Ruas fechadas

Apesar de muitos comerciantes serem contra o fechamento de ruas para automóveis, estudos demonstram que eles são positivos para as vendas

A certeza de muitos empreendedores que ocupar o espaço urbano com mais vagas para carros é essencial para a vitalidade dos negócios e das cidades vem sendo desconstruída a cada nova pesquisa realizada para avaliar como a população faz suas compras, escolhe serviços e lazer e, principalmente, como se desloca até eles. Levantamento efetuado neste ano em duas importantes vias comerciais da capital da Alemanha mostra que os empresários superestimam a utilização do automóvel e subestimam o transporte ativo – pessoas caminhando, pedalando ou se locomovendo de ônibus, trem ou metrô – na hora de analisar a maneira de consumir de seus clientes e se posicionar contra o fechamento de ruas para os veículos.

Desenvolvido por Dirk von Schneidemesser e Jody Betzien, através do Institute for Advanced Sustainability Studies (IASS) de Potsdam (Alemanha), o estudo “Percepção de negócios locais versus comportamento de mobilidade dos compradores: uma pesquisa de Berlim”, verificou ainda que os consumidores, em geral, moram mais perto de seus destinos de compras do que pressupõem os varejistas, em trajetos que dispensam o uso dos carros. Ao todo, foram entrevistados 2.019 clientes em potencial e 145 comerciantes estabelecidos nas vias Kottbusser Damm e Hermannstrasse, que ficam em bairros movimentados e turísticos do município alemão.

Entre os meses de junho e setembro de 2020, uma equipe de seis pesquisadores, incluindo os autores do levantamento, abordaram cidadãos que circulavam pelos dois lados dessas ruas. Já os proprietários de lojas responderam ao questionário dentro dos seus empreendimentos. Schneidemesser e Betzien afirmam que a oposição de empresários e de associações comerciais à redução dos estacionamentos e à ampliação das ciclovias e das calçadas é “um tanto contraintuitivo”, uma vez que diversos estudos indicam que os varejistas “lucram com a infraestrutura de viagens ativas”. Eles esperam que o trabalho deles ofereça uma base de conhecimento para que as decisões sobre a utilização do solo urbano nas cidades sejam fundamentadas em informações.

Para apurar os dados, foram elaboradas perguntas distintas para cada um dos grupos ouvidos com a intenção de comparar se a visão dos comerciantes estava em sintonia com a conduta dos consumidores. Nesse sentido, os clientes falaram sobre o meio de transporte usado para chegar àquela via, a distância que ela ficava de sua casa, o motivo de ter ido até o lugar, em quantos estabelecimentos tinham entrado e com que frequência visitavam a rua por semana. Por sua vez, os empresários especularam quanto cada modo de transporte era utilizado pelos compradores, de quão longe eles vinham, o gasto médio por ida até o local e como eles próprios chegavam até os seus negócios.

Os resultados apontam que os proprietários de lojas “julgam mal a forma como os consumidores se deslocam”. Enquanto somente 6,6% dos clientes viajam de automóvel até as vias comerciais, os empreendedores, em média, projetaram em 21,6% esse índice. Essa diferença entre realidade e percepção também foi observada em relação ao percentual de pessoas que caminham até os estabelecimentos, pedalam e usam o transporte coletivo. Conforme a pesquisa, a maioria do público (mais de 50%) faz as compras a pé, seguida por aqueles que vão de ônibus ou trem e os de bicicleta. Já os varejistas estimaram os parâmetros para esses mesmos modais 10% menores, em geral, do que o examinado na prática.

Outra descoberta de Schneidemesser e Betzien refere-se a como a opção de locomoção dos comerciantes influencia o seu olhar sobre a mobilidade dos outros cidadãos. Um exemplo citado por eles é que empresários que dirigem até seus negócios calcularam uma taxa de utilização muito maior dos veículos pelos clientes (de 28,6%) do que empreendedores que escolheram meios de transporte variados (entre 10% e 19%). Segundo os pesquisadores, esse dado sugere “uma explicação para a superestimação substancial do uso de carros dos consumidores pelos varejistas participantes do estudo”.

 

Pedestres e ciclistas frequentam mais o comércio de rua que motoristas

O levantamento concretizado em Berlim constatou ainda que os comerciantes projetaram para cima a distância que os clientes percorrem para visitar seus estabelecimentos. Através dos questionários, os pesquisadores averiguaram que 51,2% dos consumidores viviam a menos de um quilômetro da via comercial e que os empresários acreditavam que esse indicador era de apenas 12,6%. Entre os 2.019 compradores interceptados na Kottbusser Damm e na Hermannstrasse, 73% já havia consumido em uma das ruas e os demais pretendiam fazer compras, “mesmo que esse não tenha sido o principal motivo de irem até o lugar”.

Uma das perguntas direcionadas ao grupo dos clientes era o quanto gastaram nos negócios locais até o momento da entrevista. Nesse contexto, os autores do estudo fazem uma ressalva que os valores reais devem ser mais altos que os identificados, uma vez que muitas pessoas continuaram consumindo após a conversa. Apesar de verificarem que os motoristas deixaram, em média, 23,45 euros nas lojas dessas áreas enquanto os ciclistas gastaram 11,98 euros e os pedestres, 11,63 euros, quem dirige relatou visitar com menos frequência as vias de comércio do que aqueles que usam outros meios de transporte. Além disso, Schneidemesser e Betzien complementam que os condutores representam somente 6,58% da amostragem.

Para contemplar um cenário mais amplo no que se trata da receita por modal, os pesquisadores estimaram um gasto semanal que foi fundamentado na quantidade de vezes que os entrevistados informaram que iam até os estabelecimentos das ruas analisadas. “Isso pressupõe que o comportamento de compras será, em geral, replicado a cada viagem à via”, explicam. Nesse caso, os resultados revelaram que os motoristas são responsáveis pela menor porção da receita (8,7%) em comparação aos pedestres (61%), aos usuários de transporte público (16,5%) e aos ciclistas (13,5%). “Ou seja, mesmo gastando menos da metade que os condutores por visita (ao comércio), a maior proporção de pessoas que optaram por caminhar, pedalar ou ir de ônibus, metrô ou trem até as lojas combinada a maior frequência de viagens significa que esses modos (de transporte) contribuem com a grande maioria da receita total (91%)”, detalha o levantamento.

Qualificação e diversificação da mobilidade urbana trazem vantagens para as cidades e negócios locais


Na conclusão de sua pesquisa, Schneidemesser e Betzien argumentam que as informações obtidas estão de acordo com o ainda “pequeno, mas crescente corpo de literatura que indica que a melhoria da infraestrutura ativa pode beneficiar o comércio de rua”. Eles também salientam que o estudo foi desenvolvido durante a pandemia de coronavírus, o que trouxe um panorama excepcional para a condução dos trabalhos e que levantamentos adicionais em outros contextos, tempo de duração da coleta de dados e localidades auxiliariam a criar uma base de evidência sobre o assunto mais ampla.

Na mesma linha de analisar o impacto da mobilidade nos negócios presentes em vias urbanas, o Yelp – aplicativo de recomendações de bares, cafés e restaurantes – investigou o comportamento das pessoas no período de maior restrição imposta pela Covid-19 em relação aos estabelecimentos que ficam em ruas fechadas aos veículos nos Estados Unidos, como salienta reportagem da Bloomberg. A pesquisa abrangeu restaurantes em Little Italy em Boston, Mission District em São Francisco, West Fulton Market em Chicago, a 8th Street no Centro de Boise e San Fernando Boulevard em Burbank, todos instalados em lugares com programas para bloquear o acesso de carros em 2020.

O app mediu o interesse dos usuários pelos empreendimentos desses locais antes e durante a pandemia – quando governos municipais permitiram que determinadas vias ficassem exclusivas para pedestres e ciclistas. A equipe do Yelp descobriu que estabelecimentos em regiões sem automóveis foram mais buscados pelos consumidores que outros em pontos abertos aos veículos. Os dados foram levantados a partir da quantidade de visualizações, fotos compartilhadas e avaliações nas listagens do aplicativo. A Valencia Street, em São Francisco, exemplifica a matéria, registrou uma elevação de 18% na procura por seus restaurantes nos dias em que era fechada aos carros (quatro noites por semana, entre julho e dezembro do ano passado) em comparação a todos os demais negócios desse setor na cidade.

Os resultados do Yelp refletem também a apuração feita pelo Prospect Heights Neighborhood Development Council sobre o projeto Open Streets (Ruas Abertas) de Nova York, instituído para ajudar economicamente os empreendimentos da área alimentícia na pandemia e disponibilizar ambientes mais seguros para a convivência. Estudos como esses reforçam os efeitos positivos para os comerciantes das alterações na mobilidade, com expansão dos espaços para as pessoas e ciclistas e redução dos estacionamentos para os automóveis. “As ruas fechadas são um destino em si e há diversos casos de sucesso no Brasil, como em Curitiba (PR), Maceió (Alagoas), São Paulo (SP) e Gramado (RS)”, assinala o empresário do ramo imobiliário Felipe Cavalcante, diretor da Matx Academy e coordenador do Movimento Somos Cidade.

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