a mão invisível”, ou seja, o apoio necessário para essa comunidade se desenvolver, um “empurrão” nas ideias da comunidade, o empoderamento para essas pessoas colocarem suas ideias em prática e, com isso, a rua ia ganhando vida, personalidade, alma.
O grande desafio passou a ser o planejamento, criação e gestão de ações e eventos que envolvessem a premissa do engajamento da comunidade. Aí nasceu um projeto lindo, que é o Natal Encantado do Passeio Pedra Branca. Desde a sua primeira edição, nosso grande sonho era desenvolver uma comunidade tão forte e pulsante, que pudesse “um dia” ter moradores saindo de suas casa e indo se apresentar nas ruas do Passeio, nossos artistas! Com programação totalmente gratuita, pensando na integração com comunidades locais e levando cultura e arte ao acesso das pessoas, esse projeto contribuiu para a formação cultural local envolvendo famílias, moradores, escola de dança, escola de música, escolas do bairro, universidade. Essas pessoas dedicam-se por meses, montando coreografias, ensaiando, preparando figurinos. É algo emocionante!
Outros desafios que tivemos e temos ao longo da construção desse lugar chamado Passeio Pedra Branca:
Engajamento dos lojistas: visão focada ao seu negócio e, em geral, com baixo entendimento do conceito coletivo; falta de confiança. Percebo que é difícil a compreensão sobre o desenvolvimento de ações com foco coletivo e as suas vantagens, pois o olhar de muitos empresários é mais restrito ao seu negócio e visa o resultado imediato. Mas trabalhamos de forma contínua e persistente todos os conceitos de uma “cidade para as pessoas”.
Uma das ações que realizamos são os comitês de marketing, nos quais podemos discutir com os lojistas todas as ações a serem realizadas (que muitas vezes são cocriadas) e ações já realizadas – sobre as quais elaboramos uma avaliação para melhorias futuras. Também estimulamos muito o desenvolvimento de ações e eventos pelos próprios lojistas e, nesse caso, entramos com nosso conhecimento em realização de eventos, dando um suporte no desenvolvimento de concepção, planejamento, orçamento, marca, comunicação. Tudo é de responsabilidade do próprio lojista proponente, mas atuamos como um motor, ajudando o processo a sair do papel. Alguns exemplos que deram certo: St. Patricks Day, Passeio Sunset, Chalenge de Bikes, Dia das Crianças Pedra Bikes, Mostra de Dança Espaço 2, entre outros.
Conflito de interesses: outro ponto a destacar é o conflito de interesses entre moradores, lojas, escritórios, enfim, os diferentes stakeholders que compõem o ecossistema. É difícil alcançar o envolvimento e engajamento desses públicos, em especial quando a comunidade se torna grande. A comunicação é mais difícil e muitas vezes com grande desafio de chegar nesses grupos. Como trabalhamos esses desafios? Com envolvimento e comunicação de forma contínua e persistente. Um exemplo prático? Algum evento que atenda aos lojistas, mas não atinja diretamente outras empresas do ecossistema, ou que podem de certa forma, atrapalhar a rotina dos moradores.
Conceito Viva a Rua, vida ao ar livre, shopping a céu aberto
A parte conceitual é um grande desafio! Ouvi muitas, muitas vezes mesmo, o quanto é “ruim” sermos um shopping a céu aberto, porque chove, venta, faz sol, tem mosquitos. Eu sempre respondi “ruim é você passar um dia inteiro num lugar fechado e nem saber se teve sol ou chuva” ou então, e o mais importante: essa na verdade é nossa grande força! Criamos até o slogan que diz que “faça chuva ou faça sol o Passeio não para!”. A pandemia só veio fortalecer esse conceito, mostrando que a vida mais natural, ao ar livre, onde podemos, nesse ambiente urbano acolhedor, ter mais estímulos aos olhares e sorrisos entre as pessoas. Incentivamos continuamente os eventos na rua, as mesas dos restaurantes nas ruas, piqueniques nas praças, uso das bicicletas, vida na calçada.
Intempéries (chuva, vento, sol)
Esse sim é um gigantesco desafio quando se trata de eventos ao ar livre. É preciso ter um planejamento que contemple essa característica, prevendo contratos com cancelamento em dias mais próximos ao evento. Tem que ter, também, muito preparo técnico e um departamento de oração bem forte (risos).
Somos Cidade – Quais os benefícios do placemaking para todos os públicos?
Clarice Mendonça – Um lugar que proporciona variadas possibilidades de encontro e de vivência. Um lugar onde você pode fazer tudo perto, a poucos passos de tudo. Moradia, trabalho, estudo e diversão ao alcance de uma caminhada.
São muitos os benefícios do placemaking para todos os públicos:
- Uso dos espaços é mais seguro.
- A qualidade do espaço urbano atrai as pessoas.
- A transparência traz sensação de segurança (cidade sem muros).
- A diversidade de pessoas torna a cidade mais resiliente.
- O encontro e a densidade tornam o local mais atraente.
- Proximidade, economia de tempo tornam o viver mais sustentável.
- A mistura de usos dá mais inovação e criatividade ao lugar.
- O encontro proporciona o surgimento de novas ideias.
Como destaca Caio Esteves no livro Place Branding, “o espaço transforma-se em lugar à medida que adquire a definição e significado. Quando o espaço é inteiramente familiar, torna-se lugar”.
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