A transformação das margens do Rio Sena em áreas para o lazer da população mostra um caminho a ser seguido por outras cidades.
As margens do rio Sena na capital francesa transformam-se nos meses de verão com a instalação, ao longo de sua extensão, de espreguiçadeiras, guarda-sóis, areia, árvores, cafés e restaurantes durante a realização do evento temporário Paris Plages (Praias de Paris). O mobiliário urbano, em conjunto com uma agenda cultural e esportiva diversificada, ocupa os espaços que antes eram voltados para os carros em trechos da região central e da área do Bassin de la Villette, lago artificial localizado no Nordeste da cidade. Prestes a completar 20 anos, a iniciativa chega a edição de 2021 – que ocorrerá entre julho e agosto com todos os cuidados sanitários necessários para combater a Covid-19, segundo o site oficial de Turismo de Paris. E tem sua abrangência ampliada até os Jardins do Trocadero, próximos à Torre Eiffel, e retornando ao Parc Rives de Seine, que oferece uma vista única para a catedral de Norte-Dame e os museus do Louvre e de Orsay.
Apelidado de Paris na Riviera, o projeto foi promovido pela primeira vez em 2002, durante a administração do prefeito Bertrand Delanoë. Ele possibilita que os moradores aproveitem a zona ribeirinha da capital de uma forma diferente, tornando-se uma alternativa de lazer para quem não pode viajar nas férias e para aqueles que buscam opções inusitadas para enfrentar os dias de calor. Para viabilizar a orla, parte das vias expressas é fechada ao trânsito de veículos. A prioridade passa a ser os pedestres, que ganham ambientes dinâmicos, acessíveis e com equipamentos urbanos móveis que convidam para momentos de diversão e de contemplação e para participar de uma série de atividades planejadas a partir das características de cada um dos lugares onde ficam as praias.
Consolidada no calendário parisiense, a ação é um sucesso desde o começo e vem sendo copiada por outros municípios europeus, como aponta matéria da Reuters. Consultado pela reportagem, o designer de eventos Jean-Christophe Choblet afirma que o conceito do Paris Plages “pertence ao século 22, porque as cidades do Ocidente não podem mais se expandir, de modo que um único espaço precisa cumprir diversas funções”. Ao projetar locais pensando nas pessoas que irão utilizá-los e em suas necessidades, conforto e convivência, as praias da capital francesa adotam técnicas de placemaking. Conforme o Project for Public Spaces (Projetos para Espaços Públicos – PPS), organização sem fins lucrativos, essa metodologia – que tem sua origem na década de 1960 – modifica o foco dos empreendimentos elaborados por prefeituras e governos estaduais e federais, gerando identificação e conexões mais fortes entre os usuários e os ambientes.
A experiência de Paris mostra ao planeta como sair da pandemia e devolver os lugares públicos mais qualificados que nunca de maneira rápida, com baixo custo e grande impacto, assinalam Fred Kent e Kathy Madden, fundadores do PPS, em artigo para o Social Life Project. De acordo com eles, a iniciativa deixa as duas margens do Sena preparadas para que a população possa sair, brincar, dançar, comer e beber ou desfrutar da paisagem da cidade à beira do rio. “Esse conjunto de ativações temporárias (no Centro e no Bassin de la Villette) criou, em um período muito curto, o que é, sem dúvida, a melhor orla mundo”, defendem. Dados divulgados no site da PPS, indicam que, em 2015, o Paris Plages teve um custo para a prefeitura de cerca de 2,9 milhões de dólares. O texto reforça ainda que o “sucesso contínuo dessa praia sazonal ajudou a reconectar os cidadãos ao curso d’água da capital e também uns aos outros”.
Atualização constante é um dos motivos para o êxito do projeto
Entre as razões destacadas por Kent e Madden, do Project for Public Space, para o retorno positivo das praias urbanas de Paris está o fato de elas serem um evento anual e temporário, o que permite que seja revisado continuamente, mantendo e aperfeiçoando aquilo que funciona e eliminando o que não deu certo. Além disso, os fundadores do PPS observam que as ativações (ambientes, mobiliários ou atividades) podem ser feitas ou testadas rapidamente e adaptadas para alcançar os melhores efeitos. “A improvisação é uma parte dinâmica de cada área e cria resultados exclusivos para cada seção da orla”, descrevem. Outro elemento salientado pelos dois é que a ação parisiense demonstra que uma programação feita com “design elaborado pode gerar um retorno feliz para todos”.
A varidade de atrações também é enfatizada por Kent e Madden. Segundo eles, pessoas de todas as idades e origens sentem-se confortáveis nesses espaços e se envolvem com eles, estabelecendo vínculos e cuidados com esses lugares que são de todos. Os idealizadores do PPS ponderam ainda que pontes – como a Pont Neuf – e ruas próximas às praias dão apoio significativo para a vida social que acontece ao longo da orla. Na avaliação de ambos, como publicado no Social Life Project, o Paris Plages define um “alto padrão para outras cidades seguirem”. Em seu artigo, eles analisam que, desde o começo, a iniciativa segue uma trajetória de crescimento, superando-se a cada edição.
Esses ambientes à beira do rio da capital francesa parecem, na opinião de Kent e Madden, ter se transformado em parte básica da rotina parisiense. “E isso porque, nos últimos 20 anos, a cidade está determinada a proporcionar uma vida social abundante para visitantes e residentes”, acreditam. Para os dois, outro motivo para o sucesso da medida envolve a questão da mobilidade, com o foco das vias passando dos veículos para os pedestres, mesmo que apenas durante o verão. “Lá, a prioridade mudou para caminhadas e ciclismo”, detalham. Essa modificação, frisam, aprimora o acesso às margens do Sena e demais áreas ribeirinhas atendidas pelas praias urbanas e é mais um “exemplo de uma abordagem inteligente e conectada para a ativação do local público”.
Programação diversificada atrai públicos distintos e incentiva a convivência
Neste ano, com a expansão do Paris Plages para os Jardins do Trocadero, serão ampliadas também as opções de atividades esportivas do projeto nesse local, como informa o site de turismo da cidade. Já no Bassin de la Villette, os frequentadores poderão fazer canoagem, caiaque, stand up paddle, assim como natação, nas piscinas dos centros esportivos Léo Lagrange, Louis-Lumière e no estádio Carpentier. O projeto contará ainda com aulas de dança, de Tai Chi e jogos e brinquedos lúdicos para as crianças. Nessa área, assim como nas demais, toda agenda de ações é apoiada por serviços de alimentação e museus localizados no entorno e outras instituições, como bibliotecas, que emprestam livros, realizam palestras e oficinas e proporcionam melhores espaços para o convívio, complementam Kent e Madden no artigo.
Na margem esquerda do Sena, perto da catedral Notre-Dame, diferentes restaurantes pontuam a orla, alguns deles sobre as águas e outros no calçadão que se forma ao longo do trajeto abrangido pelas praias urbanas. “Isso significa que usos mais descontraídos, como jantares casuais ou simplesmente passear, são a principal atração dessa parte do Paris Plages”, citam os fundadores do PPS no texto para o Social Life Project. No mesmo lado do Sena, no Les Berges, que fica próximo ao Museu de Orsay, são as iniciativas culturais que ganham destaque junto aos jogos e à prática de esportes. A região chama a atenção ainda pela arte urbana, com grafite e outras intervenções, que se espalha pela localidade.
A importância da definição de uma agenda variada de atividades para o sucesso do Paris Plages, planejada com base nas vocações de cada uma das praias e nas demandas de seus visitantes e seguindo os princípios de placemaking, pode ser percebida pelas inovações que são introduzidas a cada nova edição. Em 2020, mesmo com as restrições impostas pela pandemia, o evento levou o cinema para as águas do Sena. Conforme reportagem da CNN Brasil, 38 barcos elétricos, com capacidade para seis passageiros cada um deles, foram disponibilizados para que as pessoas pudessem acompanhar a exibição gratuita da comédia francesa “Um banho de vida” e aproveitar o verão mesmo em um cenário desafiador.
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