A construção de programas habitacionais longe dos centros é criticada por todos, mas nem esquerda, nem direita conseguiram resolver esse problema. Entenda porquê.
“Poucas coisas são mais unânimes na discussão sobre o desenvolvimento urbano brasileiro de que os empreendimentos econômicos, programas habitacionais e de habitação social, como o Minha Casa Minha Vida, deveriam ser construídos mais próximos dos centros urbanos.
A localização desses empreendimentos nas periferias das cidades e em zonas de expansão urbana aumenta os gastos com infraestrutura urbana e não utiliza a que já está instalada. Além disso, submete os seus moradores a longas jornadas até os centros geradores de emprego e das opções de lazer, prejudicando a qualidade de vida deles.
O problema é que já tivemos todo tipo de governo, de esquerda e de direita, ditadura e democracia, e além do problema não ter sido resolvido, todos adotam a mesma solução: a construção de empreendimentos em larga escala e com baixa densidade nas franjas da cidade.
Será que todos os milhares de políticos e técnicos que já passaram pelos governos municipais, estaduais e federal nos últimos cinquenta anos não sabem que é ruim para os moradores e para as cidades construir empreendimentos longe dos centros urbanos? Será que eles nunca leram as constantes críticas e estudos sobre o assunto?
Não e não. A resposta é muito mais prosaica: existe uma decisão política de construir a maior quantidade possível de moradias para a população. E para isso acontecer é preciso que elas sejam o mais barata possível. E para elas serem o mais barata possível, é preciso economizar no seu maior insumo, os terrenos.
Uma das razões para se querer construir mais moradias é que isso beneficiará mais pessoas. Justo, muito justo. Não tem como ser contra isso.
A segunda razão é menos elevada: a métrica utilizada para medir o desempenho dos governantes é a quantidade de unidades construídas e não a sua qualidade ou a sua proximidade dos centros urbanos. Nenhum político quer construir menos moradias do que seus concorrentes. Todos batem no peito orgulhosos dizendo que possibilitaram a construção de X ou Y unidades.
A terceira resposta é que beneficiando mais pessoas, os políticos terão mais votos. A construção de casas populares é uma das mais antigas e eficazes políticas de conquista de votos por parte dos políticos.
Além disso, não são só os políticos que saem lucrando com essa priorização da quantidade de casas em vez de sua localização. As pessoas beneficiadas também ficam satisfeitas. Elas precisam dessas casas, mesmo que não estejam localizadas no centro ou nos melhores bairros da cidade.
Mesmo os movimentos sociais também têm interesse em atender a maior quantidade possível de pessoas.
Os únicos que reclamam disso são os teóricos, estudiosos das cidades. Como sempre, são críticos a tudo o que é realizado. Sem a obrigação de colocar suas teorias em prática, acostumam-se a viver de apontar o dedo para quem faz alguma coisa e para querer sempre soluções ideais.
Eu mesmo sou um grande crítico do distanciamento dos empreendimentos dos centros urbanos. Claro que eu gostaria muito que as pessoas morassem mais perto do trabalho e do lazer e que não precisassem passar tanto tempo se deslocando.
Por isso, uma das minhas lutas é pelo adensamento das cidades, para que sejam mais compactas e menos horizontais. É claro que se as cidades fossem assim, teríamos as pessoas morando mais próximas das centralidades e, quem sabe, os críticos estariam mais satisfeitos.
O problema aqui é que esses mesmo críticos são ferrenhos adversários de qualquer iniciativa prática de adensamento urbano. Eles são contrários à verticalização, a potenciais construtivos elevados e à alta taxa de ocupação dos terrenos, para citar alguns exemplos.
Combatendo o adensamento, eles estão empurrando a população mais desfavorecidas para as franjas da cidade e ainda têm a coragem de criticar o Poder Público por financiar os empreendimentos nesses locais.
Outro aspecto que me incomoda é que enquanto os críticos se preocupam com todos os defeitos dos empreendimentos populares, eles se esquecem de perguntar aos beneficiados qual é a opinião deles. Eles esquecem que para essas pessoas a conquista da casa própria é a maior realização de suas vidas e que essas moradias via de regra são muito melhores de que as que elas viviam antes, além de pertencerem a elas e ser um marco em suas vidas. Não sei se já existe, mas seria muito interessante a realização de uma pesquisa de satisfação por parte dos beneficiados desses programas e depois compará-la com a percepção dos críticos…
Uma das coisas que faltam aos críticos dos programas habitacionais é comparecer a uma cerimônia de entrega de unidades aos seus moradores. Eles precisam ver a emoção dessas pessoas ao receber as chaves de suas casas próprias. Talvez eles parassem de tratar os empreendimentos habitacionais como grandes chagas urbanas.
Mas essa não é a única crítica aos programas de habitação popular, como o Minha Casa Minha Vida, que foi atacado por não ser um programa habitacional, mas sim um programa anticíclico, pela violência, pela exposição das crianças, por ser depósitos de gente, pela padronização das casas, pela guetificação dos condomínios fechados, pelo fato dos beneficiados passarem a arcar com os custos de energia, água, IPTU e taxa condominial, entre outras coisas.
Não vejo qual é o problema de ter sido um programa anticíclico e de ter ajudado a economia, além de ter construído mais de 5 milhões de unidades. Esses críticos acham que o melhor seria não fazer nada para que o programa não ajudasse a economia? É isso?
Já a violência e a exposição das crianças são fatos, não apenas nesses empreendimentos, mas em todo o Brasil, especialmente em regiões mais vulneráveis. Os críticos falam como se isso só acontecesse somente nesses locais e que do resto da cidade, e em especial dos lugares de onde essas pessoas vieram, não existisse isso. Na verdade, existe um esforço adicional enorme do poder público em termos de assistência social em todos os novos empreendimentos habitacionais.
Já a “guetificação” causada pelo fechamento do acesso a vários desses empreendimentos, é visto como uma demanda e uma vitória por parte dos moradores, exatamente em função da violência abordada no parágrafo anterior. Certo ou errado em termos urbanísticos, o fato é que as pessoas percebem isso como positivo para o aumento de sua segurança. E essa percepção não é monopólio apenas das classes mais abastadas.
Quanto ao fato das casas serem padronizadas, mais uma vez retomamos ao debate de quanto o poder público quer gastar nesses empreendimentos. É simples: se querem construções baratas, elas precisam ser padronizadas, uma linha de montagem. As construtoras vão fazer o que for demandado e pago pelo Governo.
Sobre ser depósito de gente, eu acho o termo um grande preconceito contra as pessoas beneficiadas e uma demonstração da distância entre a realidade dos teóricos e da vida dessas pessoas. É logico que todo mundo quer o melhor, mas será que o que os beneficiados pelos programas de habitação acham os empreendimentos tão ruins como os “especialistas”, que os medem pelos seus próprios critérios de classe média alta? Será que se fossem tão ruins assim, as pessoas estariam querendo tanto morar nesses empreendimentos?
Quanto ao fato de que as pessoas beneficiadas passam a ter que pagar conta de água, energia, IPTU e, algumas vezes, taxa de condomínio, chega a ser engraçado. Então não é para dar moradia digna para as pessoas porque elas vão ter que ter esses gastos?
As acusações também abundam para os lados das construtoras, com afirmações de que o MCMV foi um programa para atender os interesses capitalistas, que teve a participação das empresas em sua elaboração, que gera lucro para as construtoras e que essas são responsáveis pela escolha dos terrenos.
Pois para mim essa poderia ser a lista de alguns dos fatores que tornaram o programa um sucesso. Se não fosse capitalista e não houvesse lucro para as empresas, teríamos o governo fazendo tudo, com a habitual competência, velocidade, foco nos custos e satisfação dos clientes que conhecemos do Poder Público.
Felizmente, Lula e Dilma ouviram o setor produtivo quando da elaboração do Minha Casa Minha Vida. Graças a isso, o programa foi o sucesso que foi, com as empresas tendo aderido em massa. A receita para o fracasso de qualquer plano é haver um iluminado definindo tudo do seu pedestal, geralmente com forte viés ideológico, sem ouvir os atores que entendem do assunto e que irão efetivamente tocá-lo na prática, como a própria Caixa fez com seus programas de financiamento de lotes.
Quanto à escolha dos terrenos pela construtora, é uma meia verdade. As construtoras realmente escolhem os terrenos onde vão empreender, mas o fazem dentro de diretrizes definidas pelo Governo que incluem preço e infraestrutura ao redor, por exemplo. Além disso, a Caixa Econômica Federal faz a análise e avaliação rigorosas dos mesmos, inclusive com peritos externos.
E o pior é que enquanto as construtoras são atacadas como responsáveis pelos problemas dos programas habitacionais, elas lutam para lidar com os seus inúmeros obstáculos. A todo momento vemos construtoras quebrarem por atrasos de pagamentos e mudanças unilaterais de regulamentos.
O atraso de anos em ajustar os preços de vendas, a falta de ajuste nos preços quando a inflação dispara e a eterna mania do poder público de contratar obras mesmo quando não tem todo o recurso disponível são alguns dos exemplos que me veem à cabeça.
Isso tudo se reflete na enorme quantidade de construtoras ansiosas por encontrar uma maneira de depender menos desses programas habitacionais e pela grande quantidade de empresas que se recusam a construir nesse segmento.
Um outro ponto frequentemente ignorado é que enquanto as construtoras detêm toda a responsabilidade e trabalho do desenvolvimento dos empreendimentos, elas geralmente têm um lucro igual ou até menor do que os donos de terrenos. Tidas como inimigas, as empresas lutam para conseguir ter 10% de lucro, o que só acontece quando os astros estão alinhados, o que quase nunca acontece. Enquanto isso, a maioria dos terrenos representam entre 8 a 12% do VGV da obra. Justo ou injusto, isso é algo que cabe a cada empresa decidir, mas é importante trazer essa característica à luz para que as pessoas entendam que não são as empresas quem ganham mais com esses empreendimentos, especialmente quando consideramos todos os riscos e esforços envolvidos.
Uma crítica que eu tenho em particular aos empreendimentos populares se refere à baixa qualidade dos seus projetos urbanísticos e do seu ambiente urbano. Os empreendimentos habitacionais populares sempre foram incentivados a ser monofuncionais, com muitas vezes o Governo proibindo comércio neles. Conceitos como uso misto e fachada ativa, apara citar dois, são ignorados nos empreendimentos habitacionais, gerando aquela sensação de espaço urbano estéril.
A ênfase do Poder Público sempre foi na melhoria do espaço privado, as casas e apartamentos, e não do espaço público. E seria tão fácil e barato aplicar as melhores práticas internacionais do urbanismo nesses empreendimentos. Não sei porque isso não é feito.
Apesar de todos os problemas dos programas habitacionais existe uma qualidade que não vejo sendo realçada: a seriedade da Caixa Econômica Federal e seus funcionários. Depois de milhões de moradias financiadas nos últimos anos são raríssimos (eu particularmente não conheço nenhum) caso de corrupção envolvendo programas como o Minha Casa Minha Vida.
Isso mesmo. Em um País corrupto como o nosso, existe uma ilha de excelência e honestidade no Poder Público. Eu já ouvi muitas críticas à Caixa Econômica Federal, mas nunca ouvi algum empresário dizer que seus funcionários eram corruptos. Isso é um grande feito, que merece ser reconhecido e exaltado.
A seriedade da Caixa se aplica ainda ao criterioso processo de avaliação das construtoras, dos terrenos e dos empreendimentos. Não é qualquer empresa que passa nessa peneira, ao contrário do que alguns críticos acham, de que haveria uma grande conspiração entre agentes públicos e privados.
E o rigor não para na análise, mas também se aplica à construção e ao pós-obra, havendo diversos mecanismos de acompanhamento e rating para as empresas, inclusive de qualidade construtiva e atendimento pós-obra. Poucas pessoas de fora desse sistema sabem disso.
O fato é que a Caixa Econômica Federal aprendeu muito nas últimas décadas, sendo responsável pela análise, acompanhamento e gestão de milhões de moradias e isso é um patrimônio que deve ser resguardado, inclusive contra políticos ávidos por se aproveitar se sua capilaridade e impacto na vida dos brasileiros
Por tudo isso que eu falei, tenho certeza de que o Minha Casa Minha Vida foi um grande sucesso. Se ainda hoje temos um enorme déficit habitacional, imaginem como ele estaria sem o programa. A própria quantidade de unidades construída grita demonstrando o seu sucesso, apesar da energia negativa advinda de alguns críticos, que insistem em sempre apontar para o copo meio vazio.
Vejo muitas críticas e estudos sendo realizados para apontar críticas ao que foi feito e praticamente nenhum desses autores indicando qual seria o modelo que resolveria os problemas apontados por eles e que tivesse viabilidade técnica e orçamentária.
Gostaria de saber qual seria a decisão desses críticos caso passassem a ocupar a posição real de tomador de decisão: construiriam 100.000 unidades mais afastadas do centro e nas especificações atuais ou construiriam apenas 50.000 unidades com maior qualidade e mais bem localizadas, deixando 50.000 famílias morando na situação vulnerável em que se encontram atualmente?
Eu confesso que essa é uma questão que nem eu mesmo sei responder. O meu lado teórico e “urbanista” grita pela segunda opção, enquanto o meu lado humano tende à primeira.
Essa é questão central para a discussão sobre o futuro da política habitacional brasileira. Mais ou melhor, esse é o dilema.
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