Streeteries

Uma reação à COVID que chegou para ficar. Aos ocupar as ruas com gastronomia, as Streeteries têm se popularizado em todo o mundo.

Os debates sobre os espaços urbanos ocupados pelos carros nas cidades e a necessidade de reduzir o número de estacionamentos para priorizar a circulação de pedestres e ciclistas foram acelerados pela pandemia de coronavírus. Diferentes e criativas iniciativas mostraram o potencial positivo de atrair mais pessoas para as vias, proporcionando vitalidade para os ambientes públicos, segurança e maior retorno financeiro para os estabelecimentos presentes em áreas que apostaram na mudança da visão de privilegiar os automóveis em vez dos cidadãos. As streeteries são um dos exemplos mais recentes de soluções que podem auxiliar na recuperação das ruas para o uso da população.

Surgidas nos Estados Unidos em 2020, no período mais restritivo da Covid-19, as streeteries transformaram vagas para veículos em “salas de jantar ao ar livre”, como define o planejador urbano e professor da Universidade da Pensilvânia Ariel Ben-Amos em artigo para a rede de notícias Whyy. Como forma de ajudar restaurantes, cafés e bares a sobreviverem durante os meses em que não era autorizado o consumo dentro desses locais, governos de municípios como Filadélfia, Nova York, Boston, São Francisco, entre muitos outros, permitiram e facilitaram as regras para que empresários expandissem seus negócios para as calçadas, estacionamentos, pátios e até mesmo vielas.

Rapidamente, foram improvisados espaços que iam de trechos “com cadeiras de plástico e fitas de isolamento para separar as pessoas dos carros a outros com lustres de mais de 20 mil dólares pendurados no meio dos ambientes”, descreve Ben-Amos sobre as diversas experiências desenvolvidas nas vias da Filadélfia. “Atualmente, há bem mais de 750 delas (streeteries); estão por toda a cidade e representam uma revolução silenciosa”, afirma. O nome vem da união das palavras “street (rua)” com “eateries (restaurantes)” e ganhou força ao se tornar uma alternativa segura para sair de casa e fazer uma refeição ou reencontrar conhecidos em lugares externos que respeitam as normas sanitárias impostas, como distanciamento e ventilação natural, como reforça matéria da Remix, empresa nascida em São Francisco (Califórnia) que oferece às administrações públicas softwares e plataformas para o planejamento do transporte.

Apesar de possuir características semelhantes aos parklets (miniparques), como ocupar em uma ou mais vagas para automóveis junto aos meios-fios e ser uma ampliação das calçadas para a convivência, as streeteries se diferenciam por contarem com instalações temporárias e mais acessíveis financeiramente. Em geral, os parklets são permanentes, possuem infraestrutura em metal, concreto ou madeira e podem ter bancos, floreiras, mesas, estacionamento para bicicletas e conexão com a internet. Conforme Ben-Amos, na Filadélfia, eles podem custar entre 5 mil e 25 mil dólares apenas com os materiais para construção, sem incluir as taxas da prefeitura e de implementação.

Também chamadas de streateries, essa opção de utilização das áreas urbanas não é uma novidade. Segundo a reportagem da Remix, há cerca de sete anos, o governo de Seattle começou a criar miniparques e streeteries para incentivar o comércio e movimentar as ruas. Nesse sentido, o texto salienta a importância da parceria entre órgãos públicos e empreendedores para que o processo de licenciamento seja agilizado e as estruturas funcionem em sintonia com o trânsito, que precisa ser revisto nos bairros de muitas cidades, como ocorreu em Madison (Wisconsin) e Eugene (Oregon). As administrações locais podem contribuir para a recuperação econômica dos estabelecimentos e a expansão das streeteries a partir do fechamento de vias, do redirecionamento do tráfego e colocando barreiras que garantam a segurança de pedestres, clientes, ciclistas e motoristas, assinala a matéria.

O professor universitário e fundador do StreetBoxPHL – organização que apoia ações de associações comunitárias para a implantação de projetos de ocupação de ruas e calçadas da Filadélfia –, Ben-Amos, detalha que o município da Pensilvânia simplificou, em 2020, a documentação exigida para instalar uma streetery e alterou os padrões de design obrigatórios para que mais empresários abraçassem a medida. “Modificar esses procedimentos também para parques e praças pode catalisar ainda mais espaços públicos voltados para a população”, acredita.

Os benefícios dessas estruturas ao ar livre foram além dos econômicos e de promoção da saúde e da socialização, eles trouxeram um “senso de comunidade entre os negócios e os vizinhos”, destaca o artigo do planejador urbano. De acordo com ele, essa resposta veio de pesquisa realizada pela StreetBoxPHL com um grupo de 30 donos de restaurantes da Filadélfia. Ben-Amos observa que, para que a iniciativa prossiga, é preciso encontrar um equilíbrio entre as distintas demandas dos empreendimentos comerciais, dos residentes e das prioridades de transporte.

Tendência das streeteries deve ser mantida no pós-pandemia

Apesar da oposição histórica que muitos comerciantes de diversas regiões do mundo fazem às modificações no trânsito, principalmente àquelas que bloqueiam ou fecham vias para os automóveis, os resultados que as streeteries trouxeram para os negócios e para a interação social são um forte indicativo de sua continuidade em muitas localidades norte-americanas e da possibilidade de serem adotadas em outros países, assim como foram as Ruas Abertas – em que trechos inteiros foram proibidos para os carros e ficaram exclusivos para as pessoas usufruírem de bares, cafés e restaurantes nos espaços públicos.

“Ter uma área ampliada para sentar ao ar livre tem sido um salva-vidas durante essa crise econômica, mas também abriu os olhos para uma nova visão para as vias e o comércio”, ressalta a matéria da Remix. O texto analisa ainda que as streeteries não são apenas um “paliativo funcional” e sim uma tendência da indústria de restaurantes nos Estados Unidos que impactarão de forma duradoura as cidades modernas. “Em muitos casos, os municípios terão que repensar a segurança para acomodar os negócios expandidos, passagem de pedestres, tráfego de veículos e transporte público”, relata a reportagem.

A Filadélfia está adiantada nesse sentido e colocou em votação, em novembro deste ano, um projeto de lei do vereador Allan Domb para tornar as streeteries da localidade permanentes em alguns bairros, conforme a rede de notícias Philly Voice. A proposta de Domb permitirá que os Departamentos de Licenças e Inspeções e o de Ruas determinem e regulamentem essas estruturas, estabelecendo critérios de design e limites para garantir que o fluxo do trânsito. Entre as mudanças previstas pela legislação está uma maior participação dos moradores nas discussões sobre os reflexos das streeteries em suas vidas diárias, informa a matéria.

Em uma postagem em seu Twitter, em 8 de novembro, o vereador Domb enfatiza que o “aumento de 260% nas licenças para refeições ao ar livre mostra que restaurantes de todos os tamanhos usaram o novo programa (streeteries) como uma tábua de salvação para manter as portas abertas e os funcionários trabalhando”. Ele defende também a necessidade de continuar oferecendo “oportunidades iguais para as empresas terem essa opção como um recurso constante”.

O planejador urbano Ariel Ben-Amos conta em seu artigo para a Whyy que um levantamento efetuado em agosto deste ano pela StreetBoxPHL e pelo Hinge Collective – coletivo de arquitetos e paisagistas que atua em parceria com comunidades no desenvolvimento de projetos urbanos – descobriu que cerca de 90% dos proprietários de negócios da Filadélfia entrevistados queriam manter uma streetery ou um café na calçada no pós-pandemia. “É extremamente importante que, quando imaginarmos o futuro dessas instalações na cidade, incluamos o maior número possível de estabelecimentos”, acrescenta.

Nova York estende por mais um ano permissão para estruturas ao ar livre

Enquanto os debates sobre a permanência das streeteries avançam em muitas áreas dos Estados Unidos, o estado de Nova York ampliou até julho de 2022 a licença para que restaurantes e cafés usem as calçadas e as ruas como extensões de seus empreendimentos, como explica reportagem da The New York Magazine. O anúncio foi feito em julho pelo então governador Andrew Cuomo – que renunciou pouco tempo depois e o cargo foi assumido, até o final do mandato no ano que vem, pela vice-governadora, Kathy Hochul, segundo matéria da CNN Brasil.

Para a deputada estadual de Nova York, Patricia Fahy, a continuação das streeteries ajudará a “reviver os centros das cidades e as ruas principais em todo o estado”, como frisa o texto da The New York Magazine. A revista afirma ainda que há um “bom motivo” para tornar essas estruturas uma constância na paisagem nova-iorquina: “ao trazer mais vida de volta às vias (do município) de Nova York, a expansão dos jantares ao ar livre e o programa Open Streets (Ruas Abertas) sugeriram como a localidade poderia ser se as vias fossem menos orientadas para os carros e mais para a vida pública”.

A escritora Diana Budds concorda com essa visão em seu artigo para o site Curbed (especializado em design, arquitetura e cidades. Ela aponta que as streeteries criadas em diversos bairros da Big Apple indicam que o “futuro pós-pandemia pode reservar uma vida na metrópole que seja esteticamente mais vibrante”. Diana cita estruturas montadas no Brooklyn com cores fortes, treliças, plantas e outros materiais criativos que convidam as pessoas a frequentarem esses ambientes. “O Brooklyn Pizza Market tornou suas barreiras únicas, transformando latas de tomate em vasos. Já na Quinta Avenida, um restaurante pintou as divisórias entre veículos e clientes de branco e decorou com flores e vinhas em cascata”, exemplifica.

Ao passear de bicicleta pelas ruas do Brooklyn, Diana comenta que nenhuma streeteries bloqueava as ciclovias e que era muito melhor – e mais seguro – passar por cidadãos comendo do que por carros estacionados. As instalações, reforça a escritora, impulsionam uma “conversa que estava parada sobre a diminuição dos estacionamentos nas vias, o que parece sempre resultar em discussões acaloradas”. Ela acredita também que, ao andar nas ruas no pós-pandemia, talvez exista ainda mais intervenções urbanas inovadoras, que podem ser parklets ou outras iniciativas.

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