A Fórmula de Adiron foi utilizada pela primeira vez no Plano Diretor de 1972 de São Paulo e influenciou negativamente todo o desenvolvimento urbano brasileiro, gerando edifícios altos, finos e afastados das calçadas

Torres altas e estreitas marcam o skyline de São Paulo (SP) e são facilmente reconhecidas como características da “selva de pedra” da metrópole. Edificados de forma isolada em uma pequena parcela dos lotes, longe das vias públicas e sem relação com o entorno, muitos desses prédios são o resultado de mais de 40 anos de aplicação da Fórmula de Adiron no planejamento urbano do município. Responsável pela criação da primeira Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo da capital paulista em 1972 – a Lei 7.805 –, o arquiteto e urbanista Benjamin Adiron Ribeiro desenvolveu também a ferramenta que leva o seu nome e permite aumentar a área construída dos edifícios à medida que mais espaço livre é deixado no terreno – incentivando a verticalização com pouco adensamento.

O modelo acabou sendo copiado por outras cidades brasileiras que hoje precisam – assim como São Paulo – pensar em novas soluções para adensar diferentes regiões e as tornar mais vibrantes, seguras e voltadas para as pessoas. O mecanismo elaborado por Adiron, que na época era titular da Coordenadoria Geral de Planejamento do município (Cogep), estabeleceu uma “proporção inversa entre coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupação do lote”, como detalha matéria publicada no site Vitruvius. Em uma longa entrevista, o arquiteto e urbanista e mestre em Planejamento Urbano e Regional Jorge Pessoa de Carvalho conversa com Adiron sobre o cenário e os critérios que nortearam o trabalho de zoneamento de toda a capital paulista e a definição da legislação.

Uma das consequências da utilização da Fórmula de Adiron está ligada à altura dos edifícios, que cresceu em grandes proporções, aponta Carvalho. Para obter o coeficiente de aproveitamento máximo, os empreendedores imobiliários precisavam de projetos que usassem a taxa de ocupação mínima. Além de prédios altíssimos e finos, os reflexos foram sentidos na tipologia arquitetônica, na implantação nos terrenos e na relação desses complexos com as demais construções e com a cidade. Outro efeito destacado por ele é que, com o aumento da altura das edificações, as faixas de iluminação e ventilação ficaram muito restritivas, o que levou à instalação dos empreendimentos no centro dos lotes para atender às exigências da lei e do Código de Obras de São Paulo.

O uso do solo foi mais um fator impactado pela Fórmula de Adiron, salienta Carvalho. Ele explica que, depois das normas de zoneamento de 1972, a utilização mista das construções foi sendo reduzida em São Paulo, mesmo nas áreas onde ela é permitida. Isso ocorre porque o piso térreo não pode ter uma taxa de ocupação maior que o restante da edificação para evitar a diminuição do coeficiente de aproveitamento. A combinação desse elemento à implementação do prédio no centro do terreno, afastado da rua, desestimula o uso para o comércio e reduz a diversidade e a vitalidade do município. Carvalho reforça que essa maneira de ocupar a cidade faz com que os edifícios não tenham relação espacial e formal entre si. “A boa qualidade arquitetônica individual de diferentes construções não pode por si só dar boa forma ao tecido urbano”, assinala.

Uma observação feita por ele e que ajuda a entender o contexto em que as regras foram determinadas na década de 1970 é que, naquele momento, as teorias que atualmente orientam o planejamento urbano não estavam totalmente formatadas. A preocupação e oposição de Adiron à criação da Outorga Onerosa também é abordada durante a entrevista. O instrumento, que possibilita que os empreendedores ergam prédios acima do coeficiente de aproveitamento (até o limite máximo) mediante o pagamento para as prefeituras de uma taxa, que tem os recursos revertidos para melhorias na infraestrutura urbana, só foi aprovado na capital paulista pelo Estatuto da Cidade em 2001 e incluído no Plano Diretor em 2002 – apesar de já ter sido empregado em 1995 exclusivamente para a área da Faria Lima.

Legislação buscava normas para ordenar o crescimento de São Paulo

Com cerca de 4 milhões de habitantes nos anos 1970, a cidade vivia um período de expansão “explosiva, brutal”, como define Benjamin Adiron Ribeiro na entrevista feita por Jorge Pessoa de Carvalho. Foi nesse panorama que o especialista em planejamento urbano e funcionário público por mais de 30 anos começou a delinear o que seria a primeira lei de uso do solo e de zoneamento de São Paulo. Adiron conta que a ideia de ter regras para controlar o uso do solo já existia antes de 1972 e que muito do seu trabalho foi baseado na pesquisa realizada, no final da década de 1950, pelo economista e religioso francês Louis-Joseph Lebret, mais conhecido no Brasil como Padre Lebret.

Em seu estudo, Lebret mostrou que havia uma estrutura espontânea de desenvolvimento no município, com a formação de pequenos núcleos urbanos de periferia, em geral, em torno de alguns equipamentos que eram instalados em determinados lugares, como as vendas, que viravam empórios e depois uma padaria e farmácia iam sendo agregadas. A partir dessas centralidades, ou unidades de primeiro grau, como nomeou Lebret, iam surgindo os bairros, “com loteamentos mal-feitos, sistema viário desenhado literalmente na base de régua e esquadro, sem muita preocupação com as curvas de nível de terreno”, como ressalta Adiron.

Essa movimentação foi percebida por Lebret que definiu ainda as unidades de segundo graus (resultado da reunião de várias de primeiro grau e que tinham uma escola pública e um centro com maior concentração de comércio e serviços) e as de terceiro grau, que seriam hoje as subprefeituras da capital paulista. A partir dessa descoberta, o economista dividiu geograficamente a cidade em unidades escalonadas, descreve Adiron. “Esse foi o primeiro produto que nós tivemos de uma análise completa de como estava ocorrendo o uso do solo de São Paulo. Considero esse o documento básico dos estudos de desenvolvimento urbano do nosso município”, enfatiza.

O arquiteto e urbanista comenta também que, para construir a Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo da capital paulista, ele utilizou as informações apuradas por Lebret em conjunto com as atualizações já ocorridas na cidade. “Em urbanismo nunca se inventa nada! Nós temos que pegar o desenvolvimento histórico das coisas e ir verificando como é que a coisa está caminhando e de que forma pode-se continuar”, esclarece. Um dos resultados disso foi o estabelecimento das áreas residenciais, as Zonas 1 (Z1), as de prestação de pequenos serviços que também podiam ser usadas para moradia, as Z2, e as Z3, que são a união de algumas dessas zonas mais um centro de maior importância.

Por sua vez, a Z4 é constituída por um certo número de bairros que têm a mesma vocação. Um exemplo dado é a região de Bom Retiro, especializada em roupas. Já os centros principais e as subprefeituras são identificados como Z5. Essa divisão – que abrange ainda os distritos industriais e as zonas de usos especiais, como a da Cantareira, indo até o Z8 – foi incluída no Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado (PDDI) aprovado em 1971 e, a partir do PDDI, foi elaborada a Lei 7.805/72.

 

Restrições da Fórmula de Adiron reduziram coeficientes de aproveitamento e desestimularam uso misto das edificações


Uma das principais mudanças introduzidas pela legislação de zoneamento de São Paulo foi a diminuição dos coeficientes de aproveitamento em diversas regiões do município, chegando ao máximo de 3,5 para a Z5 – antes da lei o coeficiente de aproveitamento máximo era de 6. “Foi um baque para os investidores da época, para o Secovi, que ficou apavorado”, lembra Adiron, que acrescenta que foi “preciso colocar um pouco de ordem na casa” e que o mercado imobiliário iria se acomodar às novas regras e o impacto seria apenas inicial. Ele frisa que as normas precisavam ser restritivas naquele momento por causa do crescimento exponencial e desordenado da capital paulista.

Sobre a criação da fórmula que leva o seu nome, ele relata que a relação feita entre coeficiente de aproveitamento e taxa de ocupação, além de organizar o desenvolvimento da cidade, visava melhorar as condições de insolação e ventilação dos prédios e de seus imóveis deixando um espaço vazio maior no entorno da edificação. Segundo Adiron, as vantagens dessa ferramenta envolviam a possibilidade de elaborar projetos “mais limpos e de melhor padrão arquitetônico”, redução da insalubridade com o aumento dos recuos exigidos e mais áreas de infiltração para as águas pluviais nas construções. Ao longo da entrevista, ele defende que o mecanismo influenciou a conformação física dos prédios de São Paulo e que a atual Avenida Paulista é uma consequência das modificações introduzidas.

“Antes da fórmula, os empreendimentos na Avenida Paulista eram em ‘escadinha’, era porcaria, encostando nos dois lados do lote, ocupando o máximo que podiam do terreno. Depois do mecanismo, eles passaram a ser mais bem feitos, com uma qualidade maior em termos de salubridade e de projeto arquitetônico”, pondera. Já o arquiteto e urbanista Jorge Pessoa de Carvalho afirma que a taxa de ocupação dos terrenos é a sua principal crítica ao instrumento. “Como os edifícios foram parar lá no meio do lote (por causa das restrições de iluminação e ventilação) e o piso térreo não podia ultrapassar a projeção (taxa de ocupação) do pavimento tipo (padrão), porque se não aumentaria a projeção do complexo e abaixaria o coeficiente (de aproveitamento), os térreos ficaram contidos na projeção”, avalia. E isso, para ele, desestimulou o uso misto das edificações porque elas ficaram longe das calçadas e das pessoas.

Carvalho aponta que a fórmula criou bolsões residenciais e que, mesmo nas zonas onde é permitido o uso misto, o que traria uma vida urbana mais interessante para o município, com mais gente na rua e uma permeabilidade dos pisos térreos, isso não acontece mais. Adiron recorda que o trabalho foi efetuado dentro de uma estrutura que tinha como característica principal a proposta ordenada de unidades urbanas escalonadas e que sem as imposições da primeira lei de zoneamento, o comércio e os serviços seriam dispersados pela capital paulista, fugindo do padrão de crescimento idealizado.

Outro ponto destacado por ele é que a ideia era que a legislação fosse dinâmica e que as melhorias e atualizações necessárias fossem concretizadas de maneira ágil – o que acabou não ocorrendo. A Fórmula de Adiron esteve na lei até a aprovação do Plano Diretor de São Paulo em 2014, que trouxe alterações para aproximar os moradores dos empregos. Já na Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo da capital paulista, sancionada em 2016, foi autorizada a verticalização e densificação das áreas onde ficam os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana – localizados perto dos corredores de ônibus.

Seja o primeiro a receber as próximas novidades!

    Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.