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Sérgio Vilas Boas compartilhas as lições aprendidas em mais de 30 anos de atuação no setor de loteamentos

“Não acredito que a expansão dos loteamentos tenha sido um voo de galinha, especialmente, com a surpresa que os empreendimentos com vocação para segunda moradia trouxeram”. Essa é a opinião de Sérgio Villas Bôas, sócio-diretor da Vitae Urbanismo e da Presence Consultoria e Negócios e ex-CEO da Cipasa Urbanismo. Para ele, o trabalho remoto, as reuniões virtuais e não ter mais a necessidade de fazer grandes deslocamentos são mudanças que vieram com a pandemia do coronavírus e que impactaram a forma de viver das pessoas. “Elas tiveram reflexos no boom imobiliário do segmento no ano passado, o que deve ocorrer novamente em 2021, porém não com a mesma intensidade”, disse o empresário em conversa com o coordenador do movimento Somos Cidade, Felipe Cavalcante, no podcast Além da Curva, da ADIT Brasil – Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil.

Já no nicho de loteamentos tradicionais de primeira moradia, o empreendedor analisa que o aumento de demanda foi consequência da escassez habitacional e também da busca por mais qualidade de vida. Sérgio considera que, aos poucos, haverá uma volta aos escritórios, mas não com a mesma ênfase e periodicidade de antes da Covid-19, em uma transformação que veio para ficar e que traz novas oportunidades. Ele, inclusive, conta que o projeto Txai Ganchos, em Governador Celso Ramos (SC), que estava “um pouco esquecido”, voltou a despertar interesse pela região onde está localizado, na Grande Florianópolis, com praias privativas e contato com a natureza. “Estamos envolvidos com essa iniciativa há 14 anos (ela foi adquirida da Cipasa). Tivemos alguns reveses, mas com a pandemia (e a maior procura por locais com essas características) começamos o licenciamento de novo e estamos, agora, na fase final do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA)”, adianta Sérgio Villas Bôas.

Apesar das perspectivas otimistas para o setor, a postura adotada por Sérgio é a de cautela para que não sejam cometidos os mesmos erros do passado, como crescer muito rápido a companhia e ter uma estrutura inchada. Além da expansão da área de loteamentos, durante a mais de uma hora de podcast, o desenvolvedor faz uma reflexão sobre os acertos e equívocos que teve ao longo de sua trajetória – com destaque para a expertise adquirida como CEO da Cipasa, a aquisição dessa empresa pela HSI, um dos maiores fundos de Real Estate Private Equity da América Latina, e a sua atuação em diferentes frentes do mercado imobiliário. Ele revela, ainda, que as parcerias são “o segredo” para, em quase 30 anos, ter mais de 200 projetos lançados em 21 estados do País e 125 milhões de metros quadrados urbanizados.

O investimento acertado na construção de relacionamentos

Formado em Direito pela PUCSP, Sérgio estagiou e trabalhou sempre no mesmo escritório de advocacia e foi onde as primeiras possibilidades no setor de loteamento surgiram. Nessa época, no final dos anos 1980, ele – que já tinha por herança do pai uma veia imobiliária – foi procurado por Maurício Scopel, da Scopel Empreendimentos, para falar sobre o terreno onde ficava a fazenda de sua família, na zona Leste de São Paulo. “Nessa parceria, fizemos o papel de ‘terrenista’ puro e lançamos o Aruã, em 1991, com mais de 2 mil lotes distribuídos em uma área de cerca de 210 hectares”, recorda. O empreendimento, que fica entre Arujá e Mogi das Cruzes (SP), tornou-se uma referência de primeira moradia naquela localização e foi o embrião para a fundação da Cipasa Urbanismo pela família Villas Bôas. “Havia uma oportunidade no mercado, uma lacuna, com poucos players, no início da década de 1990, atuando no segmento de loteamentos. Aprendemos muito com a Scopel, nos capitalizamos com o Aruã e foi um modelo (de parceria) que funcionou para nós”, observa.

Ao mesmo tempo em que a Cipasa se consolidava, Sérgio começou a trabalhar com identificação de locais para a implementação de grandes redes varejistas, como McDonald’s, Grupo Pão de Açúcar, Blockbuster e General Cinemas. O retorno positivo com a prospecção de terrenos e as indicações levaram o empreendedor a criar a REP, empresa pioneira na disseminação dos Strip Malls no Brasil – conceito bastante difundido nos Estados Unidos, no qual varejistas compartilham o mesmo ambiente, custos e estacionamento, com iniciativas concretizadas em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades brasileiras.

Enquanto isso, a Cipasa Urbanismo realizava novos projetos em conjunto com outras companhias e, em 2003, com a aquisição da Atuarq – de Ivo Sterling, hoje sócio de Sérgio na Vitae Urbanismo –, transformou-se em uma loteadora completa, intensificou o seu crescimento e aumentou o número de empreendimentos. “Nossa grande vocação era e sempre foi a de fazer parcerias. Gosto desse modelo porque acredito que você soma esforços, divide resultados e riscos e se complementa”, defende. Ele pondera também que a base para o negócio de desenvolvimento urbano, principalmente para o de loteamentos, é um bom relacionamento com os proprietários de terras.

Sérgio lembra que naquele período, anos 2000, o loteamento era visto como o “patinho feio” pelo mercado – algo que segundo ele continua até hoje – e não havia uma forma de prover funding como já existia de maneira consolidada para o setor de incorporação. “O segmento precisou ser criativo, criar oferta de crédito baseada em lastros de recebíveis. Mas, não havia nem alienação fiduciária, o que dava muita insegurança para o mercado financeiro”, salienta. Sobre esse momento, ele admite que a Cipasa, por volta de 2005, deu um passo “equivocado, meio que picado pelo inseto do crescimento rápido, do funding abundante e do movimento de IPOs de muitas empresas”, que foi o de criar a holding LDI, formada pela companhia, a incorporadora do grupo Lindenberg, a construtora Adolpho Lindenberg e a própria REP.

“Na teoria, era uma ideia muito bacana, que buscava uma complementariedade, uma sinergia, porém na prática, o nosso principal erro de avaliação foi o de não ter um controlador forte que mandasse em cada uma das áreas de negócio. Também houve logo uma frustação em relação ao mercado, os IPOs cessaram em seguida e não deu tempo de surfar essa onda”, argumenta. A situação ganharia um novo rumo, em 2010, quando a Cipasa deixou a holding e passou a ser controlada pelo fundo de Real Estate Private Equity HSI.

Impactos do crescimento acelerado e da expansão nacional

Com o cenário ainda favorável para o setor e o incremento das vendas dos produtos imobiliários, a Cipasa Urbanismo – agora controlada pela HSI – focou no crescimento acelerado e em uma ampliação geográfica da atuação, assim como muitas outras empresas do segmento fizeram. “Naquela época, começamos a perder uma qualidade muito importante para nós, que eram as contratações. Menosprezamos a questão das diferenças culturais do Brasil. E esse ativo, que era a conquista de relações sólidas e próximas com os ‘terrenistas’, ficou em segundo plano”, aponta. Outros problemas enfrentados por todo o mercado no período foram a falta de mão de obra, de profissionais especializados e a elevação dos custos.

Além disso, Sérgio assinala que o modelo adotado pela controladora, de privaty equity, não era “muito convidativo” para a Cipasa por se basear em crescimento acelerado, querer que os loteamentos fossem um mercado nacional e não regional – o que depois, frisa ele, se mostrou um grande equívoco – e ter um ciclo curto, de sete, oito anos, em média, entre entrada no negócio, maturação e saída dele. “A HSI é muito forte em flipar um ativo, de comprar na baixa e vender na alta, mas ela não tinha o DNA de entrar a fundo na empresa. Eles confiaram muito na gente, o que foi bom e ruim. Quando a Cipasa optou por um parceiro financeiro, queríamos ouvir mais inputs deles. Outro erro foi que o método deles é muito fundamentado em alavancagem e não estávamos acostumados a isso”, explica. O alto custo operacional e uma estrutura inchada para uma atividade que tem um período de desenvolvimento longo e uma elevada complexidade no processo de licenciamento foram outras decisões consideradas equivocadas por ele.

Felipe, coordenador do movimento Somos Cidade, acrescenta que a alavancagem com um custo altíssimo de antecipação de recebíveis das operações também prejudicou o setor como um todo. A esse panorama, Sérgio complementa que, a partir de 2015, houve uma queda acentuada na demanda por produtos imobiliários, uma escassez e encarecimento do crédito e aumento expressivo dos distratos, com operações descontinuadas. “Todas as companhias do mercado tiveram grandes dificuldades e as que conseguiram se sustentar foi porque os controladores colocaram capital. O que não foi o caso da HSI, que estava encerrando o ciclo do fundo na Cipasa e preparando a sua saída – o que ocorreu oficialmente em 2016”, enfatiza. O empreendedor afirma que, naquela época, a demora para diminuir a equipe agravou o problema. “O custo com as rescisões seria alto, assustou, mas em três, quatro meses, o investimento seria recuperado”, analisa.

Ainda durante a fase em que a Cipasa Urbanismo era controlada pela HSI, Sérgio saiu da empresa e abriu, em 2015, em conjunto com Daniel Citron, a Presence Consultoria e Negócios para atuar em projetos de Strip Mall e de incorporações, voltando a trabalhar com a identificação e prospecção de terrenos, como no início de sua carreira. Paralelamente a isso, fundou, em 2017, a Vitae Urbanismo, adquirindo algumas das iniciativas que eram da Cipasa e contratando outras. A companhia opera tanto no desenvolvimento de loteamentos como na prestação de serviços para proprietários de terras. “Aproveitando a bagagem que tinha na construção de relações com ‘terrenistas’, vimos uma oportunidade para ajudar essas pessoas a otimizar a rentabilidade dos seus negócios”, explica.

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