associação de moradores

A associação de moradores é um fator crucial para o sucesso de um empreendimento e muitas vezes esquecido pelos empreendedores

O papel e a importância da associação de moradores em um empreendimento imobiliário foram a tônica do podcast promovido pelo Movimento Somos Cidade com dois dos maiores especialistas do país em gestão e desenvolvimento de loteamentos. Felipe Cavalcante, coordenador do movimento, conversou com Mariângela Machado, diretora da Focus Trading Desenvolvimento Urbano e Gestão, e com Eduardo Eichenberger, diretor da Global Governance, referências nacionais em suas áreas de atuação.

No debate, estiveram em pauta temas como os benefícios da implantação de uma associação de moradores, as questões legais, burocráticas e estratégicas envolvidas, a complexidade do gerenciamento do conflito de interesses e as soluções possíveis de serem adotadas para reduzir riscos e agregar valor ao empreendimento. O papel do empreendedor nesse processo e a relevância de agregar conceitos como vitalidade urbana e tutoria urbana ao planejamento foram também destacados pelos convidados no podcast.

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Planejar para pessoas

Quando um empreendimento imobiliário começa a ser comercializado, ele começa a ganhar vida. “Pessoas começam a se agregar àquele projeto, e é preciso dispensar máxima atenção a elas. São pessoas diferentes, com necessidades, expectativas e ansiedades próprias. Se isso não for bem suprido, a gente dá margem para causar frustração e uma série de dificuldades que, na realidade, não precisariam existir”, alerta Eduardo Eichenberger, com base na sua experiência de 20 anos de mercado.

E esse pensamento voltado para as pessoas deve ser anterior à assinatura de qualquer contrato. Ele deve permear o planejamento do empreendimento e todas as estratégias a serem adotadas em cada etapa a seguir.  Uma delas – de imensa importância – é a formalização da associação de moradores. “Quando o estande de vendas é aberto, o material promocional já deve mencionar a existência da associação, o papel e o valor dela. Nesse momento, é importante a equipe comercial compreender isso e ser treinada para vender a importância da associação associado ao produto, pois ela é um diferencial do empreendimento”, enfatiza Eduardo.

Quem deve acolher esse futuro morador é a associação, segundo ele, que demonstra os seus objetivos, o seu valor, os benefícios que irá proporcionar e partir desse momento, e já estabelece o relacionamento. “Isso caminha ao longo da obra, e quando se aproxima do momento da entrega, o morador já está consciente da figura da associação, da sua importância”, complementa. Sobre as ações de relacionamento a serem desenvolvidas, Eduardo destaca algumas que apresentam excelentes resultados, como as visitas guiadas às obras e o plantio de mudas de árvores, de forma coletiva ou entre famílias de proprietários.  “O pessoal adora e sente orgulho do que está comprando. E também isso se torna uma oportunidade para as pessoas se conhecerem, se identificarem e começarem a formar seus laços de amizade”, argumenta, reforçando que é fundamental, para tanto, preparar o ambiente para que sejam bem acolhidos e para que tenham a melhor experiência possível.

Vitalidade urbana

Considerando os diversos tipos de empreendimento, de curto, médio e longo prazo, Felipe Cavalcante questionou os convidados sobre qual deve ser o papel do empreendedor nesse processo. Para Mariângela Machado, o empreendedor deve ter um papel de propósito chamado “vitalidade urbana”. “Quando ele fizer um projeto, deve entender que é como uma criança: ela não ganha vida quando nasce, mas quando ainda está no ventre. Quando ele concebe um empreendimento, quando ainda não tem alvará de construção, é aí que o conceito de sociedade é lançado, e aí que gera uma comunidade”, explica.

Com 40 anos de experiência no mercado, ela reconhece que essa não é uma prática na maioria dos empreendimentos. “Em 80% dos casos, somos procurados para constituir associações quando o empreendimento já está entrando no registro imobiliário. Ninguém pensa na vitalidade urbana. Pensaram no urbanismo, nos projetos, no lançamento, na comercialização, no registro, no licenciamento”, lamenta. Mariângela reforça que a vitalidade urbana nasce no “ventre”, que é a concepção do empreendimento, e não no registro dele. “Esse é o primeiro foco para dar certo”, pontua.

Para bairros e comunidades planejadas, a criação de uma associação de moradores é primordial. Em loteamentos, abertos ou fechados, o empreendedor é quem deve decidir sobre a sua formalização ou não. “Se o empreendedor ‘comprar’ essa ideia, precisará colocar no custo que não é só projeto, licenciamento e obra. É projeto, licenciamento, obra e ambiência”, reforça. Sua recomendação, nesses casos, é que, se o empreendedor não estiver disposto a esse envolvimento, não crie uma associação. “Será menos danoso do que fazer e não cuidar. Mas minha recomendação é que faça, pois, se não, alguém o fará”, pondera.

Quando o coordenador do Movimento Somos Cidades, Felipe Cavalcante, perguntou sobre quais fatores levam uma associação de moradores a dar errado, Mariângela foi enfática: “departamentos jurídicos, próprios ou terceirizados, não devem escrever os estatutos”. “Eles devem ser escritos por quem tenha experiência em gestão. A legislação – o que pode ou não pode – é o básico. Onde começa errado? O ‘recorta e cola’ dentro dos escritórios jurídicos”, avalia. Eduardo tem a mesma opinião. “Não é ‘copia e cola’. Cada associação tem uma característica e tudo isso reflete na forma de escrever, de estabelecer o estatuto e o regramento”, reforça. A associação de moradores é considerada, por eles, a sociedade de uma comunidade. “E gestão é comunidade, é transparência, é respeito. É isso que temos que pensar quando escrevermos um documento associativo de gestão”, frisa Mariângela.


Tutoria urbana

O compromisso e a necessidade da associação de preparar e conduzir a comunidade de um determinado empreendimento é o que Eduardo Eichenberger chama de “tutoria urbana”. “A associação de moradores não está ali pra cuidar do jardim, da rua ou do prédio do empreendimento. Está ali para muito mais: para zelar pelas pessoas, para auxiliá-las e para desenvolver o melhor ambiente possível para elas morar e viver”, destaca.  A associação tem um papel importante de suprir essas pessoas de informações e de referências que estimulem o compartilhamento, o interesse comum. “É traçar um planejamento para que esse grupo de pessoas possa se desenvolver, de forma harmônica, respeitosa, a partir de parâmetros de convivência, de estimulo à sua integração e seu relacionamento, para que tudo se reverta em bem-estar, qualidade de vida e valorização”, complementa. Eduardo argumenta que esse trabalho proativo não nasce espontaneamente. “Isso é planejado, é construído. E, em médio prazo, você percebe nitidamente um ambiente que teve essa preocupação e o ambiente que não se atentou a isso. Tutoria urbana é esse cuidado com as pessoas; é o olhar para as pessoas”, pontua.

Nesse sentido, ambos os convidados entendem que o empreendedor deve estar à frente dessa gestão, da governança. “Quem tem a legitimidade dessa liderança é o empreendedor. Ele idealizou, ele que pôs em pé, comercializou e tem a relação individual com todos os adquirentes. Ele se comprometeu a entregar e será cobrado. Quando ele se exime dessa liderança, a tendência é desarmonizar. Todos se sentem no direito de ser o líder e aí se formam as panelas, as brigas, e fica difícil resgatar”, alerta Eduardo. Para Mariângela, o empreendedor deve permanecer à frente da associação por um ou dois anos após a entrega no caso de loteamentos e condomínios. “Mas em comunidades planejadas, ele tem que se manter ali ou próximo dali. Ele vai criar aquela criança que foi planejada”, afirma.

Mariângela acrescenta que “estar no comando” não precisa, necessariamente, estar à frente do mandato. “Em muitas situações, ele não tem o poder executivo, mas tem o poder patronal, de dizer ‘sanciono ou veto essa decisão’. Ter esse poder de sanção ou de veto de uma decisão da assembleia dentro do estatuto como clausula pétrea é fundamental para o sucesso do negócio”, frisa.

Desafios de gestão

Felipe Cavalcante lembrou o fenômeno dos Nimbys (acrônimo de Not in My Back Yard), que representa um grupo contrário à expansão do empreendimento, mesmo que isso já estivesse estabelecido no contrato. “São pessoas que começam a ter esse sentimento de ‘quero isso só para mim’. Quais as técnicas para lidar com isso?”, perguntou o coordenador do Movimento Somos Cidades aos convidados do podcast.

Para Eduardo e Mariângela, informação e encantamento são a chave para evitar esse tipo de reação. A cada nova etapa do empreendimento, é preciso estar empenhado para encantar o cliente e não dar motivo para insatisfação e, desde o princípio, garantir que ele tenha conhecimento, de maneira formal e transparente, de tudo o que está projetado e o que vai acontecer. “Quando a informação não é integralmente transmitida e ele se dá surpreendido, existe uma reação de se contrair, de se fechar, de ir contra. Medidas preventivas são transparência, informação, formalização e disposição permanente para informar”, diz Mariângela.

Citando casos em que grupos organizados conseguiram impedir a alteração de zoneamento de um bairro – de estritamente residencial para especialmente residencial – o que veio a provocar o abandono e a desvalorização dos imóveis ao longo dos tempos, em função da mudança do estilo de vida e do interesse das pessoas por esse tipo de lugar, Mariângela enfatiza: “o progresso tem que ganhar do isolacionismo”. “Nossas famílias não são mais as mesmas e elas não herdam o mesmo bairro. Temos uma frase que diz: ‘sua capacidade de mudar é o maior seguro que você tem contra a sua capacidade de ficar para trás’”, destaca. E complementa: “cuidado nimbys: não deixar um empreendimento ‘ir para frente’ pode ser um tiro no pé”.

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