Streetscape

Foto: Divulgação / Cidade Pedra Branca

Ponto de conexão entre os indivíduos e os lugares, as ruas são ambientes fundamentais nas cidades e o seu planejamento deve considerar elementos como calçadas, mobiliário, arborização, áreas de permanência, materiais e interação com as fachadas dos prédios para criar regiões com vitalidade.

Muito mais que um local de circulação, as ruas são os espaços de maior contato das pessoas com os ambientes públicos. Elas possibilitam que se chegue ao destino desejado e permitem ainda, ao percorrer seus caminhos, conhecer melhor os lugares. Além disso, quando bem concebidas, as vias colaboram para desenvolver áreas urbanas movimentadas e dinâmicas. Nesse sentido, o streetscape surge como uma modalidade de projeto que pensa o desenho das ruas como um todo, abrangendo tanto a região destinada ao tráfego de veículos como as calçadas e os vãos que podem existir entre as edificações, explica a arquiteta e urbanista Juliana Castro, diretora criativa da JA8 Arquitetura Viva, empresa sediada em Florianópolis (SC).

“Acredito que o tratamento correto e humanizado das vias, colocando os indivíduos em primeiro plano, é essencial para as cidades voltadas para as pessoas. Então, o streetscape atua diretamente nessa humanização da rua, que é o espaço essencial para a vida urbana”, acrescenta. Em uma tradução livre, streetscape significa paisagem urbana e é um conceito utilizado para descrever o “tecido natural e construído de uma via e se refere à qualidade do design desses ambientes e seu efeito visual”, como ressalta artigo da Universidade de Delaware (EUA). Os diversos elementos analisados e combinados para a definição de uma rua impactam a experiência dos cidadãos em um local e as atividades econômicas, o bem-estar, a estética e a sustentabilidade de uma comunidade.

Juliana Castro aponta que o streetscape inclui o planejamento das fachadas dos prédios presentes em uma via, a comunicação visual instalada nessa parte das edificações, a quantidade de aberturas existentes e a maneira como elas fazem a interface com o espaço público. “Depois de elaborar isso, pensamos na inserção do plano do chão, em toda a distribuição do ambiente, o quanto vai ser deixado de área para o pedestre, bicicletas e veículos motorizados”, salienta. A esses fatores soma-se a idealização de lugares de permanência na rua, que podem ser extensões das construções, como por exemplo uma cafeteria com mesas na área externa do estabelecimento, ou ilhas de estar isoladas que ofereçam um ponto de apoio, de parada, para quem circula pelo local.

Após organizar a atividade de circulação, que é função básica de uma via no espaço urbano, como detalha a arquiteta, são inseridas as estruturas que estimulam os indivíduos a fazerem uma parada e a permanecerem em uma região. “Com isso determinado, consegue-se estabelecer as iniciativas sociais, que tornam a rua um ambiente alegre, cheio de vida, com pessoas se encontrando. É a criação de um destino nessa via”, enfatiza. As próximas etapas do streetscape envolvem a escolha dos materiais, do mobiliário, da vegetação e dos complementos, como vasos, que serão introduzidos nesse lugar. A seleção do pavimento correto, assinala Juliana Castro, interfere na caminhabilidade: um piso trepidante, por exemplo, instalado em uma calçada torna o caminhar mais difícil. Já o seu uso nas pistas de rolamento faz com que os automóveis diminuam a sua velocidade.

São muitos os critérios que precisam ser avaliados pelos profissionais durante o processo de desenvolvimento de uma rua para transformá-la em um local onde moradores e visitantes queiram estar e que seja ao mesmo tempo seguro, vibrante e diversificado. Juliana lembra ainda que é necessário cuidar das travessias para os pedestres, projetando cruzamentos elevados e com pavimento adequado para que andar por elas seja fácil e protegido.

O streetscape compreende também a seleção das árvores que serão dispostas ao longo das vias, pontua a arquiteta. E os tipos que serão utilizados variam de acordo com aquilo que se espera para a região e se o espaço precisa de mais sombra ou de áreas ensolaradas. “Sempre pensando na variabilidade para que todo o trajeto seja interessante. Posso, por exemplo, mixar as espécies para ter floração em épocas diferentes do ano. Tudo isso o streetscape vai balizando na hora de montar essa ambientação desejada para o lugar que estamos projetando”, relata.

A definição do mobiliário, comenta a diretora criativa da JA8, complementa o trabalho e deve sempre levar em consideração a qualidade dos produtos eleitos para que o contato da pele das pessoas com os materiais seja agradável. “A mobília precisa ser boa para todos os cidadãos: idosos, crianças e quem tem necessidades especiais. A gente tem que incluir a maior quantidade de indivíduos no nosso planejamento e prever um layout no qual esses itens promovam a socialização”, defende.

Iluminação e sinalização, com placas claras e visíveis para agilizar a navegação pela cidade, são outros elementos atendidos pelo streetscape, conforme artigo da revista Build. Segundo a publicação, as ruas são “a tábua de salvação para os municípios e é crucial capturar a vida das localidades em ambientes públicos para garantir que cada usuário se sinta confortável e que pertence a essa região”.

Na essência, o conceito abarca preceitos fundamentais para a promoção da vida urbana defendidos há décadas por urbanistas como Jane Jacobs. “Se as ruas de uma cidade parecerem interessantes, a cidade parecerá interessante. Se as ruas parecerem monótonas, a cidade parecerá monótona”, alertou ela no célebre livro “Morte e vida das grandes cidades”, escrito em 1961.

 

 

Falta de priorização das pessoas e da escala humana é principal erro nos projetos de vias dinâmicas, afirma Juliana Castro

Colocar os carros em primeiro plano no momento de conceber uma rua ou um espaço público é, na opinião da arquiteta Juliana Castro, uma das maiores falhas cometidas pelos planejadores. Não privilegiar os indivíduos e a dimensão humana nos desenhos, assim como não defender o aumento da área para as pessoas, com a redução do espaço para os veículos, para se ter de fato vias criadas para os cidadãos, são os principais problemas nesses projetos, argumenta.

Contudo, destaca a arquiteta, a questão do dimensionamento desses ambientes – dando mais ênfase aos automóveis – não é só culpa de quem desenvolve as ruas e os lugares coletivos. “Esse planejamento já vem errado da raiz, porque se você for olhar as normas, os códigos de obras das cidades e as leis que organizam o desenho dos locais públicos, temos sempre um dimensionamento consideravelmente confortável para os veículos motorizados”, pondera a diretora criativa da JA8 Arquitetura Viva. Juliana reforça que as pistas mínimas de rolamentos são generosas e ajudam a promover a alta velocidade nas vias. Por outro lado, a área deixada para a população é, geralmente, muito pequena – com passeios mínimos de 1,20 metro ou 2 metros. Ela frisa também que não há na legislação qualquer regra que obrigue os profissionais a preverem faixas de amenização nas ruas, que são aquelas onde são implementadas a vegetação, iluminação, sinalização e o mobiliário.

De acordo com a arquiteta, um espaço de 1,5 metro seria o tamanho razoável para o plantio de uma árvore em uma calçada. Isso combinado a mais 1,50 metro ou 2 metros livres para a circulação das pessoas e de 3 metros a 4 metros para estender o ambiente interno para o externo (como dispor mesas nos passeios) seria uma formatação confortável para os usuários do lugar. “Mas, o que temos, na maioria das situações, são 3 metros de pista de rolamento para os carros – alguns pontos contam até 3,3 metros –, o que é bem generoso”, compara.

Quadras curtas, bem conectadas e pensar muito na interface entre as edificações e os locais coletivos são elementos que, na visão de Juliana, não podem faltar no projeto de uma via dinâmica. Ela ressalta que as fachadas dos prédios, especialmente as dos térreos, precisam ser atrativas e convidativas, com portas para que quem passe por essa região veja que há a oportunidade de entrar e sair desses lugares. “Esse ambiente dinâmico vai se formar com um mix de atividades somado a um espaço que permite a conexão entre os indivíduos, seja ela física ou social”, acredita. Juliana destaca que a conectividade e o dimensionamento correto entre a área livre e construída são importantes para criar destinos vibrantes e que funcionam.

Milão, Paris e Palhoça são referências em streetscape

O Passeio Pedra Branca, shopping a céu aberto do bairro planejado Cidade Criativa Pedra Branca, em Palhoça (SC), é um dos exemplos de streetscape citados pela arquiteta. Inaugurado em 2013, o lugar reúne lojas, restaurantes, serviços e atividades culturais e de lazer em um ambiente, projetado pelo escritório de Juliana, o JA8 Arquitetura Viva. Com 250 metros de extensão, a rua é o coração do bairro, com calçadas de oito metros de largura, mobiliário urbano, e espaço para caminhar e pedalar. Entre as inovações do empreendimento está a adoção do conceito de rua compartilhada, com passeios sem meio-fio, o que facilita a movimentação dos usuários, e a redução da velocidade dos veículos.

O complexo possui ainda, segundo matéria da revista ÁREA, um espelho d’água como elemento central da praça, que é cercado por um local de estar e contemplação, vegetação e cadeiras soltas, que possibilitam diferentes formatações, de acordo com a necessidade dos moradores e visitantes. No desenho, a priorização das pessoas foi colocada em prática. Entre as influências esteve o conceito de “cidades para pessoas” difundido pela Gehl Architects, um dos consultores internacionais da Cidade Pedra Branca.

“Outro lugar que adoro e que foi uma inspiração para planejar o Passeio Pedra Branca e tantas outras vias é o Corso Garibaldi, em Milão (Itália), acho maravilhoso”, compartilha a arquiteta. O Corso é uma rua longa, em escala humana, que conta com comércio, cafés, bares, mesas nas calçadas e ambiente amplo destinado para os passeios públicos – com pedestres, ciclistas e carros dividindo o espaço.

Uma das avenidas mais famosas do mundo, a Champs-Élysées, em Paris (França), também é relacionada por Juliana como um exemplo de streetscape. “Foi um projeto de inserção de uma via com passeio super largo – para mim, tem muita área para os veículos –, que foi idealizada para as tropas militares passarem, mas que é uma referência por sua grandiosidade”, observa Juliana. Ela complementa que a Oscar Freire, em São Paulo (SP), é mais uma rua que gosta e considera representativa do streetscape no Brasil, assim como é o Passeio Pedra Branca.

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