Os Business Improvement Districts têm sido usados em todo o mundo para melhorar a gestão do espaço público e a revitalização urbana
Recuperação de regiões centrais, valorização de propriedades, aumento das vendas de empreendimentos locais e investimentos em marketing e ações sustentáveis. Essas são algumas das vantagens que os Business Improvement Districts (BID – Distritos de Melhoria Empresarial, em tradução livre do inglês) agregam às cidades que adotam esse modelo de gestão de áreas urbanas.
Os BIDs são Parcerias Público-Privadas (PPPs) nas quais a maioria dos empresários e donos de imóveis comerciais (e em alguns casos, residenciais) de um determinado bairro define o pagamento de uma taxa obrigatória para financiar a manutenção, o desenvolvimento e a promoção da sua localidade. Os valores das contribuições às administrações municipais são estabelecidos pelos próprios participantes e revertidos para a execução de aprimoramentos no território abrangido pelo BID, que pode ser desde um conjunto de ruas ou praças até grandes zonas. Esse conceito surgiu no final da década de 1960 e início dos anos 1970 no Canadá.
Para detalhar o funcionamento dos Distritos de Melhoria Empresarial, o Banco Mundial estabelece, em seu site, uma analogia com a operação de um shopping center. Esses empreendimentos, em geral, são conduzidos por uma entidade que subloca um espaço para diversos inquilinos, que pagam um encargo para a conservação dos ambientes comuns e pela publicidade das lojas e do complexo. O mesmo princípio rege os BIDs, que executam, por intermédio das organizações sem fins lucrativos que os gerem, serviços complementares aos prestados pelos governos locais.
No entanto, a criação de um Distrito de Melhoria Empresarial (ou Distritos de Melhoria da Cidade – CIDs – como são nomeados em algumas nações), não significa que as administrações públicas deixam de atuar nesses lugares. O que o acontece é o compartilhamento de algumas competências, conforme reportagem publicada no jornal El País. “Além disso, a autoridade municipal tem que aprovar a constituição do BID, que depende de duas condições: um plano de negócios e um referendo entre os comerciantes. Cada país exige uma maioria mais ou menos qualificada nessa consulta para que o projeto siga adiante”, afirma o texto. As decisões sobre programas, obras, orçamentos, políticas e pessoal que serão adotadas em cada bairro são responsabilidade dos Conselhos Consultivos, de acordo com o NYC Small Business Services, órgão do Executivo de Nova York (EUA). Esses conselhos devem ser compostos por moradores, representantes das prefeituras, empresários e proprietários, eleitos pela população da região.
Evolução das políticas urbanas
Vistos como um paradigma da evolução das políticas urbanas nos últimos anos, os BIDs, “exemplificam a tendência de descentralização e privatização que desafia os governos locais no contexto da globalização econômica”, na opinião das doutoras em Direito Helena Villarejo-Galende e María Luisa Esteve Pardo, professoras da Universidade de Valladolid e da Universidade de Girona, na Espanha, respectivamente. Em artigo apresentado no VI Congresso Internacional Cidades Criativas, ocorrido em Orlando (EUA), em 2018, elas destacaram que os Distritos de Melhoria Empresarial assumiram grande importância devido a sua maneira única de organização, expansão pelo mundo e ao poder administrativo e econômico que exercem. Segundo as advogadas, a disseminação dos BIDs é uma resposta a vários fatores socioeconômicos e políticos, como o declínio das áreas centrais, ampliação territorial dos municípios, desenvolvimento de novos formatos comerciais e problemas de organização e financiamento das cidades.
A regeneração urbana da região dos Distritos de Melhoria Empresarial é um dos principais resultados da atuação dos BIDs, que proporcionam ainda, de acordo com o Banco Mundial, uma fonte confiável de aporte de recursos para a realização das atividades priorizadas pelos Conselhos Consultivos. “Por serem autogerenciados e financiados pelos próprios proprietários, os distritos geralmente oferecem a capacidade de responder mais rapidamente do que o setor público às necessidades em constante mudança da comunidade empresarial”, destaca o texto publicado na página da instituição.
Facilitar o networking entre os comerciantes, promover eventos e estabelecer um elo entre as empresas locais e demais envolvidos nos BIDs e o governo da cidade são outros benefícios apontados pelo NYC Small Business Services, que – dentre outras atribuições – supervisiona e dá suporte para os distritos existentes e às pessoas que desejam formar novos BIDs. Equipes do órgão participam também do conselho de todas as iniciativas criadas em Nova York.
Qualificação dos espaços e desenvolvimento econômico
Ao unir diferentes atores de uma mesma área, com conhecimento único das suas necessidades e aspectos culturais, os Distritos de Melhoria Empresarial fornecem uma voz coletiva para o bairro, com maior força para desencadear avanços que qualifiquem a vida de todos. Entre as muitas ações efetuadas pelos BIDs estão as de marketing, com a promoção de atividades que valorizam os espaços e os negócios instalados na região, atraindo mais visitantes e tornando os ambientes mais ativos, vibrantes e prósperos.
Nesse sentido, a executiva sênior de Marketing da Foundation Recruitment, Kat Whitehead, apresenta, em artigo publicado no site da empresa de consultoria e recrutamento da Inglaterra, um projeto de cartão de descontos do BID Kingston First. O Keep it Kingston é voltado para funcionários permanentes que trabalham nessa localidade e disponibiliza ofertas especiais em lojas, restaurantes, pubs e serviços gerais e de entretenimento, movimentando a economia do lugar. A promoção dos Distritos de Melhoria Empresarial, retenção de pessoal, elevação das vendas e redução dos índices de desocupação de imóveis comerciais são outras vantagens apontadas pelos apoiadores dos BIDs.
A partir dos recursos levantados com as taxas determinadas em cada um dos distritos (há ainda a possibilidade de solicitar outros financiamentos públicos e privados), que têm poder de decisão sobre onde os aportes serão aplicados, podem ser concretizados serviços como os de limpeza, coleta de lixo, paisagismo, manutenção das ruas, segurança e hospitalidade, desenvolvimento de negócios e iniciativas comunitárias. O escritor freelance baseado em Nova York, Rainier Harris, listou, também em matéria no jornal Brooklyn Daily Eagle, que os BIDs podem investir em decorações para os diversos feriados para incentivar o turismo na região, organizar festivais, passeios de fim de semana e degustações de comidas e bebidas de empreendimentos pertencentes à localidade. Kat Whitehead, da Foundation Recruitment, acrescenta outra atividade nesse contexto: o Festival King Street, em Manchester (Inglaterra). Realizado pelo Manchester BID, o evento reúne mais de 50 lojas, restaurantes e hotéis para celebrar o destino icônico de compras da cidade, a King Street. “Ao longo da rua foram colocados estandes com roupas e joias de butique, prosecco gratuito, havia um campo de minigolfe e uma excelente banda ao vivo. Os bares ao redor disponibilizaram cadeiras e comida para quem assistia ao show”, descreveu sobre a festa que participou, em 2017.
Apesar dos Estados Unidos e o Reino Unido serem as principais referências na implantação de Distritos de Melhoria Empresarial, foi no Canadá que esse tipo de gestão urbana começou, no final dos anos 1960. Esse modelo de administração surgiu por intermédio de um pequeno grupo de empresários de Toronto que descobriu uma forma de resolver “o problema dos ‘caronas’ que não cooperavam economicamente, mas se beneficiavam das ações e aprimoramentos efetuados e financiados pelos membros da associação empresarial voluntária”, de acordo com as doutoras em Direito Helena Villarejo-Galende e María Luisa Esteve Pardo.
O Bloor West Village foi o primeiro BID do mundo criado como uma possibilidade para esses empreendedores terem uma “entidade autônoma de gestão privada com o poder de impor uma cobrança a todos os donos de negócios no distrito para subsidiar a revitalização local”. Isso foi viabilizado a partir de uma legislação específica aprovada pela província de Ontário em 1969, que levou à formatação do Bloor West Village no ano seguinte. Com o sucesso inicial e os benefícios que o BID trouxe, a proposta espalhou-se pelo Canadá e, logo em seguida, pelos Estados Unidos.
Desafios passam pelo acompanhamento das mudanças das cidades
Há, hoje em dia, mais de 2,5 mil Distritos de Melhoria Empresarial nos Estados Unidos e Canadá, de acordo com dados do International Downtown Association. Em Nova York, por exemplo, a recuperação do Bryant Park foi a primeira movimentação de BID registrada. O parque em Manhattan estava abandonado e servia como ponto de tráfico de drogas no começo dos anos 1980 até que um grupo de executivos da área, como os presidentes da Time Inc. e do Rockefeller Brothers Fund, reuniram-se para definir um plano de reconfiguração desse espaço urbano.
Essa reconfiguração envolveu a criação de um distrito empresarial para obter recursos para aprimorar a iluminação, os passeios, fontes e instalar quiosques de alimentação e bancos, como destaca a história contada no no site do Banco Mundial. O projeto contou ainda com o trabalho de William H. Whyte e do Project for Public Spaces (PPS). Além de proporcionar o retorno das pessoas para o lugar, os integrantes do BID beneficiaram-se com a valorização de suas propriedades. Ao todo, são 76 os atuais Distritos de Melhoria Empresarial existentes na cidade, em localidades como Bronx, Queens, Staten Island, Brooklyn e Manhattan, segundo informações do NYC Small Business Services. Eles agregam 93 mil negócios, mantêm 129 locais públicos e investem anualmente 167 milhões de dólares.
Já no Reino Unido, conforme relatório da organização British Bids, havia 321 Distritos de Melhoria Empresarial na região em 2019, um aumento de 5% em relação ao ano anterior. Outros 51 estavam em fase de desenvolvimento, representando um incremento de 8% em comparação a 2018. Em Londres, o primeiro BID instalado foi o de Kingston First, em 2005. A prefeitura da capital inglesa estimava, em 2016, mais de 50 dessas estruturas implementadas na cidade, abrangendo 61 mil empresas, 905,2 mil pessoas empregadas e 287 serviços adicionais proporcionados.
Diferentes experiências foram inspiradas pelo BID em países como África do Sul, Alemanha e Chile, cada um com suas particularidades em legislação, formas de financiamento e nome. No Brasil, conforme a Agência da Câmara de Notícias, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 415/18, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), tinha como objetivo criar uma contribuição específica para que as prefeituras e o governo do Distrito Federal pudessem delegar a organizações sem fins lucrativos a realização de obras de revitalização econômica de uma área urbana delimitada. A PEC foi encaminhada para a votação da Câmara de Deputados, mas não teve andamento. Já na Espanha, diversas cidades estabeleceram grupos para estudar a viabilização dos BIDs, como revela a matéria do El País.
Enquanto os entusiastas dos Distritos de Melhoria Empresarial ressaltam as vantagens que eles trazem para as comunidades, críticos à iniciativa argumentam que os BIDs resultam em “certa privatização da gestão e do governo do espaço público”, como pondera o jornal El País, gentrificação, com a elevação dos imóveis que pode levar moradores e comerciantes a saírem de suas regiões, e geram impostos extras para pequenas empresas e proprietários, como assinala Rainier Harris, no Brooklyn Daily Eagle. Na visão do PhD em Ciência Política na Universidade George Washington (Washington DC, USA), Daniel Ziebarth, os opositores veem os BIDs como “antidemocráticos e prejudiciais para os pequenos negócios e residentes locais”. Em artigo publicado no jornal inglês Political Quarterly, ele escreveu que os distritos empresariais são “vistos como grupos poderosos que controlam recursos significativos, remodelando as comunidades contra a vontade daqueles que não concordam com suas decisões”.
Apesar da oposição aos BIDs em alguns lugares e países, eles continuam a se expandir como uma alternativa de recuperação das àreas centrais e de outras localidades das cidades. O BID Foundation divulgou, em 2019, o estudo Revisão do Estado da Arte dos Distritos de Melhoria Empresarial no Reino Unido – Definindo a agenda para a política, prática e pesquisa, produzido pelo Institut os Place Managment (IPM), que identificou três questões que terão maior impacto no desenvolvimento futuro dos BIDs.
O primeiro desafio indicado é o de integrá-los em redes de governança mais amplas. O segundo refere-se à própria administração dos distritos que enfrentam problemas que podem ser solucionados com o aperfeiçoamento das estruturas gerenciais, alinhando melhor os interesses dos seus integrantes. E, por fim, o relatório aponta a necessidade de gerenciar a evolução dos BIDs e acompanhar as mudanças que ocorrem no varejo dos centros urbanos e que podem influenciar tanto no financiamento em potencial de muitos distritos como em suas atividades. Conforme a pesquisa, terão mais sucesso em acompanhar as alterações aqueles BIDs que forem mais inclusivos a todos os tipos de negócios e conseguirem alcançar diferentes grupos, como o de residentes.
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