Cada vez mais tenho ouvido a pergunta sobre se os loteamentos irão acabar e ser substituídos por casas prontas. Um dos argumentos dos defensores dessa tese é que com uma taxa baixa de juros e financiamento dos imóveis em longo prazo, o preço da parcela de uma casa pronta é similar ao de um lote. A questão é porque alguém compraria um lote se pode comprar uma casa?

Outro argumento a favor dessa tese é que em países com o mercado imobiliário mais avançados, como os EUA, raramente são vistos loteamentos e as pessoas geralmente compram casas ou apartamentos.

Recentemente tive a oportunidade de debater sobre o assunto com alguns dos principais loteadores do Brasil que fazem parte de um grupo do ADVICE CLUB, uma iniciativa minha onde empresários trocam experiências e melhores práticas entre si.

A discussão foi muito rica e me levou a consolidar uma opinião sobre essa questão e aproveito para dividir com vocês.

Mas antes de falar propriamente sobre loteamentos, quero contar uma estória sobre um amigo meu que era dono de uma importante incorporadora de porte médio, líder em seu mercado. Durante a abertura de capital das incorporadoras entre 2005 e 2007, era lugar comum as pessoas afirmarem que no futuro o setor de incorporação iria ser consolidado e sobrariam apenas algumas poucas empresas.

Esse amigo acreditava firmemente que só sobrariam cinco incorporadoras importantes no Brasil e que as demais seriam varridas do mapa. Ele acreditava tanto nisso que acabou vendendo a sua empresa para uma das empresas listadas em bolsa. Infelizmente, o negócio não acabou bem, a sua empresa desapareceu e a grande incorporadora também passou por sérios problemas. E como podemos atestar, hoje ainda existem bem mais do que cinco incorporadoras no Brasil…

A lição que a gente pode tirar desse caso é que precisamos ter bastante cuidado com esses exercícios de futurologia, especialmente quando generalizam a situação e tentam transpor para o Brasil a realidade de outros países.

Afirmar que só haveriam cinco incorporadoras no Brasil pode parecer um absurdo hoje, mas muita gente acreditava nisso em 2007. Para a mim a afirmação de que os loteamentos acabarão no Brasil tem as mesmas características e precisamos ter muito cuidado com ela.

Quanto ao fato de que em outros países não existem loteamentos, isso é uma meia verdade. Apesar de não ser tão comum como as incorporações, ainda hoje existem sim a indústria de loteamentos. Além disso, as realidades histórica, cultural, econômica, social, legal e financeira dos EUA são muito distintas das do Brasil.

Para chegar a uma conclusão, considerei vários argumentos. Esses são os principais:

  • O fator cultural impacta muito o setor de loteamentos. O brasileiro gosta de comprar lotes, seja para morar, seja para investir. Isso foi moldado por gerações e não consigo enxergar o término desse caso de amor.
  • O Brasil é um continente. Não dá para tratarmos a situação como se tivéssemos as mesmas características em todo o País. O que pode ser uma realidade em uma cidade do interior de São Paulo pode não ter nenhuma correlação com o que acontece no interior do Maranhão.
  • As pessoas gostam de comprar lotes para depois construírem suas casas aos pouquinhos, dentro de suas possibilidades financeiras e de acordo com seus gostos pessoais.
  • A mão de obra no Brasil é muito barata quando comparada com os países desenvolvidos. Mesmo os materiais necessários para levantar a casa são baratos. O que pesa mais são os acabamentos.
  • O valor da parcela de um lote financiado em 100 meses e de uma casa financiada em 300 meses podem ser parecidas, mas o valor final da casa sempre será mais caro.
  • Poucos negócios são mais chatos do que construir casas prontas para classe média e alta. É um negócio sem escala, que sofre muitas demandas de personalização por parte dos clientes e exige um jogo de cintura e paciência que poucas incorporadores e loteadores possuem.
  • As classes média e alta não gostam de morar em casas que pareçam fazer parte de um conjunto habitacional, com as edificações iguais ou parecidas.
  • Os loteamentos se beneficiam muito da renda informal, que frequentemente respondem por 50% da renda de algumas regiões.
  • Os lotes são ativos muito procurados por pequenos investidores pulverizados. Alguns investem para obter valorização, outros para ter um lugar onde morar em alguns anos ou décadas, outros querem doar para os filhos.
  • A sensação de segurança de um lote como investimento é muito forte. É a terra. O lote não vai desaparecer.
  • Em muitas regiões e microrregiões onde são lançados loteamentos não existem muitas outras formas de investimentos.
  • Começam a surgir iniciativas, ainda que tímidas, para o financiamento de lotes para os compradores finais. Sejam grandes bancos, como a Caixa, sejam fintechs como a Finlote, já é possível uma pessoa obter financiamento para a compra de um lote financiado.
  • Por outro lado, é cada vez maior o volume de recursos para financiamento da obra de loteamentos, aumentando a capacidade empreendedora dos empresários.

Por esses motivos eu tenho convicção de que ainda continuaremos a conviver com os loteamentos por muitas décadas. Claro que a venda de casas prontas é uma tendência sem volta, mas isso não significa que ela irá acabar com os loteamentos. Significa que passaremos a ter maior oferta dessa classe de ativos, que conviverá com os lotes urbanizados da mesma maneira que os apartamentos e a construção de casas avulsas sempre conviveram. O mercado brasileiro é enorme e cada um terá seu público.

A situação, por outro lado, não será homogênea em todo o Brasil. Existirão regiões onde o financiamento de casas prontas terá mais sucesso sobre os lotes, enquanto em outras o inverso será verdadeiro. Isso dependerá de inúmeros fatores, como a qualidade dos players locais, a experiência positiva ou negativa de cada tipo de empreendimento, o tamanho dos mercados, a disponibilidade de terras, a cultura local e muitos outros.

Mas fica a pergunta: e como as loteadoras devem reagir?

O mais importante é que os empresários se perguntem se têm o perfil e as competências para atuar nos ramos da construção civil e incorporação imobiliária. Sim, ele deixará de atuar apenas com urbanismo e passará a ser também construtor e incorporador e esses são negócios muito distintos da urbanização. As habilidades necessárias são diferentes e cada empresa precisa decidir se tem a vocação, apetite e experiência necessários.

Outra decisão a ser tomada é se o loteador que decidir vender casas irá verticalizar sua operação, construindo-as, ou se irá terceirizá-las, mas deixando-as sob sua responsabilidade, ou ainda se irá realizar parcerias com construtores. Um fato novo que tem surgido ultimamente é a possibilidade de adquirir a casa pronta em empresas de construção off site.

A minha opinião é que nenhum loteador caia de cabeça nessa tendência. Sugiro que façam pilotos. Em vez de lançar um novo empreendimento para construir 500 casas em vez de 500 lotes, é melhor ele lançar o empreendimento com 500 lotes e construir 50 casas, por exemplo. Isso vai dando experiência e know how ao empreendedor, mas sem colocar em risco toda a empresa.

De resto é seguir sempre atento ao mercado, acompanhando de perto as novidades e realizando visitas técnicas a outras loteadoras que estejam construindo casas no lugar de lotes. Naturalmente a resposta adequada vai saltar aos olhos de cada empresário.

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