Adensamento urbano

As Moradias médias têm ganhado espaço como uma solução para o aumento da oferta de imóveis e oportunidade para pequenos incorporadores

Ainda pouco debatida e difundida no Brasil, a construção de habitações de porte médio vem se mostrando uma alternativa para disponibilizar uma quantidade maior de unidades no mercado com diferentes formatos e preços mais acessíveis, atendendo a um público diversificado em idade e renda. Nos Estados Unidos, onde hoje mais de 75% das áreas urbanas são definidas como zonas residenciais unifamiliares de uso exclusivo – uma herança de políticas do começo do século 20 que continuam a promover a segregação social e racial no país, como ressalta artigo da arquiteta e urbanista Kaley Overstreet no ArchDaily –, o assunto tem levado muitos estados e municípios a reverem suas leis de zoneamento e a abrirem espaço para esse tipo de edificação.

Desde 2010, o conceito de Missing Middle Housing (Casas Médias Desaparecidas, em tradução livre), criado pelo fundador da Opticos Design, o arquiteto e urbanista Daniel Parolek, ganha mais destaque entre planejadores das cidades, desenvolvedores imobiliários e políticos norte-americanos como uma solução para diminuir a crescente escassez de moradias na nação. O movimento desencadeado por Parolek defende a instalação de prédios e chalés compatíveis em escala e design com propriedades unifamiliares – com dois a quatro andares e vários apartamentos – em bairros caminháveis, com comércio, serviços e próximos ao transporte público, como revela projeção feita no site da iniciativa.

O nome é tanto uma referência aos edifícios que eram construídos nos Estados Unidos até meados da década de 1940 e que, nesse momento, são ilegais pelas regras urbanas da maioria das localidades como uma representação de um ponto intermediário entre as casas unifamiliares e os grandes prédios. O Missing Middle Housing é visto por seus apoiadores como uma maneira de ajudar a resolver o descompasso entre o estoque de imóveis no país e a mudança demográfica e o aumento da demanda por lugares que sejam mais caminháveis e sustentáveis.

Até 2025, estima a plataforma de Parolek, 85% dos lares norte-americanos não terão crianças, uma vez que a geração dos millennials (nascidos entre 1981 e 1996) escolhe casar mais tarde e ter menos filhos, e mais de 30% das famílias serão compostas por uma única pessoa – grande parte delas formadas por mulheres ou idosos. Essas transformações comportamentais influenciam diretamente o modo como os indivíduos moram e buscam suas habitações. E a procura passa a ser focada em unidades menores, mais baratas, seguras e localizadas perto de comodidades que facilitem o dia a dia, dispensem a utilização do carro e incentivem o convívio comunitário.

Tecnológicos e com o desejo de ter um estilo de vida móvel e acessível, os millennials estão dispostos a trocar espaço por deslocamentos mais curtos, bairros de uso misto e áreas abertas que possibilitem a interação. Já os baby boomers (nascidos entre 1946 e 1964) querem ficar perto de suas comunidades, mas sem precisar cuidar de uma residência grande ou depender de parentes para se locomoverem. Estudo realizado pelo Missing Middle Housing apurou que 75% dos millennials ouvidos e cerca de 33% dos boomers preferem morar em um lugar onde tudo o que necessitam está ao alcance de uma caminhada. As tendências do mercado imobiliário verificadas pelo movimento mostram um panorama favorável para a disseminação das edificações médias.

Permitir que as cidades ergam casas e apartamentos menores significa ainda disponibilizar propriedades com custos mais baixos para alugar, comprar e manter, salienta a apresentação da plataforma. Dessa maneira, é possível melhorar a acessibilidade de trabalhadores, solteiros em início de carreira, jovens famílias e idosos à habitação. Mas, para que isso aconteça, indica o Missing Middle Housing, é essencial associar a construção de residências variadas para responder à demanda das múltiplas formações familiares a calçadas adequadas para caminhadas, vias preparadas para as bicicletas e ao transporte coletivo eficiente.

As moradias médias podem ser também o caminho do meio para o Brasil lidar com o problema da falta de imóveis, aponta Felipe Cavalcante, coordenador do movimento Somos Cidade. “Por que não termos prédios com quatro, seis ou oito pavimentos ocupando todo o lote e sem recuos? Como há um preconceito com verticalização no País, as middle houses poderiam ser adotadas aqui, como foi feito em Paris e Barcelona”, reforça. Segundo Cavalcante, isso possibilitaria ainda que pequenos e médios incorporadores conseguissem participar do mercado imobiliário.

 

Edificações médias promovem diversidade nas habitações e no perfil dos residentes

O padrão de densidade média, em geral formado por prédios de três ou quatro pisos, é hoje uma das opções mais eficientes e viáveis para se construir cidades mais acessíveis e equitativas, argumenta Kaley Overstreet em seu artigo no ArchDaily. De acordo com ela, nos bairros com habitações de porte médio há diferentes perfis de moradias, assim como uma grande variedade de serviços públicos, comércio e transporte. “E tudo isso a um passo da porta de casa”, enfatiza. Essas características, em conjunto com os valores mais em conta das unidades, resultam também na diversidade das famílias, o que torna as comunidades mais dinâmicas.

Distintos tipos de Missing Middle Housing são encontrados em áreas de distritos muito procurados de Denver, Cincinnati, Austin e São Francisco (EUA), exemplifica o site do movimento, que traz ainda alguns pontos em comum dessas edificações. O contexto caminhável dos lugares onde as propriedades são implementadas é um deles, com a existência de centros comerciais e de comodidades a uma distância que pode ser percorrida a pé em cerca de dez minutos. Com densidades médias, os edifícios disponibilizam o número de domicílios necessários para que sejam viáveis serviços como escolas, transporte público, restaurantes, cafés e outros.

Oferecer residências menores, bem projetadas e confortáveis é um dos desafios que se apresentam para a expansão das construções médias. Por outro lado, esse tipo de habitação pode ajudar os desenvolvedores imobiliários a manterem seus custos baixos e, com isso, conquistarem um mercado diverso de compradores e locatários que não está sendo atendido. “Moradias menores são muito atraentes para 30% das famílias norte-americanas compostas de uma só pessoa, baby boomers e por cidadãos que optam por essas unidades por questões ambientais”, complementa o texto da plataforma de Daniel Parolek.

Outra particularidade das Missing Middle Housing é que, por estarem em bairros caminháveis, elas precisam de menos vagas de estacionamentos nas edificações e nas vias públicas, o que qualifica o trânsito e impacta positivamente na acessibilidade aos imóveis, que têm seus custos reduzidos e seus lotes melhor aproveitados. Para explicar seu ponto de vista sobre as possibilidades para o crescimento das localidades no futuro e descrever os tipos de casas médias, Parolek lançou, em 2020, o livro Missing Middle Housing: Thing Big and Building Small to Respond to Today´s Housing crisis (Casas Médias Desaparecidas: Pensando grande e construindo pequeno para responder à crise habitacional de hoje, em tradução livre).

Minneapolis e Seattle propõem alterações em suas legislações para permitirem construções variadas

As regras de zoneamento desatualizadas e pouco flexíveis são um dos principais motivos para se ter municípios com moradias cada vez mais caras, analisa Kaley Overstreet. A necessidade de reverter esse cenário e fornecer mais unidades têm feito muitas cidades dos Estados Unidos repensarem suas leis de uso do solo e a investirem em bairros com propriedades médias, como é o caso de Minneapolis (Minnesota). Essa estratégia vem sendo utilizada pela localidade para combater a segregação racial e promover o acesso à habitação digna para todos os seus cidadãos, relata a arquiteta e urbanista.

Segundo Kaley, o governo municipal proibiu recentemente as zonas residenciais unifamiliares de uso exclusivo em todo o seu território. Além disso, o órgão público autorizou que fossem erguidos, nessas mesmas áreas, prédios maiores, com capacidade para abrigar até três famílias, em sintonia com o conceito de Missing Middle Housing. A iniciativa de Minneapolis pode ser, na opinião da profissional, um ótimo exemplo a ser seguido por outras cidades norte-americanas. “Essas novas legislações de zoneamento poderão abrir caminho para uma maneira diferente de se construir localidades. No futuro, não precisaremos mais escolher entre a vida solitária em um bairro suburbano ou em um centro urbano agitado – poderemos finalmente ter as duas coisas”, adianta.

Já no estado de Washington, legisladores estão elaborando um projeto de lei que abrirá a oportunidade para a edificação de diversos tipos de moradias médias, assinala o arquiteto e urbanista Matt Hutchins em artigo publicado, em janeiro deste ano, no Sightline Institute. Mesmo tendo sido desenvolvida para lotes e mercados específicos de Seattle, as normas podem ser empregadas por outros municípios de Washington com demanda similar por imóveis. Chamada de Seattle Six, a iniciativa consiste na liberação para a construção de prédios de três pavimentos, com seis a dez apartamentos e pátios internos, em pontos residenciais já existentes.

Entre as medidas para viabilizar esses empreendimentos, está a redução dos recuos frontais e a permissão para a instalação de alpendres e varandas, conectando as unidades com as ruas e trazendo mais vitalidade para os bairros. Assim como as propriedades idealizadas pelo Missing Middle House, a ação prevê edifícios como os que eram erguidos até os anos 1940, antes das restrições de zoneamento nas cidades dos Estados Unidos. “Por se encaixar bem em distritos de casas isoladas, o Seattle Six pode ficar longe de vias arteriais movimentadas e perto de lugares como parques, escolas e bibliotecas, trazendo mais vida para cada quarteirão”, detalha Hutchins, que atua na Comissão de Planejamento da localidade.

Conforme ele, esse projeto dá suporte para uma diversidade de tamanhos de habitações, convívio multigeracional e movimentação dentro do próprio prédio, com a possibilidade de mudar para espaços menores ou maiores. O arquiteto pondera que em locais como Seattle, que está criando muitos empregos e atraindo um grande número de residentes, edificar muitas casas é essencial. “E o Six é um modelo para que cada bairro faça a sua parte”, salienta. Outra vantagem apontada por ele é viabilizar que seis ou mais famílias dividam o custo das terras caras da cidade, o que reduz os valores das moradias. “Edifícios eficientes e modernos, como o Six, oferecem uma opção de tamanho e preço médios entre casas isoladas ou geminadas e espigões”, compara.

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