Águeda Muniz, referência nacional em planejamento urbano e gestão pública, fala dos seus planos de futuro e explica como conseguiu desburocratizar o licenciamento urbano e ambiental em Fortaleza
Arquiteta e urbanista de formação, Maria Águeda Pontes Caminha Muniz é referência nacional em gestão urbana. Em Fortaleza, à frente da Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, ela provou que é possível garantir eficiência à gestão pública e implementar instrumentos urbanísticos inovadores em benefício do desenvolvimento das cidades. “Nosso propósito foi transformar Fortaleza em uma cidade de oportunidades para todos”, diz.
Águeda Muniz, como é conhecida, sempre direcionou suas pesquisas na área acadêmica para a área de negócios imobiliários/urbanos. “Especialmente na área de arranjos públicos e privados e incremento de receita para municípios, assim como a melhoria do ambiente de negócios de uma cidade”, enfatiza. Após uma década de trabalho como consultora em Planejamento Urbano e Projetos Urbanísticos no Ceará, ela passou oito anos vivenciando na prática a complexidade da Administração Pública, como Secretária Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, entre 2013 e 2020.
Na capital cearense, sua gestão foi marcada pela implantação de inovações como a criação de arranjos público-privados, o estabelecimento de zonas especiais para oportunizar atividades econômicas e empreendimentos imobiliários e a implementação de processos de desburocratização, com licenciamento 100% digital, sendo 95% dele declaratório. Para ela, parâmetros urbanísticos e zoneamento não medem a qualidade de vida de uma cidade. “Não podemos exigir que o cidadão pratique a cidadania se a cidade não o abraça, não o acolhe. O excesso de regras massacra o cidadão”, reforça.
Em 2021, de volta à iniciativa privada, assumiu o cargo de CEO da C. Rolim Engenharia, uma das maiores construtoras e incorporadoras do Ceará, e acaba de ingressar no Movimento Somos Cidades. “Minha motivação foi o interesse de fazer parte de um grupo de desenvolvedores urbanos que preza por todos os princípios, pela ética, pela sustentabilidade, pela responsabilidade social, pela responsabilidade de estar propondo ou oportunizando para a cidade um bom produto e para desmitificar essa questão de que o mercado imobiliário é vilão”, afirma.
Águeda Muniz formou-se em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC) em 2000. Possui mestrado e doutorado em Arquitetura e Urbanismo, na área de Urbanização e Políticas Públicas, pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e é especialista em Finanças e Gestão Pública pela UFC. Nos últimos dois anos, tem buscado capacitação em Governança Corporativa, participando de cursos e certificações no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
Nesta entrevista ao Movimento Somos Cidade, ela relata sua experiência na área pública e os desafios e oportunidades do mercado imobiliário – e a relevância desse setor para o desenvolvimento urbano. “O poder público não faz cidade sozinho. Ele precisa do cidadão e precisa do mercado, sim, para proporcionar uma cidade de qualidade”, pontua.
Somos Cidade – Como foi a experiência na área pública?
Águeda Muniz – Eu sempre digo que foi a viagem mais incrível que já realizei (risos). Mas é verdade. Estar com as pessoas, exercitar o diálogo, participar do cotidiano delas e saber que seu trabalho é para fora, é para o cidadão e não para ‘tentar alimentar o monstro do sistema público’. É saber que uma decisão sua pode mudar (para melhor ou para pior) milhares de vidas. E isso é de uma responsabilidade e de um respeito que temos que ter para com o cidadão!
Temos que entender que uma Prefeitura Municipal, na maioria das vezes, é a maior ‘empresa’ de uma cidade. Na Prefeitura de Fortaleza, tínhamos quase 50 mil funcionários, entre servidores de carreira, terceirizados e aposentados; trabalhando para 2,7 milhões de cidadãos, que devem ser reconhecidos como sócios e/ou clientes de uma Prefeitura Municipal, pois é pelo pagamento de tributos, pela prestação de serviços, que a relação cidade-cidadão é realizada. É ele que paga o salário do Prefeito (CEO da Cidade), dos secretários municipais (diretores) e de todo o funcionalismo público.
Digo sempre que quem encara o serviço público, como missão, sabe quão digna é essa profissão. Acordar todos os dias com o propósito daquele dia ser o melhor de todos, de tentar fazer a diferença na vida das pessoas, é a melhor de todas as realizações profissionais.
Somos Cidade – Quais foram as suas principais conquistas na Prefeitura? Quais ações mais lhe orgulham e as que causaram mais impacto na vida da população?
Águeda Muniz – Nosso propósito foi transformar Fortaleza em uma cidade de oportunidades para todos. Como valores de trabalho, nosso time prezou por rigor técnico, cooperação, compromisso, inovação e ética. Algumas das experiências bem-sucedidas que foram desenvolvidas dizem respeito à criação e implantação de arranjos público-privados (operações urbanas consorciadas, outorgas onerosas), criação de zonas especiais para oportunizar atividades econômicas e empreendimentos imobiliários impactando diretamente no emprego e na renda da cidade; processos de desburocratização – Fortaleza Online, plataforma automatizada de licenciamento declaratório, expedido de forma imediata ou em até 30 minutos – 100% do licenciamento é digital – com análise e 95% deste é declaratório; sustentabilidade ambiental e políticas concretas de enfrentamento às mudanças climáticas – com adesão inédita do Banco Mundial como parceiro em um programa de financiamento com investimento total de quase 150 milhões de dólares.
Fortaleza hoje é uma das sete cidades brasileiras preparadas para o 5G. Revisamos todo o marco regulatório e implantamos, dentro do Fortaleza Online, mecanismos de licenciamento declaratórios. Isso permitiu que nossa cidade estivesse pronta. No âmbito da gestão de pessoal, resgatamos o senso de pertencimento do servidor público, o que se reverteu, de forma consistente, em respeito e atenção efetiva ao cidadão, cliente dos nossos serviços e, sócio da municipalidade.
Somos Cidade – Os “entraves” burocráticos costumam estar entre os principais desafios apontados pelos desenvolvedores urbanos para aprovação dos projetos. Você deve ter vivenciado essas questões diretamente na Secretaria, certo? E o que poderia ser feito para melhorar essa relação entre os setores privado e público a favor do desenvolvimento das cidades com a preservação do meio ambiente?
Águeda Muniz – Sim! Diariamente. Tudo tem que começar pelo diálogo. Depois, por desregulamentação – chega de tantas leis!! – , processos e rotinas e tecnologia.
Somos Cidade – Aprofundando na questão da desburocratização, muitas pessoas defendem que não podemos acreditar na autodeclaração da população e dos profissionais no que se refere ao licenciamento de empreendimentos. O que sua experiência diz sobre isso?
Águeda Muniz – Fomos surpreendidos! Logo de início, em 2015, verificamos, que 87% das pessoas falavam a verdade nos processos de licenciamento. Já em 2020, para licenças de construção, 95% dos solicitantes falavam a verdade; e 99% das pessoas prestaram informações verídicas para as licenças de funcionamento. Ninguém quer estar à margem, pois quem está à margem é “marginal”. Vale a pena acreditar nas pessoas.
Somos Cidade – É muito difícil fazer mudanças e adotar modernas ferramentas de gestão no serviço público. Qual foi o seu segredo?
Águeda Muniz – Foi difícil; inclusive, convencer nosso colaborador, que não acreditava. Planejamento: pensamos em tudo, elaboramos plano de ação, dedicamos um responsável, prazos, muita disciplina – não há gestão sem disciplina envolvida e medir cada produto, reanalisar, dialogar com o colaborador – servidor público – e o cidadão. Vontade política: tivemos apoio incondicional do prefeito Roberto Cláudio, autonomia para fazer o que tinha que ser feito. E mais uma vez, o principal: diálogo! Diálogo com todas as partes envolvidas.
Somos Cidade – Na outra ponta, atuando como desenvolvedora urbana, quais os principais desafios que você enfrenta e quais oportunidades de mercado você percebe?
Águeda Muniz – Em nível nacional, é a burocracia, desconfiança – preconceito que se tem com o mercado imobiliário. Os próprios arquitetos e urbanistas e os futuros profissionais que estão ainda nos bancos das faculdades têm uma visão muito preconceituosa em relação ao mercado imobiliário. E, na verdade, eles farão parte do mercado imobiliário. A profissão do arquiteto e urbanista faz parte do mercado imobiliário. E que bom que nós somos arquitetos e urbanistas e podemos contribuir com esse mercado.
O maior desafio é desmitificar a questão de que o mercado imobiliário é um vilão. Ele contribui e faz parte da cidade. Cada vez mais os desenvolvedores de projeto, os desenvolvedores de produto, vêm buscando essa integração do ambiente construído com o ambiente natural, com a sociedade, através da inserção de valores como sustentabilidade, responsabilidade social ou até mesmo impacto social nos seus empreendimentos. Acredito que esse é o maior desafio.
E as oportunidades são sempre de mostrar o quanto é importante e relevante o papel do desenvolvimento imobiliário numa cidade, principalmente do fazer cidade – o poder público não faz cidade sozinho. Ele precisa do cidadão e precisa do mercado, sim, para movimentar e para proporcionar uma cidade de qualidade.
Somos Cidade – O que as cidades brasileiras têm feito de errado e o que precisa ser mudado para termos cidades melhores para as pessoas?
Águeda Muniz – Desregulamentar! Parâmetros urbanísticos e zoneamento não medem a qualidade de vida de uma cidade. Não podemos exigir que o cidadão pratique a cidadania se a cidade não o abraça, não o acolhe. O excesso de regras massacra o cidadão. O que aconteceu em Petrópolis, recentemente, não é falta de planejamento urbano. É excesso de regras, onde as pessoas que mais precisam não conseguem se adequar às “esquizofrênicas” exigências legais a que estamos submetidos.
Somos Cidade – Quais são os elementos que fazem uma cidade ser boa para as pessoas, e não para os automóveis?
Águeda Muniz – O principal é saber que qualquer que seja a cidade ela é um mix de desejos das pessoas. Esse mix de desejos contempla necessidade de ar livre e diversão, acesso fácil a comércio, serviços, trabalho perto de casa ou em casa, moradia de qualidade. E isso é desregulamentar. Não precisamos de parâmetros urbanísticos, nem de zoneamento, precisamos de uma cidade boa para se viver.
Somos Cidade – Você tem uma importante trajetória na área pública. O que a levou a assumir a posição de CEO na C. Rolim Engenharia?
Águeda Muniz – Estive por oito anos na Administração pública, nos dois mandatos do Prefeito Roberto Cláudio (PDT). Acredito que todos devemos passar por essa experiência. Mas digo e repito: tem validade. Então, estava na hora de retornar à iniciativa privada. Queria ter aproveitado 2021 para um sabático, voltar a estudar – sempre é muito bom estar conectado com a inovação.
No entanto, o convite surgiu como uma oportunidade e um e desafio. A empresa faz parte de um grupo que se consolidou pelo trabalho árduo de uma família, que traz valores admiráveis. Um grupo local, da nossa terra, que representa tradição, solidez, respeito às pessoas. A C. Rolim Engenharia, sob a gestão de Pio Rodrigues e sua família, em toda sua trajetória de 45 anos, além de manter integralmente esses princípios, adicionou valores contemporâneos como inovação, sustentabilidade, responsabilidade social, valores esses imprescindíveis para se manter presente no mundo dos negócios, mas, sobretudo, para fazer a diferença na vida das pessoas.
Estou entrando no oitavo mês de C. Rolim Engenharia, e, desde o primeiro dia, junto com consultorias contratadas e a participação do Presidente do Conselho, Pio Rodrigues, e das herdeiras e sócias da empresa, Ticiana Rolim e Isabel Rolim, implantando a gestão executiva e dando suporte à governança corporativa da empresa, ora em implantação.
Somos Cidade – E o que a motivou a ingressar no Movimento Somos Cidade?
Águeda Muniz – Principalmente, fazer parte de um grupo de desenvolvedores urbanos que preza por todos os princípios – pela ética, pela sustentabilidade, pela responsabilidade social, pela responsabilidade de estar propondo ou oportunizando para a cidade um bom produto e para desmitificar essa questão de que o mercado imobiliário é vilão.
Muitas vezes, o que acontece é uma minoria barulhenta que coloca esse tipo de preconceito, de rótulo, quando, na verdade, o mercado imobiliário só tem a contribuir. Fazer parte do Somos Cidade é me juntar a um grupo de pessoas sérias que fazem um trabalho sério em prol das cidades brasileiras. Acredito que isso é o mais importante.
Somos Cidade – Qual a sua expectativa junto ao Somos Cidade?
Águeda Muniz – É a de levar a essa cidade oportunidades, possibilidades de fazer com que a sociedade seja proativa, propositiva, positiva no sentido de identificar as melhores oportunidades de empreendimentos, de divulgar a inovação, divulgar produtos que vão fazer a diferença nas nossas empresas e nas nossas cidades. Sobretudo, o que temos aí para trazer para o Somos Cidade é justamente essa expectativa de juntar a academia – que é algo que o Felipe Cavalcante (coordenador do movimento) sempre defende: de levar para a academia essa nova forma de fazer cidade do mercado imobiliário.
Somos Cidade – Na sua opinião, qual a importância da integração dos grandes players do mercado e quais são os possíveis impactos dessa união ao desenvolvimento urbano do país?
Águeda Muniz – Integrar é extremamente importante. O diálogo é a principal saída; é a melhor forma de realizar um empreendimento, um projeto, de buscar a melhor forma de atingir um objetivo. Acredito que é muito importante essa interação dos players. Estou muito agradecida, especialmente ao Felipe Cavalcante, ao Irineu Guimarães (CEO da BLD Urbanismo), que são pessoas que conhecemos há mais tempo, a todos que estão fazendo o Somos Cidade. É uma satisfação muito grande fazer parte do Somos Cidade.
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