Smart cities

As verdades cidades inteligentes (Smart cities)  são aquelas que colocam as pessoas e a sustentabilidade no centro.

Promover o desenvolvimento urbano sustentável. Esse é o principal propósito por trás do conceito de smart cities, que deve considerar as tecnologias digitais como ferramentas – e não como objetivos – para minimizar os impactos ambientais, promover saúde, bem-estar e felicidade para as pessoas e, em consequência, conquistar maior eficiência operacional na gestão das cidades. É com esse alerta que a arquiteta e urbanista Myriam Tschiptschin inicia a sua participação no novo episódio do podcast do Movimento Somos Cidade.

Entrevistada por Felipe Cavalcante, coordenador do Movimento Somos Cidade, Myriam destaca como as melhores práticas do urbanismo aplicadas nas cidades e nos empreendimentos imobiliários são eficientes para a promoção da sustentabilidade e como as inovações tecnológicas podem contribuir para alcançar esse objetivo. Myriam é especialista em Novas Tecnologias aplicadas à Arquitetura e a Cidades pela Universidad de Alcalá em Madri, Espanha, e Mestre pela FAU-USP na área de Planejamento Urbano e Regional. Pesquisadora na área de sustentabilidade desde 2011, é gerente da unidade de Smart Cities e Infraestrutura Sustentável do Centro de Tecnologia de Edificações (CTE), empresa de consultoria e gerenciamento para o setor da construção.

“A questão da smart cities carrega o peso das tecnologias digitais. Então, como a gente consegue atingir todos esses objetivos tendo a tecnologia como ferramenta? Se olharmos o conceito de forma mais ampla, veremos que tem muita coisa que é ‘inteligência de projeto’, como o resgate de soluções baseadas na natureza. Quando resgatamos o ciclo hidrológico, a gente está produzindo cidades sustentáveis, cidades inteligentes, aumentando a vegetação urbana, melhorando as questões de drenagem. Tudo isso, no nosso conceito, é uma smart city”, enfatiza Myriam, coordenadora e professora do curso de Smart Cities do Istituto Europeo de Design (IED) e professora da pós-graduação Lato Sensu de Sustentabilidade do Mackenzie.

Infraestrutura verde

O resgate do ciclo hidrológico, prejudicado em função do excesso de pavimentação das cidades, segundo ela, é uma das soluções importantes a serem adotadas a partir do planejamento de uma “infraestrutura verde”. “A ideia é trazer a vegetação de novo para as cidades. E essa vegetação tem que ser construída. Não é simplesmente um jardim, mas um jardim com foco para potencializar a infiltração (da água da chuva) e a evapotranspiração. É um jardim com bastante biomassa, ou seja, não adianta fazer grama, precisa ter folhas – um alto índice folhar, pois a partir da folha que faz a maior parte do processo de fotossíntese, além de um substrato que otimize essa infiltração e a recarga dos nossos aquíferos. Isso é infraestrutura verde”, explica Myriam.

Dentre as estruturas possíveis, ela cita os jardins de chuva, as biovaletas e os poços de infiltração. Além de contribuir para a redução das inundações nas cidades, e de todas as tragédias e prejuízos econômicos provocados pelas enchentes, esse tipo de estratégia atende aos pré-requisitos da certificação Sustainable Sites – SS, conferida pelo U.S. Green Building Council (USGBC), órgão responsável pelo sistema de certificação LEED.  “Essa foi a que trouxemos para o Brasil para aplicar nos loteamentos tradicionais, de condomínios fechados. Porque é uma certificação que foca na ocupação sustentável do terreno, independentemente se ele está conectado, se tem acesso a transporte, se tem serviços básicos”, comenta Myriam, LEED Accredited Professional pelo USGBC desde 2011.

Outro benefício, ela explica, é que essa estratégia impacta o custo de obra. “Se o empreendedor consegue aprovar na prefeitura esse sistema verde em complementação ao sistema cinza, convencional, conseguirá diminuir a infraestrutura cinza e terá economia de obra”, pontua. Sobre essa questão, Felipe Cavalcante argumenta que o crescente interesse do empreendedor anda em descompasso com o processo de aprovação desse tipo de estratégia junto ao poder público. “Conheço empreendedor que acabou desistindo. Os empresários estão indo mais rápido e os governos não estão conseguindo acompanhar”, comenta. Myriam reconhece, e acrescenta que tem conhecimento de aprovação desse tipo de iniciativa em apenas duas cidades brasileiras.

Cidade para as pessoas e caminhabilidade

Ao recordar o processo de evolução dos conceitos de desenvolvimento urbano, Myriam destaca os movimentos surgidos em contraposição ao modelo de cidade planejada “na velocidade do carro”, especialmente os liderados por Jane Jacobs, nos anos 1960, e pelo Congresso do Novo Urbanismo, nos anos 1990. “O Congresso fundamentou alguns conceitos, principalmente o relacionado ao walkability (ou caminhabilidade), sobre como tornar os espaços urbanos mais amigáveis para o pedestre”, pontua. Mais recentemente, na virada do século, o dinamarquês Jan Gehl difunde o conceito de “cidade para as pessoas” ao defender a escala humana. “É a percepção de uma pessoa caminhando é completamente diferente da percepção de uma pessoa a 60km/h ou mais dentro de um carro, ou seja, como a gente produz uma cidade para essa percepção dos 5km/h (a pé) ou de até 20km/h, se a pessoa estiver de bicicleta”, acrescenta.

Felipe Cavalcante questiona: “o conceito de cidade para as pessoas entra nesse conceito de smart cities?”. Para Myriam, sim. “Quando a gente fala que um dos objetivos das smart cities é a promoção de saúde, de bem-estar, então está intimamente ligado a esse conceito. Esse conceito de cidades para pessoas – é meio óbvio – pessoas vivendo em uma cidade, e a cidade causa aglomerações urbanas, que trazem uma série de benefícios que a gente não vai abrir mão. Mas a gente precisa que as pessoas estejam felizes vivendo em aglomerações urbanas”, considera.

Nesse sentido, ela reforça a importância da promoção de “cidades caminháveis”, que trazem uma série de benefícios, seja para reduzir a pegada ambiental, com a redução da emissão de carbono, melhorando a qualidade do ar, seja para tornar as pessoas mais ativas. “Ter pessoas mais ativas nas cidades traz enormes benefícios para a saúde da população, com dados monitorados em muitos países, inclusive com a redução dos gastos relacionados à saúde publica. Tudo isso está muito ligado”, reforça.

Mas como tornar um lugar atrativo e amigável para o pedestre? Questionada pelo coordenador do Movimento Somos Cidade sobre quais são as ferramentas a serem utilizadas para que o pedestre se sinta seguro de andar pela cidade, Myriam relevou que são várias. Mas foi enfática: “começa no planejamento urbano. Não adianta qualificar uma calçada e não mexer na Lei de Ocupação do solo, por exemplo”. Segundo ela, parte das estratégias de walkability deve considerar a ocupação do lote, como a redução dos recuos frontais. “Se faz recuos enormes, afasta o uso da edificação da calçada. Quando a fachada é mais próxima das calçadas, elas ficam mais dinâmicas”, ensina.

Outro exemplo é o aumento da quantidade de entradas e saídas das edificações, ampliando a permeabilidade. Por outro lado, as entradas e saídas de veículos devem ser reduzidas. “Se reduzo o comprimento da testada do lote destinada a entrada e a saída de veículos, eu aumento a segurança do pedestre”, justifica. Ela conta que esse, inclusive, é um pré-requisito da certificação LEED ND, específica para o desenvolvimento de bairros.

A arquiteta afirma que tem ampliado o volume de empresários interessados em desenvolver empreendimentos com base no conceito smart cities. “Com a redução da taxa de juros, essa transferência de investimento para os fundos imobiliários também tem gerado a estruturação de ‘fundos imobiliários verdes’, e os investidores internacionais estão buscando investir em projetos que atendam aos requisitos ESG – meio ambiente, social e governança”, explica. De acordo com ela, isso também tem provocado uma mudança de paradigma dos empreendedores do setor imobiliário, que vem buscando compliance com os requisitos ESG. “E isso tem sido um grande alavancador das ideias”, comemora.

Tecnologia a favor da sustentabilidade

Na promoção do desenvolvimento urbano sustentável, as inovações tecnológicas estão a favor. A implementação de estratégias de tecnologias digitais, como a sensorização das cidades, pode contribuir para esse objetivo. Myriam cita, como exemplo, o monitoramento da qualidade do ar e do consumo de energia e de água. “Conseguir utilizar inteligência artificial, ter o big data e fazer o monitoramento inteligente desses projetos tem um custo inicial alto ainda, principalmente no Brasil onde não há tantos fornecedores”, reconhece.

Contudo, os empresários que estão incorporando a tecnologia digital ao planejamento dos empreendimentos, percebem os benefícios econômicos ao longo da operação.  “A economia operacional trazida por essas tecnologias será um diferencial para a venda do projeto e isso muda completamente a aceitação da introdução dessas estratégicas”, afirma.

Questionada por Felipe Cavalcante, coordenador do Movimento Somos Cidade, sobre quais tecnologias já têm sido implementadas e quais estão mais distantes de se tornarem realidade, Myriam destacou que a estratégia smart city mais difundida é a de smart lighting. “Trata-se de iluminação inteligente, que, além de eficiente, de LED, com baixo consumo, pode ser georreferenciada, permitindo à equipe de manutenção saber, em tempo real, onde estão os locais que precisam de manutenção e podem ter controle sobre eles remotamente”, detalha. Segundo ela, essa é uma tecnologia que, efetivamente, vem sendo introduzida nas cidades.

Outra estratégia que vem conquistando adeptos no país é a smart grid, que se refere ao uso de medidores inteligentes para consumo de energia e de água das edificações, de um bairro, da infraestrutura urbana. “As concessionárias estão começando a se apropriar, e ela começa a ser real no Brasil”, afirma Myriam. Ela comenta que, na Austrália e nos Estados Unidos, as lixeiras urbanas já são sensorizadas, tornando mais eficiente o trabalho das empresas de coleta de lixo. “O esvaziamento só acontece sob demanda; quando elas recebem o alerta de que as lixeiras estão cheias”, explica.

Myriam reforma que a “tecnologia está aí” e que é preciso estudar a viabilidade da inclusão delas, principalmente em nível governamental. “Isso traz mais transparência, eficiência, inteligência e continuidade, quando se pensa na gestão pública. Ter todos os dados de serviços urbanos monitorados e transparentes para a população é uma realidade que também estamos engatinhando e que é muito importante”, frisa.

Clique aqui e assista ao podcast.

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