Jurerê

Um dos maiores cases de sucesso do mercado imobiliário brasileiro, o bairro planejado Jurerê Internacional é fonte de inspiração e aprendizados para o setor.

Planejamento integrado, reserva da biosfera em ambiente urbano, placemaking e cidade-jardim. Esses foram alguns dos conceitos empregados ao longo de 40 anos no desenvolvimento de Jurerê Internacional, bairro planejado de Florianópolis que tem a revisão e a atualização do seu processo de implantação entre as razões do seu triunfo. Nessas quatro décadas, foram desenvolvidos quatro masterplans, atendendo a diretrizes fundamentais e à estratégia de implantação em etapas. Incorporando, ainda, conceitos inovadores que vieram a transformar a proposta inicial de empreendimento residencial e turístico, localizado em uma praia de mar calmo e de natureza exuberante, em uma importante centralidade urbana, papel oficialmente atribuído pelo Plano Diretor Municipal de 2014.

A iniciativa foi do Grupo Habitasul, fundado em 1967 no Rio Grande do Sul, motivada pela política pública existente na época de incentivo ao desenvolvimento dos balneários na Ilha de Santa Catarina. Em uma área total de 5,88 milhões de metros quadrados, em uma praia até então isolada do centro urbano da capital catarinense, seria construído um empreendimento residencial e turístico, inspirado em lugares como Cancún, Ibiza, Saint-Tropez e Punta del Este. Daí a fama de Jurerê Internacional como destino de férias, reforçada a partir da infraestrutura de entretenimento, lazer e gastronomia de alto padrão que foi sendo construída ao longo dos anos.

O bairro conta hoje com resort, beach clubes e restaurantes na orla, centro esportivo, centro de entretenimento, open shopping – com mix variado de lojas, cafeterias, padaria, lotérica, agência bancária e caixas 24h -, floricultura, supermercado, templo ecumênico e posto de combustíveis. Além da praia de mar calmo, dispõe de outros atrativos ao ar livre, como parque linear, playground, bosque e praça. E registra, atualmente, uma população fixa de 4.756 pessoas e uma população flutuante de 6.481, com 2.642 domicílios ocupados. Na alta temporada, o incremento na população chega a 40%, totalizando 15.808 pessoas. O perfil do morador de Jurerê Internacional é o da chamada classe A, com renda média domiciliar de R$ 16,7 mil, mais do que o dobro da renda média registrada em Florianópolis: R$ 7,4 mil.

Plano diretor e redução do potencial construtivo

Priorizando a sustentabilidade e a promoção da qualidade de vida, o empreendimento atendeu a diretrizes estruturantes. “As diretrizes estabelecidas foram baixa densidade populacional, saneamento independente, organização e ordenamento dos fluxos, serviços e facilidades, segurança, preservação ecológica e arqueológica, infraestrutura, entretenimento e lazer, apoio aos banhistas na praia com os postos de praias, balneabilidade”, explica a arquiteta e urbanista Lorena Morrudo Babot, Gerente de Desenvolvimento Imobiliário de Jurerê Internacional. Segundo ela, a concepção e a execução do projeto consideraram as riquezas existentes no entorno, como os sambaquis, a Estação Ecológica de Carijós, unidade de conservação brasileira de proteção integral da natureza criada por Decreto em 1987, e a Fortaleza de São José da Ponta Grossa, conjunto arquitetônico circulado por muralhas construído em 1740 e tombado como Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1938.

O empreendimento nasceu com um plano diretor próprio, que previa um eixo comercial e uma implantação de forma quadricular, com moradia unifamiliar e, em alguns pontos, multifamiliar. “O plano de desenvolvimento assentou-se em quatro dimensões, matrizes da sustentabilidade: ambiental, cultural, física e humana. Nestas quatro dimensões, os princípios de antecipação e renúncia – utilizados em toda a gestão – se materializam em proposições e ações concretas”, ressalta Salete Pereira, Coordenadora de Sustentabilidade do Grupo Habitasul.

Entre as proposições estão o afastamento das vias de veículos da beira do mar, o afastamento das áreas privativas da orla com a implementação de uma faixa de proteção ambiental de 45 metros ao longo de toda a praia, o sistema de coleta de esgotos com tecnologias mais eficientes – incluindo o sistema a vácuo – e a redução progressiva das densidades de ocupação do solo.  A redução do potencial construtivo deu-se a partir da decisão de restringir para unidades unifamiliar com dois pavimentos onde era permitido construir prédios de três pavimentos, mais ático. Isso corresponde a todos os lotes com frente voltada para as principais vias.

“O planejamento de Jurerê Internacional é proveniente da convicção de que instituir um uso predominantemente residencial e unifamiliar na região próxima ao mar, garantiria não só a identidade inicial necessária para a qualificação e valorização crescente do empreendimento, mas também a viabilidade do seu posterior desenvolvimento em etapas e com diferentes modelos de ocupação, visando o equilíbrio da densidade populacional e a preservação ambiental como um diferencial”, explica Lorena.

Outra restrição atribuiu fama ao lugar por suas “casas sem muros”, critério urbanístico estabelecido pelo empreendimento. “A relação do pedestre com o jardim promove segurança, qualidade do ar, sombra e bem-estar, além de proporcionar a paisagem de qualidade da arquitetura e do paisagismo das moradias”, frisa Lorena. E a arquiteta reforça: “’a casa olhando para a rua e a rua olhando para a casa’ é princípio urbanístico de segurança, civilidade e bem-estar”. Essa é uma das condicionantes que consta nas Normas Construtivas de Uso do solo – documento que reúne um conjunto de diretrizes relacionadas aos aspectos de construções e uso do solo, bem como o elenco de serviços básicos que serão permanentemente mantidos e custeados pelos proprietários e moradores.

Masterplan: do planejamento integrado à centralidade urbana

Ao longo dos anos, a proposta inicial de implantação foi sendo aperfeiçoada a partir da adoção de novos conceitos de planejamento urbano. Entre 1979 e 1980, o masterplan inovava com modelos urbanos com planejamento integrado, no plano desenvolvido por Sclovsky e Saltz Arquitetura de Urbanismo, coordenado pelo arquiteto Sérgio Sclovsky. Com o documento, o Grupo Habitasul antecipava-se à legislação municipal, já que o chamado Plano Diretor dos Balneários da Ilha de Santa Catarina, declarando-os Área Especial de Interesse Turístico, foi instituído em 1985 (Lei 2.193). “Ele já tem, em muitos dos seus aspectos, semelhanças e até o zoneamento com características do masterplan de Jurerê Internacional”, afirma Lorena.

Na década de 1990, o desenho de Jurerê Internacional começou a conformar uma nova proposta, e uma cidade-jardim começou a surgir. Entre 2000 e 2003, na atualização do masterplan, a premissa foi de “Consolidação da frente ambiental: desenho urbano integrado aos espaços de preservação”, no masterplan desenvolvido por De Fournier International Developers Inc., assinado pelo arquiteto Henri Michel de Fournier.

Entre 2006 e 2009, uma nova transformação foi promovida a partir da atuação da CEPA – Consultora de Projetos e Estudos Ambientais, coordenada pelo arquiteto Rubén Omar Pesci. A adoção dos princípios da Unesco com relação à Reserva da Biosfera nos ambientes urbanos faz com que o arquiteto incentivasse o grupo Habitasul a desenvolver o masterplan de Jurerê Internacional com base em critérios definidos para o macrozoneamento da Ilha que, na época, estavam sendo desenvolvidos pelo Instituto de Planejamento Municipal (IPUF). “Importante ressaltar que a aplicação desses novos conceitos – sempre na vanguarda da legislação – também alcançaram o conceito de ‘centralidade’ de Jurerê Internacional, desenvolvido pelo arquiteto Pesci em seus estudos, que se consolidam no masterplan de 2006”, acrescenta Lorena.

As mudanças da legislação ambiental e urbanística, aliadas ao crescimento populacional, registradas nas últimas décadas, fortaleceram o conceito de centralidades. “Assim, o Plano Diretor Municipal de 2014 conferiu a Jurerê Internacional o papel de centralidade, levando-nos a fazer um estudo completo do nosso território, considerando a influência do desenvolvimento de Jurerê Internacional para a região norte da Ilha de Santa Catarina”, conta a arquiteta.

A equipe passou, então, a analisar as condicionantes da paisagem e as estruturas para estabelecer uma maior integração com as comunidades do entorno e, consequentemente, a proposição de interferências urbanas para o melhor desenvolvimento de uma centralidade, de modo a alavancar um futuro de intervenções com outros proprietários e o município. “O Plano Diretor estabeleceu as Áreas Urbanas Especiais que têm o propósito de desenvolvimento de centralidades, mas que também tem características naturais de muito valor. E assim surgem propostas de desenvolvimento de um urbanismo responsivo e altamente ecológico no seu planejamento de modo sustentável”, reforça Salete.

Em 2019, a tarefa de atualizar o masterplan de Jurerê Internacional ficou a cargo dos arquitetos e urbanistas André Lima e Maurício Holler, do Studio Methafora. “Esta atualização ocorreu tendo como base o Plano Diretor de 2014 e as mudanças na legislação ambiental”, explica a arquiteta e urbanista Lorena Babot. Ela comenta que importantes avanços contidos na Constituição de 1988 relativos à política urbana, regulamentada em 2001 pelo Estatuto da Cidade, já vinham sendo contemplados desde o primeiro masterplan do empreendimento, com uma série de instrumentos urbanísticos para combater a especulação imobiliária e proporcionar a regularização fundiária dos imóveis urbanos, assim como a proteção e a recuperação do meio ambiente urbano.

O empreendimento foi sendo implantado por etapas, com projetos aprovados e licenciados pelos órgãos públicos, a partir de 1985. Das nove etapas previstas, a maioria já foi concluída, totalizando 2,11 milhões metros quadrados, sendo 53,70% de área privativa, 26,25% de área do sistema viário e 20,04% de áreas verdes. As últimas três etapas, que vem sendo implantadas nos últimos anos – de 2019 para cá –, representam 3,76 milhões de metros quadrados, sendo 83,23% de áreas verdes. Entre as novidades está a criação do Parque Central, considerado o “coração do bairro”, com 150 mil metros quadrados integrados aos 240 mil metros quadrados de bosques, além do Passeio dos Namorados, na orla. “O Parque é a conexão principal entre o mar e o verde, e contempla estrutura para esportes, trabalho ao ar livre, passeios e relaxamento com a família em meio à mata nativa”, descreve Lorena.


Desafios: segurança, sustentabilidade e verticalização

A segurança e o saneamento eram focos de atenção por parte do grupo Habitasul desde o início da implantação em Jurerê Internacional. Em relação à segurança, cujo conceito abrange também espaços públicos limpos e seguros, a iniciativa foi de estabelecer uma governança comunitária por meio de um plano integrado entre iniciativa privada e Associação de Moradores (AJIN) e órgãos públicos, cujo  foco é a segurança colaborativa e a prestação de serviços complementares ao da municipalidade. De acordo com Salete Pereira, a Associação de Moradores (AJIN) é um dos integrantes do sistema com papel relevante na manutenção do padrão de qualidade ambiental, urbanística e arquitetônica estabelecido para o empreendimento. Assim como os moradores que não necessariamente estão associados à AJIN, mas contribuem igualmente para essa governança comunitária por meio do Programa Jurerê Internacional Qualidade Sustentável- JIQS. Esse Programa é operacionalizado por uma empresa especialista em gestão de comunidade, devidamente credenciada junto à Secretaria de Segurança Pública, cujas diretrizes de conduta para a segurança e zeladoria urbana, estão definidas no Guia de Urbanidade, alinhadas aos padrões legais e de qualidade socioambiental para o local.
Um dos principais investimentos que vem sendo feito ao longo desses 40 anos, que garante a qualidade e a preservação dos ecossistemas situados ao entorno do empreendimento, é o Sistema de Água e Esgotos (SAE). Implantado em 1982, ele é o pilar essencial para a preservação ambiental, fornecimento de água potável, balneabilidade e a promoção da saúde pública. “A qualidade do ar, a temperatura agradável, é fruto do cinturão verde que abraça a gleba onde está localizado Jurerê Internacional”, afirma Salete, citando as montanhas que se interligam pela Estação Ecológica de Carijós, onde a biodiversidade se destaca e se movimenta em trampolins ecológicos ou corredores ecológicos como a futura RPPN Y-Jurerê Mirim, de 34 hectares, em fase de criação, o futuro Parque Central, o Parque Linear Amoraeville, com 199 mil metros quadrados de área verde preservada, o Bosque e o Pé de Fruta, os jardins das casas e pôr fim a praia.

Outro destaque nesse sentido, segundo ela, é a faixa de área verde de 45 metros ao longo de toda a praia, afastando as casas da linha da vegetação e privilegiando a passagem dos pedestres em um parque linear à beira-mar com acesso à praia por meio de 19 passarelas elevadas, que protegem os mais de 7 mil metros quadrados de vegetação nativa. “Essa vegetação levou cinco anos para ser totalmente recuperada por meio Projeto de Recuperação de áreas Degradas e permite hoje que a flora e fauna desfrutem em harmonia com o ser humano o mesmo espaço de maneira preservada”, acrescenta Salete. Ela conta que a empresa criou, em 2020, o Comitê de Sustentabilidade e lançou o seu primeiro Relatório de Sustentabilidade (ESG) em 2021.. “Nossos investimentos para ações que visam à sustentabilidade, passam pela nossa crença da vida em primeiro lugar e cada vida parte de um ecossistema. A perpetuidade da sustentabilidade local está na relação das pessoas com o lugar onde elas moram, frequentam e visitam”, acrescenta a Coordenadora de Sustentabilidade do Grupo Habitasul.

Entre os desafios enfrentados, está incluída a resistência dos Nimbys (do inglês Not in my Back Yard – não no meu quintal) à verticalização. “Cremos que, em Jurerê Internacional, o desafio é o desenvolvimento urbano para atendimento da projeção populacional com a verticalização. Não há como continuar ocupando a Ilha de Santa Catarina se não verticalizando”, pontua Lorena. A arquiteta e urbanista argumenta que as áreas destinadas ao desenvolvimento são como áreas de transição entre o que já está urbanizado e o que se quer preservar. “Dizemos ‘queremos’ porque não é apenas uma questão de legislação, mas é também uma questão de consciência e qualidade. A maior riqueza da Ilha é justamente a beleza da paisagem e os serviços ambientais que a natureza oferece”, ressalta. E, admite que, “certamente, há um receio das comunidades com a verticalização”. “Porém, somos todos partes dessa natureza e precisamos produzir espaço para as pessoas. E a melhor forma de preservar conexões verdes e cidades sustentáveis é a verticalização”, sentencia.

Mestre em desenvolvimento sustentável e especialista em estudos e projetos urbanos, Lorena Babot aponta que as diretrizes a serem priorizadas para que um empreendimento preste a sua contribuição para o desenvolvimento das cidades passa pelo conhecimento profundo do território para propor intervenções que promovam o equilíbrio entre a interface urbana e a natureza. “Ter espaços públicos, que estimulem interações entre as pessoas e que promovam saúde e felicidade, e compartilhar a gestão e a segurança dos espaços públicos e equipamentos privados, de forma colaborativa com os moradores e órgãos públicos”, acrescenta. Um dos principais ingredientes, segundo ela, é justamente “fazer junto”. “Moradores, empreendedores, proprietários e a empresa, como desenvolvedora desse lugar, enriquecem cada vez mais a qualidade das atividades e entregas, com um permanente diálogo de parcerias e colaboração”, enfatiza.

Contudo, a expansão desse modelo de bairros planejados no país é desestimulada pela falta de uma “política de confiança”. “Hoje a legislação, principalmente a municipal, freia o desenvolvimento planejado, tanto pela demora da regulamentação dos instrumentos urbanísticos, quanto pelos formatos de análise dos projetos. E, de certa forma, isso influencia o custo da terra, a mais valia urbana, e o maior conflito das cidades, que é a produção informal de moradia”, lamenta a arquiteta. Essas questões não têm acompanhado a velocidade das novas dinâmicas da sociedade, com novas economias, diversidade de modalidades de moradia para famílias de variadas configurações. “Ser uma cidade responsiva, promover usos conscientes, entregar respostas coerentes com comportamentos que surgem à medida que a humanidade evolui tecnicamente e espiritualmente. Pode ser uma resposta filosófica, mas não há como projetar cidade com conceitos criados por políticas determinantes”, destaca Lorena. Ela reforça que a cidade muda cada dia mais rápido e que a sociedade exige agilidade e compromisso com a sustentabilidade, tecnologia a serviço da praticidade. “E tudo isso para sobrar tempo de viver com saúde, porque ter tempo e saúde é o luxo mais precioso”, considera.

Seja o primeiro a receber as próximas novidades!

    Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.