Governo Biden aposta em medidas de flexibilização das leis de zoneamento e com isso aumentar a oferta de moradias nos EUA
Apesar de ser considerado o país mais rico do mundo, os Estados Unidos ocupam a 13ª colocação quando se trata da qualidade geral da sua infraestrutura, conforme dados da própria Casa Branca. Com o anúncio do plano de infraestrutura de 2,3 trilhões de dólares, a administração do presidente Joe Biden pretende reverter esse cenário e aprimorar os sistemas de transporte, de energia e de abastecimento de água, abrir novas frentes de trabalho, ampliar o acesso à Internet rápida, melhorar escolas e hospitais, fomentar a área de Pesquisa e Desenvolvimento e combater a escassez de moradias.
Do total de recursos previstos para os próximos oito anos, 213 bilhões de dólares serão destinados para edificar, preservar e reformar cerca de 2 milhões de residências e prédios comerciais. Essa medida vem combinada a uma proposta do governo norte-americano de conceder subsídios para municípios e estados que eliminem ou flexibilizem as regras de zoneamento excludentes – que determinam tamanhos mínimos de lotes, requisitos de estacionamentos obrigatórios e proibições de habitações multifamiliares – e as políticas de uso do solo.
Ainda segundo o material de divulgação da Casa Branca, Biden espera que o Congresso Nacional crie um projeto de incentivos com financiamento flexível e atraente para que essas leis – que elevam o custo da construção e impedem que um número maior de famílias se mude para bairros com mais oportunidades (de trabalho, estudos e estrutura) – sejam modificadas. A estimativa, de acordo com uma fonte ouvida pelo The Wall Street Journal, é que essa ação específica conte com um aporte de 5 bilhões de dólares. A reportagem recorda também que os regulamentos de zoneamentos se proliferaram pelos Estados Unidos a partir da década de 1970, contribuindo para o déficit habitacional tanto em regiões costeiras, como San Francisco (Califórnia) e Boston (Massachusetts), como em lugares como Grand Rapids (Michigan) e Austin (Texas).
Esse panorama de falta de residências, acrescenta o jornal, foi acentuado pelas menores taxas históricas de financiamento imobiliário e pelos efeitos da pandemia de coronavírus, que despertou em muitos moradores de centros urbanos a vontade de viver em casas suburbanas mais espaçosas. De acordo com Jim Parrot e Mark Zandi, em texto feito para o Urban Institute – grupo de pesquisa sediado em Washington – e veiculado no The Wall Street Journal, como são muitas as “decisões locais (das prefeituras) que podem impedir a oferta de moradias, os formuladores de políticas federais deveriam pressionar as comunidades a reorganizar sua abordagem de desenvolvimento do zero”. Parrott é ex-conselheiro habitacional do governo Barack Obama, e Zandi é economista-chefe da Moody’s Analytics, empresa de pesquisa econômica, consultoria e treinamentos.
Economistas e urbanistas ouvidos pela reportagem afirmam ainda que a redução do zoneamento e das restrições de uso do solo derrubaria uma barreira significativa para a expansão da oferta de residências para aluguel ou venda, que é a “mais restritiva em 30 anos”. Mesmo reprsentando avanços para a questão de moradia nos EUA, há quem defenda que somente oferecer incentivos financeiros sem incluir punições para os governos que não mudarem suas normas pode enfraquecer o efeito plano de infraestrutura de Biden no combate à crise de habitações populares, principalmente nas maiores regiões metropolitanas. “Todos esses lugares relutam em alterar o zoneamento ou isso já teria sido feito”, destacou Jim Parrott em matéria do site de notícias Politico.
David Dworkin, presidente e CEO do National Housing Conference, grupo de defesa de moradias populares, disse à reportagem que, devido à resistência de muitas grandes cidades em adicionar casas populares, um subsídio voluntário não terá um impacto relevante para reduzir a burocracia. Já Mike Kingsella, diretor-executivo do movimento em prol da habitação Up For Growth, pondera que o modelo de incentivo ajudaria às localidades que querem flexibilizar as restrições de zoneamento a cobrir os custos para fazer isso. “Mas, uma abordagem rígida será a garantia se quisermos abordar o zoneamento de exclusão e as barreiras discriminatórias nas comunidades mais ricas, com mais oportunidades e possibilidades de trabalho, como Cupertino, no Vale do Silício (Califórnia)”, opina.
Falta de ofertas e construção de novas casas abaixo da demanda elevam preços das moradias
O déficit de habitações à venda tem desempenhado um papel importante no aumento dos valores das residências verificado atualmente nos Estados Unidos, em um panorama diferente do vivido nos anos 2000, quando houve um boom da construção civil no país, conforme detalha o The Wall Street Journal. Esse contexto levou a um incremento de 15,8% no preço médio das casas disponíveis em fevereiro deste ano em comparação ao mesmo período de 2020, de acordo com a Associação Nacional de Corretores de Imóveis, ficando em 313 mil dólares.
A edificação de novas moradias, descreve a matéria, não acompanhou a demanda dos últimos tempos, consequência de fatores como a demora das construtoras para se recuperarem da crise financeira, a escassez de terras e de mão de obra qualificada e a elevação dos custos de matéria-prima. Para Jeff Mezger, executivo-chefe da KB Home, umas das maiores empresas de edificação residencial nos EUA, “se eles (governo federal) encontrassem maneiras de incentivar as cidades a aprovarem (os projetos) com mais rapidez, se obteria mais oferta (de habitações) no mercado”.
O estoque reduzido, o mais “apertado em 30 anos”, como reforça a reportagem do site Politico, faz com que os preços das residências disparem, ultrapassando o crescimento dos salários e levando a uma parcela cada vez maior de norte-americanos – cerca de um em cada três antes da pandemia da Covid-19 – a comprometer mais de 30% da sua renda com o aluguel ou hipoteca. O texto assinala ainda que grande parte do custo de construção de novas moradias é determinada em nível local, a partir das regras de zoneamento, restrições de uso do solo e taxas de licenciamento e desenvolvimento, que tornam “proibitivamente caro – e em algumas regiões completamente impossível – erguer unidades acessíveis”. Segundo a matéria, as normas estaduais e das prefeituras respondem por aproximadamente 20% do custo de construção de uma casa unifamiliar.
Apesar das dificuldades enfrentadas para flexibilizar as restrições de zoneamento nos EUA, algumas localidades já vêm promovendo mudanças em suas legislações. Mineápolis (Minnesota), como cita a Reuters, aprovou uma lei em 2019 que permite que pequenos apartamentos sejam edificados em áreas residenciais em toda a cidade. Modificação semelhante foi realizada no estado de Oregon para todas as suas regiões urbanas. Já a Califórnia, em 2020, autorizou que moradias menores sejam construídas ao lado de casas unifamiliares, com o intuito de aumentar a disponibilidade de imóveis. De acordo com a reportagem, essas alterações foram “motivadas por americanos mais jovens, grupos de direitos civis e empregadores”.
Plano de infraestrutura também prevê recursos para habitação pública
Os investimentos do programa anunciado pelo governo Joe Biden serão feitos ao longo de oito anos e devem ser pagos por meio de uma reforma tributária que pretende arrecadar 2 trilhões de dólares pelos próximos 15 anos, como explica a matéria produzida pelo jornal O Valor. Para isso, a Casa Branca irá elevar o imposto de renda sobre a pessoa jurídica de 21% para 28% e subir para 21% o tributo mínimo sobre a receita de empresas norte-americanas no exterior, salienta o texto.
Para a habitação, o plano de infraestrutura destinará também 40 bilhões de dólares para melhorar o sistema de moradia pública dos Estados Unidos. No documento da Casa Branca, esses recursos devem atender às questões “críticas de segurança de vida, mitigar riscos iminentes para os residentes e empreender medidas de eficiência energética para reduzir significativamente as despesas operacionais contínuas”, beneficiando principalmente “mulheres, pessoas de cor e pessoas com deficiência”. Contudo, Carlos Martín, integrante do Urban Institute, aponta em artigo no site da entidade que estimativas mais recentes indicam a necessidade de 70 bilhões de dólares a 172 bilhões de dólares para amenizar as dificuldades enfrentadas nessa área.
A proposta da Casa Branca abrange ainda a viabilização de 20 bilhões de dólares em créditos fiscais para o projeto Neighbourhood Homes Investment Act (Lei de Investimento em Casas de Vizinhança, em tradução livre do inglês) para reabilitar ou construir, nos próximos cinco anos, em torno de 500 mil casas para compradores de baixa e média renda. Outra iniciativa é a criação de um Acelerador de Energia Limpa e Sustentabilidade, com aporte de 27 bilhões de dólares, para mobilizar o “investimento privado em recursos energéticos distribuídos, retrofits de edifícios residenciais, comerciais e municipais e transporte com energia limpa”.
Em discurso feito em Pittsburgh (Pensilvânia), durante a apresentação das medidas, em 31 de março, Biden salientou que esse “não é um plano que mexe apenas nas bordas. É um investimento único em uma geração. É hora de construir nossa economia de baixo para cima e do meio para fora, não de cima para baixo”.
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