parques urbanos

O setor privado brasileiro tem demonstrado cada vez maior interesse na concessão de parques urbanos e praças

A manutenção, conservação e a falta de recursos para investimentos nas áreas verdes das cidades brasileiras são desafios que têm levado muitas administrações municipais a buscarem a iniciativa privada para gerir esses locais e garantir, dessa maneira, que a população tenha acesso à natureza de forma segura e com serviços mais qualificados.

A solução, que vem ganhando espaço nos últimos anos no País e que já é uma realidade em diversos parques internacionais, tem atraído um número cada vez maior de interessados, uma consequência do progresso dos contratos de concessão e de parcerias público-privadas (PPPs). “Com a evolução dos editais, se consegue dar mais garantias para os investidores, que passam a olhar esse segmento e quem ganha com isso são as pessoas que podem ter experiências melhores nesses ambientes”, acredita Samuel Lloyd, diretor comercial da Urbia Parques, companhia responsável pelo Parque Ibirapuera e por outras cinco estruturas na cidade de São Paulo (SP). Segundo ele, há um “apetite pelo setor”, o que pode ser percebido pelo ágio registrado em licitações realizadas recentemente.

Samuel foi um dos participantes do webinar “Gestão privada de parques urbanos”, promovido pelo Fórum Urbanidade e apresentado por Ricardo Birmann, CEO da Urbanizadora Paranoazinho. Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia – que atua junto a governos municipais, estaduais e federal para a elaboração de acordos para administração de parques urbanos e naturais –, acrescentou que o Brasil vive hoje um momento de concepção de modelos aprimorados de parcerias entre poder público e iniciativa privada. “Esses contratos precisam contar com bons estudos e com o diálogo com várias instâncias para criar legitimidade e qualidade (dos documentos)”, aponta. Já Rafael Birmann, presidente da Birmann S.A. e fundador e presidente da Fundação Aron Birmann, que gere o Parque Burle Marx também na capital paulista, afirma que é preciso “tirar um pouco dessa visão tacanha” de que não se pode ter uma empresa cuidando de um espaço público. “Com todos os modelos que estão sendo adotados, vamos abrir um leque de alternativas para que o País possa deslanchar”, projeta.

A comunicação tem sido uma aliada, conforme os debatedores, para o esclarecimento de uma série de dúvidas e boatos que se criam em torno da administração privada dos parques, como a diferenciação entre concessão (contrato firmado com direitos e deveres a serem concretizados por um prazo pré-determinado) e privatização (que é a alienação de um bem público, com a transferência da propriedade em definitivo). “Na época do processo do Ibirapuera, vimos memes de catracas sendo colocadas nas portas”, recorda Samuel, lembrando que se espalhou a notícia de que a entrada no local seria cobrada com a concessão, algo que é proibido e que não é o objetivo da empresa.

Ele reforça que a Urbia tem diversas regras a cumprir e que a Prefeitura de São Paulo continua sendo a grande gestora da área de 1,3 milhão de metros quadrados. “Qualquer ação nossa precisa ser validada pelo poder municipal e, no caso de intervenções, elas têm que ser aprovadas por órgãos de tombamento das três esferas (cidade, Estado e União). Então, a gente não conta com essa liberdade toda que as pessoas acham que temos para fazer o que quisermos”, esclarece. Por outro lado, a administração privada, conforme Samuel, possui mais agilidade e flexibilidade para resolver questões de conserto e manutenção, como comprar tintas ou trocar um fornecedor, por exemplo, algo que precisaria de uma licitação da Prefeitura para ser efetuado e que poderia levar meses. Fernando salienta que, sem as amarras que o governo tem, a gestão dos ambientes pelas empresas fica desburocratizada.

Sem cobrança de ingresso, receita de concessionárias pode vir de eventos, patrocínio e estacionamento

A privatização dos serviços é um ponto levantado pelos críticos das concessões e PPPs de parques e que foi também questionado pelo público do webinar. Para Rafael, já havia – antes das parcerias – um uso privado do espaço público sem uma remuneração para isso. Samuel concorda e complementa que a segurança e o manejo do Ibirapuera já eram terceirizados e que continuarão dessa maneira, assim como as lanchonetes instaladas no local, o aluguel de bicicletas e a gestão dos eventos que acontecem lá dentro. Uma pesquisa feita pela Urbia apurou que, anualmente, só o consumo de água de coco no parque movimenta em torno de R$ 10 milhões. “O Ibirapuera é superavitário, uma realidade que não se repete em outras áreas. Mas, é importante ressaltar que esses lugares sempre serão gratuitos e democráticos”, frisa.

Iniciada pela Urbia em outubro de 2020 e com previsão de duração de 30 anos, a concessão do parque prevê o investimento de R$ 85 milhões nos próximos três anos para a recuperação do seu patrimônio histórico e ambiental. “Além disso, somos responsáveis pela segurança, limpeza, conservação e as contas precisam fechar para não termos prejuízo. E a receita para isso virá de eventos, patrocínios e do estacionamento. Atualmente, com a pandemia, praticamente toda a nossa renda vem das vagas para carros”, detalha Samuel. De acordo com ele, a intenção da companhia é ter os equipamentos culturais do Ibirapuera funcionando a todo o vapor, como o auditório, a Oca, o Planetário e o Pavilhão das Culturas Brasileiras. A movimentação beneficia ainda outros ambientes que não estão dentro do contrato da Urbia, como a Bienal, os museus de Arte Contemporânea (MAC), de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e o Afro Brasil e o Pavilhão Japonês. “Temos um projeto de comunicação que, através de aplicativo, mídia online e informações e conteúdo sobre o parque, pode também atrair patrocinadores”, revela.

A alimentação é outra oportunidade de negócios e, de acordo com Samuel, a ideia é ter mais lanchonetes pelo Ibirapuera, além do trabalho com a rede de vendedores autônomos. “O consumo precisa ser contextualizado, tem que melhorar a experiência de quem usa o parque para o lazer, esporte ou cultura”, destaca. Ele assinala ainda que uma vitória do último Plano Diretor da capital paulista foi o de poder utilizar o espaço dos estacionamentos para outras atividades, como ações específicas no Dia das Crianças, por exemplo. “Vale lembrar que esses locais são muito mais rentáveis quando não são usados por carros. Se eu faço um evento no estacionamento, a renda é muito maior do que com um veículo parado.”

Já o Parque Burle Marx, que fica na zona Leste de São Paulo, tem um modelo de concessão sem fins lucrativos, diferente do estabelecido para o Ibirapuera. “Nós, como Fundação, sempre tivemos que aportar recursos para fechar as contas. O estacionamento representa hoje 50% da nossa receita”, observa Rafael. A Fundação Aron Birmann assumiu a gestão da área em 1995 e foi uma das pioneiras no Brasil na administração privada de parques urbanos. Em dezembro do ano passado, a concessão foi renovada por mais 30 anos. “A gente acredita que pode incentivar outras entidades civis a se interessarem em participar da gestão desses lugares”, pondera. Ele comenta que algo que aprendeu ao longo do tempo é que os usuários dos parques acabam criando uma relação mais pessoal com os administradores privados. “O público sabe para quem reclamar e tem um acesso mais fácil àqueles que cuidam do espaço. Atualmente, queremos engajar mais a população, fazer com que as comunidades vizinhas percebam que o Burle Marx é para todos e ter mais voluntários”, adianta.

Impacto social e desenvolvimento econômico

Além de criar um sentimento de pertencimento nas pessoas que vivem no entorno dos parques concedidos e estimular que elas utilizem mais os seus ambientes, as concessionárias e governos procuram outras iniciativas que promovam o desenvolvimento socioeconômico da sociedade. Fernando Pieroni, diretor-presidente do Instituto Semeia, conta que o contrato idealizado para a gestão privada do Parque Estadual Campos do Jordão (SP) prevê o fomento de cadeias produtivas presentes próximas à região, com incentivos definidos. “Isso mostra que é possível fazer com que a visitação a um parque vá além do benefício ao local e transborde como um vetor de transformação econômica e social”, defende.

Atividades de educação ambiental são outras possibilidades propostas nos modelos de concessão. No Burle Marx foi elaborado um projeto com crianças das comunidades que ficam perto da área, no qual elas passavam o dia no parque. “Muitas delas, que não moravam longe, disseram que era a primeira vez que iam ao lugar. Como que uma criança sente que esse espaço não é para ela? Eles são ambientes para as pessoas conviverem, para todos terem a chance de participar da cidade. Quando começamos a administrar um parque, passamos a perceber essas coisas”, analisa Rafael Birmann, da Fundação Aron Birmann.

Para Samuel Lloyd, diretor comercial da Urbia Parques, o impacto social é parte da premissa básica das funções dos gestores privados de áreas públicas. No Ibirapuera, a concessão traz como uma das obrigatoriedades a integração dos profissionais que há décadas trabalham como autônomos sem nenhuma legalização. “Regularizamos a situação deles e ainda fizemos treinamentos e ajudamos a qualificar os serviços que eles prestam lá dentro”, indica. A empresa também quer dar mais visibilidade à Escola de Música que funciona lá e fazer com que usuários de todas as classes se encontrem no local. Já no Parque Lajeado, no distrito de Guaianases, outra estrutura administrada pela Urbia na cidade de São Paulo, o primeiro impacto, aponta Samuel, foi o de criar o hábito das pessoas usarem o espaço. “Muitas delas nem conheciam o lugar. A Unidade Básica de Saúde do bairro começou a realizar atividades no ambiente, ajudando a levar a comunidade para lá, e iniciamos um trabalho para mostrar a qualidade de vida que se tem ao morar próximo a uma área verde”, comenta.

A solução encontrada pela Prefeitura da capital paulista para ter interessados em parques menores e afastados da região Central foi a de fazer um lote de concessão envolvendo o superavitário Ibirapuera e cinco outros locais que não apresentam a mesma situação financeira. Dessa forma, a Urbia passou a gerir os parques Faria Lima, no Parque Novo Mundo, Dos Eucaliptos, em Campo Limpo, e, em breve, assumirá o Jacintho Alberto e o Jardim Felicidade, ambos no bairro Pirituba, além do Lajeado. Já Fernando agrega que os impactos sociais envolvem outras questões, como planejar os equipamentos urbanos e sua localização, criar banheiros masculinos com trocadores de fraldas, pensar a iluminação para garantir a circulação com mais segurança, incentivando a diversidade de fato nesses lugares.

Melhorias ambientais estão entre as metas a serem atendidas pelas gestões privadas

Assim como a definição de direitos e deveres a serem cumpridos, os contratos de concessões de parques urbanos possuem formas de monitoramento do desempenho das empresas e entidades em critérios como zeladoria, conservação da natureza e percepção do usuário, como descreve Fernando. Respondendo a um questionamento da audiência que acompanhou o debate sobre o impacto ambiental causado pelo aumento de pessoas em parques com administração privada, ele avalia que uma visitação pequena e desordenada é mais prejudicial para a natureza que um local que recebe um grande número de usuários, porém de maneira planejada. “Isso porque, lugares sem manutenção de trilhas e conservação, como ocorre em muitos espaços públicos, deixam os visitantes livres para circularem por onde eles querem, entrando em áreas de preservação, o que leva a um impacto maior”, defende.

Samuel adianta que está sendo elaborado um programa para a destinação dos resíduos do Ibirapuera associado a um projeto de educação ambiental. “Até assumirmos o parque, 100% desse material tinha como destino aterros sanitários. Nossa meta é chegar ao final de 2021 com, pelo menos, 50% dos detritos sendo transformados em adubo ou encaminhado para a reciclagem. Mas, temos um objetivo ambicioso de ser um parque que não envia nada para o aterro”, almeja. Ele revela que durante o desenvolvimento da iniciativa, descobriram que a Prefeitura não contabilizava o lixo orgânico da água de coco, que representa 80% de todo o volume dos resíduos do Ibirapuera. “Estamos buscando agora tecnologias para transformar a casca da fruta em outra coisa e reaproveitá-la.” Segundo Samuel, muitos veem a gestão de resíduos como um custo enquanto a Urbia vê como uma fonte extra de renda. “Revertemos o nosso projeto em uma cota de patrocínio e tem uma grande empresa de bens de consumo que quer comprar os detritos do parque. Existe uma fortuna no lixo das cidades”, sentencia.

Clique aqui para assistir, na íntegra, ao webinar “Gestão privada de parques urbanos”, promovido pelo Fórum Urbanidade.

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