Em entrevista ao podcast Caos Planejado, o professor e especialista em políticas urbanas Shlomo Angel questiona as restrições à densificação e afirma que “Brasil precisa encontrar seu modelo próprio de desenvolvimento urbano”.
Em entrevista ao podcast Caos Planejado, o professor e especialista em políticas urbanas Shlomo Angel fala sobre o adesamento nas cidades brasileiras
Desde que o economista Colin Clark publicou os primeiros estudos sobre densidade urbana, no início da década de 1950, urbanistas, arquitetos e planejadores públicos têm se debruçado em evidências e exemplos mundo afora para estabelecer políticas para o desenvolvimento das cidades.
Evitar a alta densidade de moradores em determinadas regiões, limitando construções; permitir um adensamento maior onde há conexão com transporte público (Transit Oriented Development); dar subsídios públicos para construções em regiões mais afastadas. Estas foram algumas soluções recorrentes em diferentes cidades e culturas, mas o que pouco se discute a respeito das teses que Clark levantou há exatos 70 anos é que a densidade nas áreas urbanas muda ao longo do tempo, devido a uma série de fatores.
Na visão do professor e especialista em políticas urbanas Shlomo “Solly” Angel, o adensamento populacional nas cidades “é resultado do mercado, não do planejamento”. Portanto, impor restrições às construções não é uma medida eficaz para quem busca evitar a concentração de pessoas em determinadas regiões.
“É muito mais importante levar bons serviços a áreas residenciais que já tem alta densidade, como favelas, do que estabelecer que determinadas regiões podem ser mais adensadas e outras não”, disse Shlomo em entrevista ao podcast Caos Planejado, projeto do urbanista brasileiro Anthony Ling.
Na conversa, o autor do livro “Planet of Cities” (Planeta de Cidades), detalha porque determinadas políticas públicas focadas em restrições são insuficientes para resolver os problemas urbanos. “Quem pensa que uma política pode parar o crescimento das cidades está errado. Isso não funciona porque as pessoas quebram as regras, seja pela informalidade ou por corrupção”, opina.
“URBANIZAÇÃO É A DECISÃO DE PESSOAS ESTAREM MAIS PRÓXIMAS UMAS DAS OUTRAS”
Professor do Marron Institute e líder de projetos de Expansão Urbana na New York University, Shlomo Angel considera preocupante a tendência global de queda na densidade urbana nas grandes cidades. “Isso preocupa porque uma ocupação menor implica em mais terra convertida para uso urbano, inclusive áreas rurais, boas para agricultura”.
Quando a cidade tem baixa densidade, lembra Schlomo, “é preciso construir mais infraestrutura, estradas, iluminação, cobertura de água, pois as pessoas moram mais distantes umas das outras. Isso significa mais gasto de energia e combustível para deslocamento. Por outro lado, uma densidade maior significa maior proximidade social, do trabalho, da escola e do lazer – e mais produtividade. O transporte público também pode ser mais eficiente, com mais opções de deslocamento, à pé ou de bicicleta, o que faz com que as cidades funcionem. A ideia da urbanização é basicamente a decisão de pessoas que querem estar mais próximas”, reforça o professor.
Por isso, para que uma política de planejamento urbano seja eficiente, os decisores precisam compreender a dinâmica do mercado imobiliário, do que valoriza os terrenos e ajuda a aproximar as pessoas.
“As pessoas que geralmente adotam políticas de contenção não conhecem o mercado na prática. Você segura a construção mas quem controla a demanda por mais área construídas? Minha crítica é: não restrinja simplesmente, calcule qual é a demanda e busque alternativas. O quanto é possível aumentar o espaço construído, ampliando alguns andares? Ou reduzindo o tamanho das unidades? Como reduzir a taxa de desocupação?”, questiona.
“Eu sou daqueles que defende a criação de espaço. E isso é fundamental porque as cidades precisam ser acessíveis. Se não há como crescer, elas perdem atratividade. Veja San Francisco ou Nova York, casos em que não quiseram criar espaço: nessas cidades você tem pode ter bons trabalhos mas mesmo assim não consegue pagar o aluguel. É uma regra do mercado e não há política eficiente para evitar isso”.
É o caso de São Paulo, comenta Schlomo. Como já há uma grande massa construída na cidade, e ela segue em expansão populacional e de receitas de impostos ao poder público, é preciso criar condições de suprir essa demanda. E isso pode ser feito de três maneiras: construindo mais prédios nas regiões periféricas; reduzindo restrições da prefeitura com relação a potencial construtivo; e estimular o desenvolvimento orientado à infraestrutura de transporte (Transit Oriented Development, TOD).
“O papel determinante do setor público, em termos de densificação, é cuidar das regulamentações e da infraestrutura. A regulamentação é mais importante e, em geral, ela é usada para conter o aumento da densidade. Mas densidade é um resultado de mercado, não um resultado de planejamento. É preciso permitir que a demanda dite o quão densas as regiões precisam ser”.
Uma dica do professor é o livro “Order WIthout Design”, em que o urbanista (e colega no Marron Institute/NYU) Alain Bertraud conclui que a prática do planejamento urbano ignora os efeitos econômicos de suas decisões. Por isso, a economia deveria ser uma ferramenta do urbanismo no desafio de desenvolver as cidades.
NA FALTA DE REFERÊNCIAS APLICÁVEIS, BRASIL PRECISA DESCOBRIR SEU CAMINHO
Há alguma referência mundo afora que possa ser replicável à realidade brasileira? Schlomo Angel diz que, ao contrário, há exemplos para não seguir. E exemplos bem-sucedidos, como o de Cingapura. Considerada a melhor cidade planejada do mundo, ela reúne todos os ingredientes para que funcione, cita o professor: o planejamento e a execução foram exemplares, os cidadãos guardam dinheiro para comprar imóveis, há BRTs cobrindo quase toda a cidade, além de parques, escolas e outros equipamentos públicos.
“Mas é impossível comparar, por questões culturais. Eles não são exatamente uma democracia, as pessoas são muito disciplinadas e acreditam no governo, que por sua vez parece estar sendo bom para a população”.
“Para o Brasil, e a América Latina em geral, não dá pra emular o que cidades europeias ou norte-americanas e canadenses fizeram. O caminho talvez seja criar o brazilian way of doing, assim como na década de 1960 o país escolheu o Modernismo para dizer que era uma característica da arquitetura brasileira. Isso tem que ser feito em função de sua história e cultura”.
INTERVENÇÃO VS. COLABORAÇÃO
Os urbanistas e arquitetos tiveram papel preponderante na história do planejamento das cidades, mas esta influência foi se perdendo nas últimas décadas. Para alguns, isso se deve ao espaço maior concedido a outras áreas do conhecimento, como economia, geografia e engenharia, na construção dos projetos urbanos.
Na visão do professor Schlomo Angel, arquitetura e planejamento urbano são conceitualmente distintas. “Os arquitetos se preocupam com a forma, o desenho urbano. Para as cidades, significa fazer um contrato com quem vai construir de acordo com um plano, é a intervenção máxima sobre o que pode, onde e de que forma. O planejamento urbano é o contrário: é entender qual o menor nível de regulamentação e padrões para que mais pessoas possam construir algo de maneira mais flexível”.
Em resumo, entender como as cidades são criadas e o que você precisa fazer para que elas cresçam à sua maneira, sem definir isso em traço.
“Não se trata mais do que o arquiteto ou urbanista quer fazer, trata-se de criar condições para que outras pessoas também participem deste desenho urbano. Na arquitetura, o ponto principal é quem segura o lápis. No planejamento urbano, a questão é deixar que outras pessoas, que vão construir o ambiente, segurem o lápis também”.
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