O modelo de planejamento urbano do Japão ajuda a explicar porque os preços das moradias não aumentam da mesma maneira que nos demais países.
A política de desenvolvimento das cidades japonesas incentiva a criação de bairros compactos, caminháveis, de baixo carbono, com uso misto do solo e diversidade de tamanhos e de tipos de habitação. Com um modelo centralizado de planejamento urbano e uma grande preocupação com a oferta abundante de residências para a população, o governo do país do sol nascente exerce um controle sobre a utilização dos terrenos muito maior que o visto em outras nações democráticas.
Impactando na construção de mais imóveis que a demanda e na manutenção dos preços das unidades, o zoneamento das localidades e as regras de uso da terra passaram por muitas transformações ao longo dos anos, como destaca o artigo de Alan During publicado, recentemente, no site do Sightline Institute.
Para se ter uma ideia da evolução da legislação, os professores Andre Sorensen, Junichiro Okata e Sayaka Fujii, respectivamente, das universidades de Toronto, Tóquio e Tsukuba, destacam que a primeira norma urbanística do Japão, datada de 1919, contava com a definição de apenas três zonas para todo o território nipônico. Já em 1968 houve uma ampliação para oito, além da introdução de procedimentos de participação popular, por meio de audiências públicas e fiscalização de planos, aponta texto do LabGov, organização internacional para o debate e compartilhamento de experiências de gestão das cidades.
Uma nova alteração ocorreu em 1992, quando foram estabelecidos os 12 zoneamentos que são mantidos até hoje. Em Seattle (EUA), compara During, esse número salta para 38. “Provavelmente, não é coincidência que o sistema geral de regulamentação habitacional japonês sempre foi simples, uniforme e notavelmente mais acolhedor para moradias de diversos portes e tipos do que as políticas de outros países”, afirma. No formato atual, as localidades nipônicas são divididas em seis zonas residenciais, com distintos tamanhos das edificações permitidos e uso misto atrelado, três comerciais, com diferenças entre os negócios que podem operar, e outras três industriais, definidas pelo reflexo no meio ambiente e no incômodo que provocam – seja ruído sonoro, fumaça, entre outros. Além disso, cada uma dessas regiões possui coeficientes de aproveitamento da área variados, como descreve artigo do blog Urban Kchoze citado por During.
Apesar da centralização, os governos municipais têm seu papel no planejamento urbano de suas cidades. Desde a última modificação da lei nacional, as prefeituras são responsáveis pela distribuição das terras entre as zonas e precisam conceber os seus próprios planos diretores. Contudo, eles ainda precisam ser aprovados pelo órgão ministerial que gerencia esse segmento e controla também os códigos de construção do Japão. During acrescenta que esses documentos definem os limites de altura e recuo das edificações, assim como as normas de “plano inclinado” – que são as orientações para garantir o acesso à luz solar e que, conforme o autor do artigo, são o principal fator para indicar o tamanho de um prédio no país.
Políticas habitacionais incentivam construções multifamiliares e refletem no valor dos imóveis
Mesmo nas zonas mais restritivas do Japão pode-se erguer edifícios mais altos e com diferentes tipos de moradias, assinala Alan During, que é fundador e diretor executivo do Sightline Institute. Segundo ele, essas áreas são “mais parecidas com um bairro residencial da América do Norte do que com uma região isolada”, sendo comum que elas tenham pequenos prédios de apartamentos. Outra observação feita pelo autor é que nos Estados Unidos grande parte das cidades tem o território ocupado por casas únicas instaladas em enormes lotes cercados por calçadas e jardins. Já nas localidades japonesas a realidade é outra: metade das terras metropolitanas possibilita o desenvolvimento habitacional sem limites de altura, o uso misto do solo, com lojas, locais de trabalho e escolas, e a conexão com os meios de transporte. Com a elevada taxa de ocupação dos terrenos, a escassez e o aumento excessivo dos preços dos imóveis não são comuns na história recente da nação.
No entanto, o cenário era bem distinto nos anos 1970, quando ocorreu um forte movimento popular contra os arranha-céus e a edificação de moradias foi reduzida, resultando em uma menor oferta de imóveis e no consequente aumento dos valores das estruturas existentes. A bolha imobiliária estourou no início da década de 1990, levando a uma crise econômica nacional. Para se recuperar e permitir que mais residências voltassem a ser erguidas, o governo facilitou a regulamentação urbana. Entre as medidas adotadas estavam a exclusão dos porões dos prédios na fórmula para cálculo da área interna autorizada, o que viabilizou um andar a mais nas construções, a liberação para que consultores privados emitissem as licenças necessárias para as obras habitacionais e a possibilidade de ter novos arranha-céus nos centros das cidades.
Essas ações resultaram em abundância de casas disponíveis, preços baixos e formas urbanas transitáveis, orientadas para o transporte e de baixo carbono. Uma referência dessa mudança de panorama é a prefeitura de Tóquio que, mesmo com poucos terrenos disponíveis, edificou 145 mil novas moradias em 2018 em bairros já existentes, como pontua o autor. Alan During complementa que a capital japonesa manteve esse ritmo por anos e, na década de 2010, a taxa de crescimento para unidades habitacionais foi, em geral, três vezes mais rápida que a de Londres ou Nova York (EUA). “Entre 14 megacidades ao redor do mundo, apenas Cingapura e Seul superaram Tóquio no ritmo de desenvolvimento geral da moradia”, enfatiza.
Uma ressalva importante feita por ele é a necessidade de avaliar nesse contexto que o Japão coloca abaixo residências mais cedo que outras nações, por isso muitos imóveis edificados são de reposição. Para During, esse, inclusive, é um dos segredos do sucesso nipônico. Com as atualizações das rigorosas legislações de segurança contra terremotos, as pequenas habitações japonesas às vezes se “depreciam completamente em apenas 30 anos”. “Essa alteração rápida do estoque de moradias proporciona que o país tenha muito mais chances de instalar prédios maiores”, explica.
Em relação aos preços das casas, o autor menciona novamente Tóquio como exemplo: a cidade vem, desde a bolha imobiliária dos anos 1990, acrescentando residências em uma velocidade maior que o incremento do número de famílias. Isso cria um mercado com grande quantidade de imóveis, o que mantêm os “valores de locação e de compra baixos e estáveis”. No Japão como um todo, os preços das habitações ajustadas pela inflação caíram e os aluguéis são menores que de outras nações integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Centralização do planejamento urbano dificulta ações contra edificações de maior porte
Mesmo com o surgimento de um grande número de associações de bairro e de organizações de moradores nos últimos anos e a participação ativa de residentes no engajamento das comunidades, como noticia o site do LabGov, a centralização das políticas urbanísticas japonesas torna mais complexo que medidas e atividades de Nimbys (do inglês Não no meu jardim – grupos que se mobilizam para impedir projetos que consideram prejudiciais para o meio urbano ou que alteram as características de uma região) contra a construção de arranha-céus e outros tipos de prédios obtenham sucesso. No artigo para o Sightline Institute, Alan During destaca a afirmação do planejador da região de Minato, em Tóquio, Takahiko Noguchi, em entrevista ao Financial Times: “As pessoas têm o direito de usar suas terras; então, basicamente, os vizinhos não têm o direito de interromper o desenvolvimento”.
During frisa ainda que, como todas as decisões sobre planejamento são tomadas na capital japonesa, o Japão “escapou da armadilha do bloqueio (da edificação de novas estruturas) e oferece moradias populares em locais onde se pode caminhar. É um modelo que vale a pena imitar”. Porém, ele reforça que esse não é o único padrão a ser seguido e que as particularidades da política habitacional de cada país alertam “contra o excesso de peso (controle) em qualquer nação”.
O autor também referencia iniciativas adotadas pelo governo nipônico para incentivar as cidades a permitirem a construção de mais imóveis. De acordo com o professor Nobuki Mochida, da Chuo University em Tóquio, que estudou os efeitos fiscais do crescimento populacional e residencial no Japão, “o sistema de finanças públicas do país inclui um poderoso esquema de equalização fiscal que transfere fundos de lugares ricos para os pobres”.
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