Requisitos mínimos legais aumentam o custo dos imóveis de habitação social em até 20% e dificultam o acesso à moradia
Com um déficit de 5,8 milhões de moradias em todo o Brasil e tendência de aumento desse índice nos próximos anos, buscar soluções para reduzir a falta de unidades e reavaliar as normas existentes e as restrições que elas trazem para novos empreendimentos tornam-se ainda mais urgentes no País. Os dados sobre a escassez de residências e as perspectivas futuras do setor foram identificados pela Fundação João Pinheiro em levantamento realizado em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Regional e apresentado em 2021.
Diferentes estudos vêm analisando esse cenário e apontando caminhos distintos para revertê-lo, como o da arquiteta Mariana Ribeiro Martins. Ela investigou o impacto da obrigatoriedade de construir espaços recreativos no preço de habitações de interesse social em Curitiba (PR), onde ela vive e fica a sede da empresa na qual atua, a G.Home Investimentos Imobiliários.
A pesquisa, efetuada em 2019, abrangeu 964 imóveis de até 60 m² desenvolvidos no âmbito do programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida (criado em 2009 e hoje chamado de Casa Verde e Amarela) na capital paranaense. Desse universo, Mariana focou seu trabalho nos 782 apartamentos de 31 m² a 60 m² apurados e que tinham valor máximo de R$ 200 mil. Esse recorte foi escolhido por ser o mais afetado pelas exigências do Código de Obras da cidade sobre a edificação de locais de lazer em complexos residenciais.
A comparação entre o preço do metro quadrado das áreas privativas das unidades com o das áreas recreativas revelou uma elevação de até 20% no valor de venda das habitações de 31 m² a 45 m². “Ou seja, um imóvel como esse poderia ter custado 20% a menos sem esses ambientes adjacentes obrigatórios, facilitando o acesso das pessoas à moradia”, assinala a profissional, que atua com condomínios e loteamentos no Paraná e em Santa Catarina e tem ampla experiência com legislação urbana. Considerando o perfil geral das propriedades estudadas, o reflexo médio foi de 16,75%.
Como exemplo, Mariana cita um apartamento de 50 m² com dois quartos, um banheiro, sala, cozinha e lavanderia – um modelo padrão do Minha Casa, Minha Vida. Uma residência como essa seria comercializada em Curitiba por R$ 185 mil, sendo que desse total R$ 27,9 mil seriam pagos devido às normas de construção de áreas de lazer impostas pela Prefeitura. “Sem esses espaços, o preço final seria de R$ 157,1 mil, o que representaria uma entrada menor no momento da compra, parcelas mensais mais baixas e, o mais importante, a possibilidade de cidadãos com rendimentos menores conseguirem ter uma casa”, detalha.
Outro impacto dessas regras verificado pela arquiteta é o tamanho das habitações. Segundo ela, retirando essas determinações da lei, os desenvolvedores imobiliários poderiam disponibilizar imóveis maiores nesse perfil de empreendimentos, em até 7,54 m². “São tantas demandas das prefeituras, dos regulamentos de obras, que acabam onerando o consumidor. O construtor tem que obedecer às normativas e acaba repassando isso para o valor final da unidade. E, cada vez mais, as moradias ficam cheias de obrigações e vão ficando mais caras”, observa.
Esses resultados foram divulgados por Mariana durante o 27º Congresso Mundial de Arquitetos – organizado pela União Internacional de Arquitetos (UIA) e que ocorreu de março a julho deste ano de forma on-line. Clique aqui para acessar o trabalho na íntegra.
Legislação determina dimensões e onde devem ser instalados os espaços de lazer
A desproporcionalidade do tamanho das áreas comuns em relação às áreas privativas de uma habitação social é algo que chama muito a atenção da profissional quando ela vai iniciar um projeto nesse segmento. E esse foi um dos motivos que levou Mariana a pesquisar sobre o tema da obrigatoriedade de ambientes recreativos nos complexos do Minha Casa, Minha Vida da capital paranaense. Interessada em saber como as pessoas podem ter mais acesso à moradia, a arquiteta já realizou outros estudos para se aprofundar nas razões que tornam as residências tão caras e como barateá-las.
Em seu levantamento, a profissional apurou que os espaços de lazer passaram a fazer parte do Código de Obras de Curitiba a partir de 1988, por meio do Decreto 1/1988, e o seu tamanho varia de acordo com as dimensões dos imóveis, podendo ir de 4 m² a 12 m² por habitação. Na faixa avaliada pela profissional (de 31 m² a 60 m²), devem ser destinados a esses locais 9 m² por unidade. “É uma fração significativa. Em uma casa de 40 m², esse requisito representa quase 25% da propriedade. E esses parâmetros permanecem quase os mesmo desde sempre”, enfatiza.
Mariana explica que, hoje, o Código de Obras da cidade determina, além da área mínima que os ambientes recreativos devem ter, os lugares proibidos para a sua instalação. Eles não podem estar, por exemplo, no recuo das construções. “Temos que usar uma parte nobre do terreno, que deve contar com 50% da sua área aberta. Os outros 50% podem ser definidos pelo empreendedor se terão cobertura ou não”, ressalta.
Mais moradias poderiam ser erguidas sem a imposição de construir ambientes recreativos
Uma ressalva feita pela arquiteta da G.Home Investimentos Imobiliários é que ela não é contra as áreas de lazer. “Nem estou demonizando elas, mas o questionamento que faço é: a primeira casa de uma pessoa é algo essencial. Por isso, será que ter esse espaço recreativo é o mais importante na vida dela? Será que não conseguiríamos produzir mais ou melhores unidades ao retirar esse tipo de obrigação?”, pondera. Em seu estudo, Mariana apontou que as regras que impõem a edificação desses locais deveriam ser retiradas, tornando-os um diferencial comercial – com os desenvolvedores podendo escolher se querem oferecer ambientes de lazer em seus empreendimentos. “Assim, eles atenderiam a clientes com diversas demandas e dariam mais opções à população na hora de comprarem seu imóvel, abrangendo um número maior de cidadãos, inclusive os de renda mais baixa”, afirma.
Mariana defende ainda que cabe às prefeituras proporcionarem lugares recreativos qualificados. “O poder público não fornece essas áreas e cobra que a iniciativa privada faça, mas quem está pagando por isso no final é o consumidor”, argumenta. Ela avalia também que esses espaços têm um impacto diferente na sociedade que aqueles criados com a mesma finalidade dentro dos complexos residenciais. “Como promover a segurança do bairro e o contato social, evitando que se formem bolhas de convívio”, frisa. Para a profissional, às vezes, as prefeituras querem proteger as pessoas e colocam restrições na legislação que acabam perdendo o foco principal, que é o de disponibilizar mais moradias e reduzir o déficit habitacional.
Os terrenos onde serão instalados os condomínios de casas ou prédios são originários de um loteamento, recorda. E uma parcela dele, que pode variar de 5% a 10% da área total, dependendo da cidade, já é destinada para as prefeituras – que podem usá-la para erguer uma escola, um posto de saúde, um parque ou uma praça. “Na verdade, você (desenvolvedor) paga duas vezes, no momento do loteamento e quando é obrigado a construir dentro do seu lote um ambiente de lazer, uma vez que não existe nada no entorno”, salienta. No artigo apresentado no Congresso Mundial de Arquitetos, Mariana indica também que o tema deveria ser analisado em outros municípios para verificar se essa é uma questão que precisa ser debatida nacionalmente ou se é algo específico da capital paranaense.
Foto: <a href=’https://br.freepik.com/fotos/arvore’>Árvore foto criado por bearfotos – br.freepik.com</a>
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