Bairros de baixo tráfego

Diminuir a circulação de automóveis em áreas residenciais através da instalação de barreiras, como floreiras, postes e câmeras, é mais uma estratégia que diferentes países estão adotando para reduzir o impacto desses veículos no meio ambiente e no bem-estar da população.

Acalmar o trânsito em regiões residenciais, restringindo o acesso de carros, é a solução que diversas cidades, em especial as da Europa, estão colocando em prática para devolver as ruas para as pessoas e estimular um número cada vez maior de indivíduos a deixarem seus automóveis na garagem e irem a pé ou de bicicleta até destinos que fiquem a curtas distâncias. As Low-Traffic Neighbourhoods (Bairros de Baixo Tráfego) vêm transformando comunidades em lugares mais atrativos, seguros e saudáveis para seus moradores, defende a campanha London Living Streets – um braço da instituição de caridade Living Streets, que promove caminhadas diárias no Reino Unido.

Os bairros de baixo tráfego são formados a partir da implementação de barreiras, como postes de amarração (também conhecidos como frades no Brasil), floreiras e câmeras, em um conjunto de vias internas das localidades. Dessa forma, apenas a entrada e saída de veículos de residentes, de entregas e de serviços de emergência são permitidas nesses pontos, que passam a ser mais utilizados por seus habitantes. Ao retirar os carros do cenário e estabelecer conexões seguras entre as ruas, as comunidades se tornam mais amigáveis para cidadãos de todas as idades, que passam a aproveitar mais os espaços e a conviver com seus vizinhos, aponta a London Living Streets.

Os benefícios das Low-Traffic Neighbourhoods (LTN) vão além da melhora de aspectos relacionados à saúde, como a diminuição da poluição do meio ambiente e sonora – estudos recentes indicam que o barulho dos automóveis pode afetar o coração –, e se refletem em uma vida social diversa e dinâmica. Conforme informações da instituição Living Streets, mais crianças brincando ao ar livre, idosos interagindo com outras gerações e pessoas caminhando ou pedalando pelas vias são vistas nos bairros que fazem essa mudança. Em muitos casos, ocorre ainda uma qualificação do ambiente urbano, com calçadas mais largas e instalação de bancos e vegetação pelos trajetos.

Em Londres (Inglaterra), por exemplo, as LTNs ganharam impulso a partir de 2020 como uma resposta às alterações desencadeadas nas cidades e na rotina dos indivíduos devido à pandemia de coronavírus, destaca relatório do Centre for London – um think tank voltado para desenvolver ações para os principais problemas da capital inglesa. O objetivo com os bairros de baixo tráfego era incentivar os moradores a optarem por meios de locomoção mais sustentáveis que os carros e deixar as ruas mais seguras para as pessoas andarem a pé e de bicicleta.

Apesar de não serem uma novidade em Londres, esse tipo de medida e suas vantagens foram contestadas por muitos motoristas. As preocupações desses usuários, a aceitação dos londrinos e os impactos da iniciativa foram analisadas na pesquisa Street Shift: The Future of Low-Traffic Neighbourhoods (Mudança de Rua: o Futuro dos Bairros de Baixo Tráfego), do Centre for London. Segundo o estudo, as LTNs são eficazes, porém “são somente uma parte da solução para reduzir o uso de automóveis particulares e criar vias mais saudáveis”.

O levantamento recomenda também que, para a maior eficiência da proposta, a comunicação entre residentes e administrações municipais deve ser aperfeiçoada, assim como os projetos de apoio para elevar as viagens ativas e mais verdes (caminhada e ciclismo). Controle de estacionamentos, financiamento para deixar as ruas mais bonitas, definição de um período de carência antes de multar os condutores que não seguem as novas regras dos bairros de baixo tráfego e mais alternativas de mobilidade e qualificação do transporte público foram outras sugestões do relatório.

Mesmo com a resistência de alguns londrinos às LTNs, a pesquisa divulgada em junho deste ano mostra que 47% dos moradores da capital da Inglaterra apoiam esse tipo de comunidade, 16% se opõem a elas e 37% não tem uma opinião sobre o assunto ou o desconhece. Um dado interessante do estudo é que os cidadãos que possuem um veículo são mais propensos a aceitarem a introdução dos bairros de baixo tráfego do que aqueles que não têm, assim como quem vive em áreas dentro das LTNs tende a defender mais a sua disseminação – o que para os autores do levantamento revela que as pessoas passam a gostar desses lugares depois de se familiarizarem com eles.

Contudo, boa parte dos ouvidos para o relatório afirmou não estar convencida de que essa ação diminui o trânsito geral em Londres. Para cerca de 42% dos entrevistados, as LTNs deslocam os carros para outros locais, enquanto que aproximadamente 32% pensam que a medida reduz o número de automóveis nas estradas e em torno de 25% disse não saber. Independentemente das opiniões, a pesquisa descobriu evidências de que os bairros de baixo tráfego amenizam o trânsito, estabelecendo um espaço mais convidativo para caminhar e pedalar, motivam a população a fazer menos viagens com seus veículos e mais com outras formas de transporte. E constatou, também, que mesmo que, em um primeiro momento, a sua implementação leve o fluxo de carros para outras vias, a tendência é que isso diminua no médio prazo.

Uso de bicicletas tem forte incremento nas regiões abrangidas pelas LTNs de Londres

O estudo do Centre for London verificou ainda que dentro dos limites de dez bairros de baixo tráfego analisados na capital inglesa houve um aumento entre 31% e 172% na utilização de bikes, enquanto que a circulação de automóveis caiu entre 22% e 76%, salienta reportagem do The Guardian. O número de mortes nas estradas também apresentou evidências de redução, relata o jornal. Além disso, não foram encontrados dados que comprovassem algumas das reclamações feitas por aqueles que se opõem às LTNs: a de que as barreiras atrasam as respostas dos veículos de emergências aos chamados nessas áreas e de que essas iniciativas beneficiariam mais as regiões ricas da cidade.

Nos distritos de Waltham Forest e Newham, que ficam no território de Londres, o bairro de baixo tráfego experimental instalado em agosto de 2020, abrangendo ruas das localidades de Forest Gate, Maryland e South Leytonstone, trouxe resultados significativos na diminuição do trânsito nas vias internas e no maior uso de bicicletas para os deslocamentos. A resposta foi tão positiva que, em outubro daquele mesmo ano, a ação foi expandida para mais pontos de South Leytonstone, informa material do governo de Waltham Forest.

Entre outubro de 2018 e outubro de 2021, a área de Maryland, por exemplo, registrou uma redução de 76% na movimentação de carros em suas ruas internas e uma elevação de 125% na utilização de bikes. Já o tempo das viagens feitas de ônibus sofreu um incremento de 7% e o tráfego nas vias limítrofes aumentou 19%. Uma observação feita pelo levantamento das administrações de Waltham Forest e Newham é que as últimas contagens nessa região, de outubro do ano passado, mostram um declínio no trânsito motorizado nas ruas próximas à LTN em comparação com o mês de junho de 2021, porém não há detalhes sobre a porcentagem.

Já em Odessa, outra área do bairro de baixo tráfego, os números no mesmo período, apontam para uma diminuição de 61% no fluxo de automóveis nas vias internas, de 5% no tempo de viagens de ônibus e de 3% no trânsito nas ruas limítrofes. Já o uso de bicicletas teve uma elevação maior que a de Maryland, ficando em 172% entre 2018 e 2021. Nesse vídeo publicado pelo London Living Streets é possível ver um “antes e depois” de vias de Waltham Forest transformadas pelas LTNs.

Kiezblocks, a solução para melhorar a mobilidade e sustentabilidade de Berlim

Seguindo o exemplo das superquadras de Barcelona (Espanha), a capital da Alemanha possui, desde 2020, a sua própria versão de Low-Traffic Neighbourhoods (LTNs). Os Kiezblocks (blocos de vizinhança) combinam ações que aumentam a qualidade de vida de bairros residenciais e melhoram a sustentabilidade e a mobilidade ao tirarem espaço dos carros nas ruas, explica artigo do Instituto Alemão de Urbanismo. Atualmente, existem mais de 50 projetos a serem implementados em distritos da cidade, como em Neukölln, Friedrichshain-Kreuzberg, Mitte (Centro) e Pankow.

Quantidade essa que deve ser ainda maior nos próximos anos, de acordo com o instituto, e não apenas em Berlim. Outras localidades já contam com suas visões de LTNs, como Hamburgo, onde são chamadas de Superbuettel, em Darmstadt, com os Heinerblocks, e em Viena (Áustria), com os Supergraetzel. Os Kiezblocks são, por definição, áreas onde foram postas em práticas medidas para acalmar o trânsito, com restrição de acesso de veículos, como detalha o artigo. Além de diminuir expressivamente a movimentação de automóveis, o desenvolvimento desses bairros de baixo tráfego visa criar ambientes mais acolhedores, fortalecer o comércio e serviços desses lugares e reforçar as estruturas de vizinhança. A essas metas juntam-se também as de melhorar as condições das calçadas e ruas para os pedestres e ciclistas e evitar ilhas de calor.

Para os autores do artigo, Uta Bauer e Thomas Stein, os Kiezblocks são um “modelo para a revolução do transporte nos municípios, provando que as responsabilidades do planejamento urbano devem andar de mãos dadas com as do transporte”. Essas regiões lembram a configuração de uma Cidade de 15 minutos, onde a maioria das necessidades diárias pode ser resolvida com uma caminhada ou pedalada de até um quarto de hora. Baur e Stein assinalam que os Kiezblocks são “mais do que apenas um par de postes de amarração; seriam um grande passo em direção a espaços urbanos sustentáveis e habitáveis”.

Conforme o site da campanha de incentivo à formação desses bairros em Berlim, organizada pela associação Changing Cities, pelo menos, dois novos quarteirões de Kiezblocks devem ser construídos em cada distrito da capital da Alemanha por ano, inicialmente como iniciativas temporárias. Um guia com as diretrizes para a instalação dessas áreas está sendo elaborado pelo Senado e deverá determinar as barreiras que poderão ser utilizadas, a redefinição de regiões de tráfego, entre outras questões. A proposta da Changing Cities prevê ainda que sejam erguidos ciclovias e caminhos para pedestres protegidos e que as estradas principais das LTNs berlinenses tenham o limite de velocidade de 30 quilômetros por hora.

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