Placemaking

Envolver os indivíduos no desenvolvimento de um espaço, seja ele um bairro, um empreendimento ou uma praça, é um dos desafios dos projetos que buscam fomentar um destino atrativo para as pessoas e com o qual elas se identifiquem e utilizem. O portal Somos Cidade consultou especialistas no tema para saber como o Placemaking tem transformado cidades mundo afora e também no Brasil.

O que faz com que um local seja bom, dinâmico, estabeleça conexões entre o ambiente e aqueles que vivem nele e no qual se goste de ficar? Segundo o placemaking, uma abordagem multidisciplinar de planejamento, desenho urbano, arquitetura e gestão de espaços, para se conceber um lugar é preciso que ele seja pensado para os cidadãos que irão usá-los, possibilitando que eles participem de fato de sua elaboração.

“Esse envolvimento não deve ser apenas de forma passiva, com o recebimento de informações sobre determinada iniciativa, mas de maneira ativa, colaborando no levantamento de problemas, desejos, sonhos e cocriando soluções com os desenvolvedores do projeto”, salienta o arquiteto e urbanista Caio Esteves,  especialista em Placemaking e Place Branding (posicionamento e identidade de um lugar).

Ao seguir essa premissa, o resultado final deve ser a idealização de um destino onde as pessoas se reconhecem (pois é um local com significado), vibrante (com atividades e ocupação dos ambientes públicos) e seguro, complementa Caio Esteves, sócio e diretor Global de Placemaking da Bloom Consulting, empresa que há dois anos incorporou a Place for Us, primeira consultoria focada em Place Branding do Brasil, fundada por Esteves em 2015.

Apesar do termo placemaking – que pode ser traduzido literalmente como fazer lugares – ter sido disseminado mais intensamente a partir da segunda metade dos anos 1990 através do Project for Public Spaces (PPS), organização sem fins lucrativos fundada em 1975, a visão de que as cidades precisam ser espaços convidativos e vivos, com os indivíduos colocados no centro dos empreendimentos, nasce na década de 1960 com pensadores como William “Holly” Whyte e Jane Jacobs.

Projetos em diversas escalas, tanto do setor privado como do público, têm como adotar o placemaking em suas propostas. Uma praça, um parque, uma rua ou um bairro inteiro, todos podem ser planejados dentro desse conceito, oferecendo locais acessíveis, bem conectados a outros pontos importantes da região, confortáveis e com um ambiente urbano acolhedor. “Brinco sempre que tanto o place branding quanto o placemaking cabem sempre no bolso, porém nem sempre na cabeça dos desenvolvedores imobiliários e gestores públicos”, afirma Esteves.

Conforme ele, o principal desafio no Brasil para alavancar essa abordagem é explicar para o mercado como pôr na frente as pessoas e não o produto, demonstrando que é possível gerar valor econômico e, especialmente, simbólico. O especialista assinala que o placemaking dá trabalho, abrange mediar conflitos, engajar cidadãos e firmar compromisso com a comunidade envolvida. Contudo, a sua aplicação contribui para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e cria um “ativo que acompanhará o empreendedor não só ao longo da maturidade do projeto como nos próximos que ele realizará”.

Para se transformar em um local para as pessoas, o espaço precisa ser dotado de significado, reforça Esteves, ele tem que ser identificável para certos comportamentos e culturas. “Além disso, deve contar com ações capazes de atrair e reunir os indivíduos. Chamo essa camada de ‘software’, aquilo que ocorre no ambiente. É comum desenvolvedores pensarem o ‘hardware’, a construção, e esquecerem das atividades e depois reclamarem quando ninguém utiliza a praça (por exemplo), que na verdade é só uma rodela de concreto no chão com meia dúzia de bancos, quando muito”, observa.

A esses elementos, a gerente de Marketing do Grupo Pedra Branca, Clarice Mendonça de Oliveira, acrescenta que a qualidade da arquitetura melhora o cenário urbano, valoriza a estética e a criatividade e potencializa um lugar feito para as pessoas. Com base na bem-sucedida experiência do grupo na criação do bairro-cidade Cidade Criativa Pedra Branca, em Palhoça (SC), ela destaca que espaços de uso misto, com comodidades instaladas a poucos metros de uma caminhada impactam no bem-estar e incentivam uma vida mais saudável e estimulante, sobrando mais tempo para se dedicar ao que realmente importa.

Desenhar ruas no mesmo nível da calçada, priorizando os pedestres e permitindo que as vias sejam utilizadas por todos os tipos de modais, como por exemplo, carrinhos de bebês e cadeirantes, também contribui para aperfeiçoar as localidades. Da mesma forma, ambientes bem planejados, convidativos e seguros despertam a curiosidade e a vontade de permanecer neles. “Lugares assim, que são ocupados de maneira espontânea, deixam a atmosfera do espaço mais feliz e agradável”, ressalta a gerente de Marketing. Clarice aponta ainda que ter a natureza – com árvores, paisagismo e presença da água – circundando as estruturas disponibilizadas torna a integração mais aconchegante. “Todos esses elementos precisam ser considerados em um projeto urbano potente”, defende.

 

Ouvir diferentes vozes e entender a vocação dos locais são fundamentais para se ter melhores empreendimentos

Uma cidade feita para as pessoas deve envolver distintas áreas de conhecimento e pontos de vista para que os ambientes sejam mais completos. E isso deve acontecer desde o início, na prancheta, e não acaba após a entrega do projeto, destaca Clarice. Para engajar os usuários, é necessário também formar lideranças na comunidade ou representantes do complexo imobiliário com forte habilidade de escutar, mediar e, principalmente, conectar indivíduos no ecossistema do empreendimento. A gerente de Marketing do Grupo Pedra Branca detalha que esses líderes precisam pensar de forma holística, ter empatia com os diversos stakeholders, influência e capacidade de transitar entre grupos, bem como ser criativo e original.

Caio Esteves agrega que um espaço seguro e positivo para que se possa sonhar deve ser promovido para que se alcance o objetivo de envolver as pessoas no processo. A participação delas, indica o especialista em placemaking, pode ocorrer por meio de várias ferramentas, mas em geral ela se dá através de workshops, plataformas online e físicas de capacitação de ideias. “Muitas vezes, a solução para um problema é infinitamente mais simples do que a planejada pela equipe de projeto”, relata.

Nesse sentido, Clarice traz um exemplo ligado ao desenvolvimento do Passeio Primavera, na SC-401, em Florianópolis (SC), outro empreendimento do Grupo Pedra Branca. “Inspirado no que existia no Passeio Pedra Branca, em Palhoça, a intenção foi criar um ambiente urbano acolhedor naquele ecossistema, que já tinha uma forte vocação para a área tecnológica, visto que a Acate (Associação Catarinense de Tecnologia) está instalada lá”, lembra. Um brainstorm foi efetuado com usuários do lugar e, depois, flip charts foram espalhados em alguns pontos com a pergunta: O que você gostaria que tivesse nesse endereço? A gerente de Marketing revela que, para a surpresa deles, um dos pedidos que mais apareceu foi contar com uma creche no local. “Algo para nós completamente inusitado e que jamais teríamos imaginado”, descreve.

A partir desse insight, foi compreendido pelos empreendedores que quem iria trabalhar naquele espaço necessitava ter convívio mais próximo de seus filhos e queria fazê-lo ali mesmo. “Foi quando nasceu a nossa praça com espelho d’água, arquibancada, ambiente infantil e uma escola. A mistura desse público em uma área de tecnologia e eventos de inovação tornou ainda mais potente a alma daquele lugar. Se tornou algo único e com grande engajamento das pessoas”, argumenta.

Avaliar a vocação do local é mais um fator que auxilia a conceber espaços urbanos mais humanos e atraentes. No Passeio Pedra Branca, compartilha Clarice, a família é o norteador das decisões para o complexo. “Por isso, nossos ambientes públicos possuem muitos elementos envolventes para diferentes idades. Alguns exemplos práticos são a Arena de Esportes – com quadras de vôlei e beach tennis ao ar livre –, o espelho d’água, que é a diversão dos pequenos, parquinho infantil, mobiliário urbano abundante e bicicletários espalhados ao longo de toda a rua”, cita.

 

Adequar os lugares ao uso que os indivíduos dão a eles é mais um desafio para os desenvolvedores

Mesmo adotando a abordagem multidisciplinar do placemaking, os espaços podem acabar sendo utilizados de uma maneira distinta daquela idealizada originalmente pelos empreendedores dos projetos. O emprego inadequado dos locais é uma realidade registrada em alguns complexos. Durante a pandemia, em 2020, quando as ruas ficaram vazias devido às restrições sanitárias impostas, passou a ocorrer uma ocupação desordenada do Passeio Pedra Branca, o shopping a céu aberto da Cidade Criativa Pedra Branca, recorda Clarice Oliveira. “Jovens de várias idades e classes sociais do próprio bairro e de outros começaram a trazer problemas e gerar confusões”, pontua.

A gerente de Marketing do empreendimento conta que foi uma situação de difícil controle. “Nossa primeira ação foi baseada em apenas um pensamento: segurança é colocar mais policiamento. Vimos finais de semana passando e a dificuldade aumentando. Por alguns dias, olhei para aquele ambiente urbano e não conseguia mais identificá-lo da forma como era”, confessa. Com a necessidade de fazer algo diferente para resolver a questão, foi decidido pela empresa que somente através da força do conceito da Pedra Branca de “rua como palco da vida” seria possível modificar aquele panorama.

Cientes disso, no final de semana seguinte, além dos seguranças, palhaços, brinquedos infláveis e atrações culturais invadiram as vias e esquinas mais disputadas. “Começamos a diversificar e a alegrar novamente o ambiente urbano. As lojas, na medida em que as regras relacionadas a Covid-19 foram abrandando, reabriram e a vida na rua foi voltando. Foi incrível ver, aos poucos, as coisas se reorganizando”, salienta. Segundo Clarice, essa experiência foi a mostra real de quanto uma cidade ocupada por pessoas de forma múltipla, associada a um espaço urbano com estabelecimentos nas vias e fachadas ativas, deixa o lugar mais seguro e feliz.

Sobre a utilização dos locais de forma distinta da que foi planejada, a gerente de Marketing analisa que isso acontece, em geral, com os usuários adequando o mobiliário e os ambientes conforme os seus usos. Nesses casos, um espelho d’água pode virar praia para as crianças ou um banco pode ser uma sala de reuniões.

Clarice afirma que, quando o Passeio Pedra Branca nasceu, muitos lojistas diziam que ser um lugar aberto era um problema por causa da chuva, vento, sol e mosquitos, e que isso era um ponto fraco do empreendimento. “E nossa tese sempre foi ao contrário: era nosso ponto forte. O Liffey Brew Pub, uma operação gastronômica do Passeio Pedra Branca, por exemplo, antes da pandemia praticamente não tinha mesas na rua. Hoje eles utilizam a calçada e dizem que o faturamento triplicou”, assinala. Caio Esteves reforça o tema ressaltando que, para adequar os espaços ao uso que as pessoas vão dar a eles é fácil, “basta incluí-las no projeto”.

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