Já comum na realidade dos Estados Unidos, o Planned Unit Development (PUD) é visto como uma possibilidade para promover e acelerar mudanças pontuais na malha urbana de municípios do Brasil, criando espaços mais qualificados e diversificados. O instrumento é utilizado naquele país por incorporadores e desenvolvedores imobiliários para propor a modificação do zoneamento existente de lotes ou de grandes terrenos em determinados lugares.

A partir desse modelo, é possível solicitar aos governos locais alterações na legislação de uma área para o uso misto do solo, implementação de empreendimentos – como bairros planejados –, melhorias na infraestrutura de uma região e ainda para aperfeiçoar ou introduzir ambientes públicos. “O PUD é empregado para aprovar um tipo de projeto que não cabe bem no zoneamento das prefeituras”, afirmou o arquiteto Andrew Georgiadis, em entrevista ao Somos Cidade. Andrew é diretor de Projetos do escritório PlusUrbia Design, com sede em Miami (EUA), e também professor da faculdade de Arquitetura da Universidade de Miami e presidente da Georgiadis Urban Design.

Andrew é experiente no planejamento de paisagens urbanas e de iniciativas no segmento de mobilidade e de conservação e restauração de ecossistemas. Conforme Andrew, em geral, as administrações das cidades têm definido um tamanho mínimo para as terras onde o Planned Unit Development pode ser aplicado. “Mas, depende de cada governo estabelecer as características e pré-requisitos para os PUDs, pois esse zoneamento é usado em várias escalas”, detalha.

Ele ressalta ainda que os principais benefícios desse recurso são sua flexibilidade e a agilidade. “Como o processo para mudar o zoneamento pode ser difícil e de longo prazo, o Planned Unit Development pode ser adotado para se ter um resultado mais rápido, poupando tempo”, argumenta. Andrew Georgiadis acrescenta que, quando bem projetado, o PUD pode fornecer espaços abertos e verdes que talvez o regramento atual do município não inclua, proporcionando vantagens para o público em geral e não apenas para quem mora no lugar que passará por transformações.

Em alguns casos, complementa o diretor da PlusUrbia Design, as cidades podem exigir dos incorporadores, além do masterplan, o estabelecimento de diretrizes urbanas para garantir a qualidade do empreendimento a ser concretizado. “Vi o projeto de uma localidade do Arizona entregar um plano de diretrizes para um bairro planejado que a prefeitura, depois, quis ampliar para o resto da região. Às vezes, o desenvolvedor do setor privado ajuda a modificar o zoneamento ao apresentar algo melhor do que esse município tem”, recorda.

Para o sócio-proprietário da DRTZ Estratégia de Produto Imobiliário, Luciano Borghesi Filho, a criação de novos endereços, de centralidades com identidade únicas, em qualquer área é um dos maiores benefícios dos PUDs para as cidades. “Possibilitando (com esse mecanismo) que a atividade de desenvolvimento urbano contribua ainda mais para o aprimoramento do ambiente dos municípios e da vida das pessoas”, disse ele, em entrevista ao Somos Cidade. Borghesi Filho tem formação em Arquitetura e possui MBA pelo International Institute for Management Development (IMD), na Suíça, e Master of Arts in Architecture pela Kingston University, na Inglaterra. Ele já idealizou bairros planejados na Europa e, hoje, atua com consultoria estratégica para a conceituação desse tipo de empreendimento no Brasil, assim como de loteamentos e incorporações.

Ferramenta possibilita que desenvolvedores apresentem novos usos para terrenos

As regiões de Planned Unit Development são propostas, na grande maioria das situações, pelos incorporadores e não pelas prefeituras, como explica o diretor da PlusUrbia Design, Andrew Georgiadis. “E isso ocorre quando o desenvolvedor não está satisfeito com o zoneamento do terreno”, enfatiza. Para exemplificar, ele descreve o cenário do proprietário de uma terra com cerca de 100 hectares que está em uma zona de expansão urbana, mas é destinada pelo governo local para a agricultura. “No caso de o dono querer alterar o zoneamento para o de uso misto, ele pode utilizar o PUD para conseguir isso”, reforça. No entanto, destaca o arquiteto, há planos diretores que identificam áreas para uso misto e para a edificação urbana que se assemelham ao Planned Unit Development, contudo recebem outros nomes.

Em Miami, cita Georgiadis, existe o Special Area Plan (SAP), que permite aos desenvolvedores que contam com um lote de mais de 3,6 hectares entrarem com um pedido para construir em altura e densidade muito maiores do que o previsto pelo zoneamento daquele lugar. “Os SAPs são iguais e têm a mesma função dos PUDs”, observa. Além desse, a cidade da Flórida possui o Neighborhood Revitalization District (NRD), que oportuniza a requalificação urbana de bairros já consolidados e que podem estar sendo prejudicados devido ao regramento determinado para o lugar onde estão localizados.

O distrito artístico de Wynwood, também em Miami, é um símbolo do impacto que a permissão de transformações pontuais na malha urbana e na renovação de regiões inteiras pode ter. Mundialmente reconhecido pela inovação, pela arte urbana, pelas galerias instaladas em antigos galpões e pelos empreendimentos criativos, o bairro contará com uma série de regulamentações para orientar a transição de uma zona industrial para uma área diversificada e de uso misto, incluindo elementos que remetam a sua destinação original, de varejo e residenciais, como informa o governo do município. O objetivo da prefeitura é que o Wynwood Arts District acomode novas funcionalidades e desenvolvimento ao mesmo tempo em que cria oportunidades de espaços públicos abertos e outros privados para seus atuais e futuros moradores.

Entre as metas da cidade estão ainda a preservação da arte urbana que se espalha pelas ruas e construções e o incentivo à implementação de ambientes multifacetados, nos quais as pessoas possam viver, trabalhar e se divertir. A intenção é também melhorar as experiências dos pedestres, aprimorando a mobilidade. A administração de Miami adianta que a ideia é envolver a comunidade nas decisões, oferecer opções variadas de habitações e financiar ambientes públicos ao ar livre e estacionamento centralizado.

Georgiadis lembra que muitos municípios norte-americanos não possuem zoneamento de uso misto, contando com uma separação “tão rígida” entre as regiões residenciais, comerciais, industriais, de lazer e de comércio, que o PUD torna-se uma alternativa para poder diversificar algumas áreas. “É muito importante, quando utilizar o Planned Unit Development, nunca esquecer os princípios de desenho urbano no momento de projetar”, alerta. Dessa forma, é possível conceber locais de uso misto de fato, com qualidade e voltados para as pessoas.

Desafios para a implementação dos PUDs no Brasil

Na opinião do sócio-proprietário da DRTZ Estratégia de Produto Imobiliário, Luciano Borghesi Filho, o Planned Unit Development pode vir a ser um bom modelo para o País, se for incorporado ao planejamento urbano e seu procedimento for objetivo e célere. “No entanto, isso demanda uma quebra de paradigma em relação à forma como o as cidades são pensadas no Brasil”, ressalta. Segundo ele, atualmente, o planejamento dos municípios tenta definir usos, tipologias e morfologia de edificações, hierarquia do sistema viário e pontos de lazer. Mas, como as localidades têm uma grande área, mesmo que esse plano seja feito por setores e responda às peculiaridades de cada segmento, o produto final tende a ser “um conjunto de normatizações que limitam propostas de desenvolvimento mais elaboradas no que se refere à instalação de novas centralidades que enriqueçam o tecido urbano”.

Incluir os PUDs na legislação brasileira passa, inicialmente, pela definição de uma área mínima para que esse instrumento possa ser proposto, avalia Borghesi Filho. “Nos Estados Unidos, o parâmetro é (em geral) a partir de 10 hectares, o que considero razoável”, assinala. O arquiteto aponta que seria necessário, também, determinar um processo direto e ágil que possibilite que desenvolvedores urbanos de pequeno porte consigam adotar essa ferramenta. “Confesso que não vejo a possibilidade disso acontecer no curto prazo, porém é um conceito que as entidades do setor precisam cultivar para a implantação a médio e longo prazos. As vantagens compensam!”, frisa. Luciano Borghesi Filho salienta ainda que São Paulo, Curitiba, Campinas e Florianópolis contam com mecanismos que poderiam ser a semente para tornar os PUDs uma realidade também no País.

Seja o primeiro a receber as próximas novidades!

    Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.