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O aumento da oferta de moradias entrou na pauta política americana e tem sido defendido por conservadores e progressistas como forma de reduzir os custos dos imóveis

Solucionar a escassez de residências acessíveis, um dos problemas críticos da infraestrutura dos Estados Unidos (EUA) e de diferentes países pelo mundo, é fundamental para se ter uma economia forte. Sem a disponibilidade de unidades populares, mais famílias ficam presas a subempregos e não conseguem gerar riqueza e as empresas perdem competitividade por não encontrarem os profissionais que precisam. Esse cenário é descrito por Jim Parrott e Mark Zandi em artigo para a CNN, que revela ainda que há, atualmente, menos oferta de propriedades para aluguel ou venda nas cidades norte-americanas do que nos últimos 30 anos.

Para recuperar o déficit habitacional do país seria preciso dobrar a produção de novos imóveis em 2021, calculam Parrott – que é integrante do Urban Institute e foi consultor sênior da equipe de Barack Obama para questões de moradia – e Zandi, que é economista-chefe da Moody’s Analytics. No entanto, em vez disso, foram edificadas 100 mil unidades a menos que o necessário. O resultado é a elevação dos preços para a compra ou locação de residências, que subiram 13% apenas em 2020. “Os valores mais altos estão colocando a casa própria fora do alcance de mais famílias. Hoje, menos da metade dos hispânicos (nos Estados Unidos) são donos das propriedades onde vivem e em torno de dois em cada cinco negros têm a sua (habitação), um nível não visto há décadas”, afirmam.

A falta de moradias acessíveis força também essas pessoas a se afastarem de bons trabalhos e das regiões mais centrais dos municípios, que concentram serviços, comércio, lazer e opções de transporte coletivo. Parrott e Zandi estimam que a escassez de residências custa à economia do país aproximadamente 200 bilhões de dólares a cada ano – cerca de 1% do PIB anual norte-americano –, isso sem considerar os custos ambientais causados pelos deslocamentos mais longos. Diante desse panorama, até mesmo políticos da esquerda progressista estão revendo seu posicionamento sobre os conceitos de oferta e demanda de novos imóveis.

Associada ao pensamento de direita, a economia pelo “lado da oferta” começa a ser reavaliada por democratas como um caminho para resolver o déficit habitacional (em conjunto com outras políticas de subsídio e financiamento), como analisa o jornalista e comentarista político do New York Times, Ezra Klein, em artigo. Essa corrente econômica estuda os impactos da diminuição dos encargos tributários sobre a inflação, empregos, produtividade, entre outros índices, e defende que os consumidores são beneficiados quando há maior disponibilidade de bens e serviços a preços menores.

Klein reforça que os progressistas sempre estiveram ao “lado da demanda” e que, geralmente, não estão “interessados na criação dos bens e serviços que querem para todos. Isso gera um problema e se perde uma oportunidade”, aponta. Segundo ele, a dificuldade é que, quando se subsidia o custo de algo que não é suficiente – como as moradias – os preços sobem ou são racionados. Além disso, desperdiça-se a chance de trazer tecnologias do futuro para o presente. E para que isso aconteça, destaca o jornalista, é preciso um movimento que leve a inovação tão a sério como se tem considerado a acessibilidade.

Os limites na oferta em todos os setores (habitação, saúde, educação e cuidados infantis, por exemplo) estão relacionados, conforme Klein, às barreiras impostas para se ter uma maior disponibilidade de bens ou serviços. No caso das residências, ele ressalta que as leis de zoneamento são obstáculos para a construção de mais imóveis. Essa conjuntura econômica, política e social tem feito com que democratas passem a “levar a sério” as preocupações do lado da oferta de moradias, salienta o jornalista. Para ele, os progressistas já falavam, há mais de dez anos, em tornar as propriedades acessíveis, porém não tratavam muito sobre o aumento da disponibilidade de unidades. “Agora, eles fazem isso; é um avanço”, frisa.

Plano de infraestrutura de Biden prevê a edificação de 2 milhões de habitações populares

Um indicativo da mudança na postura dos democratas no campo da oferta de moradias é o projeto de investimentos do governo de Joe Biden, que – entre outras iniciativas – propôs um aumento expressivo no estoque de residências, principalmente a partir do incentivo para que as administrações locais acabem com as legislações de zoneamento de exclusão, como fez a Califórnia em 2021, exemplifica o jornalista Ezra Klein. Dentro do plano de 2,3 trilhões de dólares para qualificar os sistemas de transporte, de energia e de abastecimento de água, abrir novas frentes de trabalho, ampliar o acesso à Internet rápida, melhorar escolas e hospitais e fomentar a área de Pesquisa e Desenvolvimento dos Estados Unidos, estão previstos mais de 300 bilhões de dólares para construir ou preservar em torno de 2 milhões de imóveis acessíveis nos próximos anos, recordam Parrott e Zandi.

De acordo com eles, isso será possível por meio da expansão de créditos fiscais, programas de subsídios, parcerias público-privadas (PPP) e outros gastos diretos. Apesar de proporcionar melhorias, um dos pontos fracos da ação na área habitacional é, na opinião dos autores do artigo da CNN, o “esforço modesto” para impedir que as regras de uso do solo excludentes e as restrições para novas edificações continuem existindo.

Depois de meses de elevação dos preços e da escassez de moradias, Biden anunciou, em setembro do ano passado, outras medidas para reverter o atual contexto. Segundo material divulgado para a imprensa pela Casa Branca, serão criadas ou mantidas aproximadamente 100 mil residências a valores populares nos próximos três anos, tanto para aluguel como para venda, com ênfase no atendimento de pessoas de média e baixa renda. Para alcançar esse objetivo, serão reforçadas parcerias com agências de financiamento e incrementadas as ofertas de imóveis pré-fabricados de duas a quatro unidades, que são mais em conta para a população com menos recursos.

A iniciativa facilita também a aquisição de casas unifamiliares para compradores de primeira viagem e organizações sem fins lucrativos, limitando a venda para grandes investidores de determinadas propriedades seguradas pela Federal Housing Administration (FHA) ou que pertencem ao Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD, da sigla em inglês). Além disso, busca impulsionar a disponibilidade de mais moradias de aluguel de qualidade e acessíveis através do relançamento da parceria entre o Banco Federal de Financiamento do Tesouro e o Programa de Compartilhamento de Riscos do HUD para preparar órgãos estaduais de financiamento habitacional para liberar recursos para o desenvolvimento de residências populares a baixo custo. Para saber mais sobre o plano do governo Biden, clique aqui e confira reportagem que produzimos sobre o assunto.

Califórnia acaba com zoneamento unifamiliar

Conhecida tanto pela paisagem pontuada por praias e fileiras de casas únicas instaladas em terrenos com jardins como pelo custo muito elevado das moradias, a Califórnia aprovou, em setembro de 2021, o fim do zoneamento unifamiliar (que permitia apenas uma habitação por parcela de terra) em todo o estado, detalha matéria do New York Times. Pelas novas regras assinadas pelo governador Gavin Newsom, poderão ser construídas até quatro residências (dois duplex ou duas casas com unidades anexas) na maioria dos bairros da Califórnia, inclusive em lugares onde os apartamentos eram proibidos há muitos anos.

Os municípios só poderão vetar esse tipo de projeto quando for identificada ameaça à saúde e à segurança. Além disso, distritos históricos e zonas de risco de incêndio não estão incluídos nas mudanças e há na lei um item que determina que o desenvolvedor more no local por, pelo menos, três anos para diminuir a compra especulativa, acrescenta a reportagem do Califórnia City News. A medida pode levar à edificação de 714 mil propriedades novas em todo o território nos próximos anos, conforme projeção do Terner Center for Housing Innovation da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Ainda de acordo com o Califórnia City News, os defensores da ação assinalam que ela reduzirá os valores altíssimos da moradia em toda a região através do aumento da oferta – segundo a Associação dos Corretores de Imóveis da Califórnia, o preço médio de venda no estado para uma casa unifamiliar era de 811 mil dólares em julho de 2021. “Alguns apontam para a história racista por trás do chamado zoneamento de exclusão”, relata o jornal. Matéria do Los Angeles Times complementa que os envolvidos nas recentes alterações afirmam que o zoneamento unifamiliar é uma “relíquia de um passado que não é mais justificável. Originou-se na cidade de Berkeley, há um século, como uma prática segregacionista para impedir que um salão de dança de propriedade de negros se localizasse perto de uma subdivisão exclusiva de brancos”.

Os críticos da modificação – mais de 200 municípios se opuseram ao projeto de lei – enfatizam que ela não traz limites de valores ou outras garantias de acessibilidade, informa o Califórnia City News. As preocupações abrangem também a possibilidade de destruição ou descaracterização dos bairros unifamiliares, redução do preço das habitações e incapacidade da infraestrutura atual para atender às novas construções. Prefeitos reclamam ainda que a tomada de decisão sobre as cidades foi retirada de suas mãos. No entanto, o LA Times destaca que os governos locais podem impor padrões de segurança e regular a aparência das unidades e, até determinado ponto, a sua colocação em um lote. “Eles não podem, no entanto, exigir mais de uma vaga para veículos na rua por moradia ou qualquer estacionamento fora da via se as residências estiverem a menos de 800 metros do transporte público”, descreve o jornal.

Outra alteração na legislação foi a diminuição das normas ambientais sobre imóveis multifamiliares. Isso possibilitará que as administrações municipais alterem suas regras de zoneamento mais rápido para autorizar conjuntos de apartamentos com até dez unidades, se eles estiverem em áreas bem atendidas pelo transporte público ou em regiões já com uso habitacional.

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