Com normas que variam entre municípios e estados, a estratégia de exigir que desenvolvedores incluam unidades a valores abaixo do mercado em seus empreendimentos não tem produzido uma quantidade significativa de moradias e nem alcançado a população mais pobre, apontam diferentes pesquisas.
A crise habitacional, com déficit de imóveis e valores elevados das propriedades e aluguéis, tem levado governos de diversos países, estados e cidades a buscarem medidas para estimular a construção de novas residências para reverter o atual cenário e disponibilizar opções que respondam às demandas de pessoas de distintas faixas de renda. O zoneamento inclusivo surge dentro desse contexto como uma das soluções encontradas por muitas administrações para impulsionar a edificação de unidades populares.
No entanto, a eficácia da iniciativa na oferta de mais moradias para essa parte da sociedade e na diminuição dos preços dos demais imóveis é contestada por estudiosos do assunto e agentes do setor. Essa avaliação está baseada no fato de que essa ação pode reduzir a produção de habitações como um todo devido ao incremento dos custos para erguer residências com taxas de mercado.
A adoção dessa política nas localidades norte-americanas vem crescendo desde a década de 1970, como ressalta artigo da pesquisadora do State and Local Policy Project no Mercatus Center da Universidade George Mason (Virgínia), Emily Hamilton, no site da organização Strong Towns. O zoneamento inclusivo, explica a especialista, estabelece regras que obrigam os desenvolvedores a terem em seus empreendimentos unidades abaixo do valor de mercado para venda ou locação com o objetivo de aumentar o acesso das famílias de baixa renda a esse bem.
Porém, ao tornar mais cara a construção de moradias, essa prática tende a diminuir a acessibilidade aos imóveis, pondera Emily. As exigências e os incentivos do zoneamento inclusivo variam entre as regiões, mas um programa nessa área, em geral, pode determinar que de 10% a 30% das novas habitações sejam unidades populares, detalha matéria da organização Inclusionary Housing.
Elaborada como um “antídoto” às normas excludentes de uso do solo – que impedem que pessoas com rendimentos menores consigam residir em bairros e municípios que possuem melhor infraestrutura para viver, trabalhar, estudar e se divertir –, a estratégia sozinha não consegue resolver as questões relacionadas às barreiras raciais e econômicas impostas ao longo da história nos Estados Unidos – panorama que se repete em outras nações, como no Brasil –, afirma a pesquisadora. Contudo, ela faz uma ressalva de que o zoneamento inclusivo pode trazer um pouco mais de diversidade para as comunidades. Emily cita em seu artigo que muitos desenvolvedores argumentam que essa prática cria “incentivos para construir imóveis de luxo para tornar viável para os incorporadores subsidiarem habitações abaixo dos preços de mercado”.
A pesquisadora analisa ainda que, normalmente, esse tipo de zoneamento fornece uma quantidade pequena de unidades para os cidadãos de renda mais baixa das localidades. O condado de Montgomery, em Maryland (EUA), que há mais de 40 anos introduziu essa estratégia, é usado como exemplo do pouco impacto que a medida tem na realidade dos indivíduos mais pobres. Conforme Emily, ao longo dessas quatro décadas, foi produzida uma moradia abaixo do valor de mercado para cada cem residentes. “Os imóveis são projetados para serem acessíveis para famílias que ganham de US$ 30 mil a US$ 81 mil por ano, de modo que não fazem nada por ajudar os menos abastados do condado”, escreveu.
Reportagem do portal Leverage, que aborda o universo dos investimentos imobiliários comerciais, salienta que uma “habitação abaixo da taxa de mercado nem sempre significa que ela é acessível a todos que precisam de moradia”. Segundo a matéria, muitas vezes os produtos lançados não atendem às demandas das comunidades para as quais estão sendo vendidos, seja pelo tipo de unidade idealizada – como a disponibilidade de estúdios ou apartamentos de um quarto para famílias de baixa renda com crianças – ou pela faixa de preços ofertados, que não se enquadram nas possibilidades financeiras de quem mais necessita.
Entre as desvantagens do zoneamento inclusivo, o portal de notícias, acrescenta também o repasse dos custos com a edificação de imóveis populares aos desenvolvedores que, sem incentivos representativos, reflete negativamente nos lucros dos investidores e empreendedores e pode reduzir a construção de habitações em geral e aumentar os aluguéis com taxa de mercado. De acordo com o Furman Center for Real Estate and Urban Policy da Universidade de Nova York (NYU), “o valor da receita que um desenvolvedor pode obter comercializando ou locando uma unidade que deve ser acessível por causa de uma política obrigatória de zoneamento inclusivo, geralmente, é menor do que os custos de produção dessa moradia”, destaca o Leverage.
Vista como um imposto indireto por muitos empresários, prática tem regras e incentivos diferentes
Utilizado por cidades como Nova York, Chicago (Illinois), Telluride (Colorado) e Boston (Massachusetts), o zoneamento inclusivo está presente em mais de 880 localidades de 25 estados norte-americanos, conforme dados de 2021 apresentados pelo portal Leverage. Em cerca de 80% dessas regiões, esse programa é aplicado de forma obrigatória, com normas definidas a respeito da porcentagem de imóveis que devem estar abaixo da taxa de mercado, tamanho mínimo das edificações que precisam seguir as regras, duração das restrições de preços (tempo que as residências devem ficar acessíveis) e formas de subsídio para os empreendedores.
Entre as críticas feitas ao zoneamento inclusivo, a reportagem do canal de notícias assinala que a estratégia é, na opinião de desenvolvedores, um imposto indireto sobre os seus projetos. Segundo a plataforma de soluções em habitação Local Housing Solutions, ouvida pelo portal, essa visão está baseada no “argumento de que os requisitos de acessibilidade funcionam como um tributo sobre os empreendedores, que repassam quaisquer custos adicionais aos consumidores de unidades com taxas de mercado”.
Como contrapartida pela disponibilidade de moradias populares nos complexos, muitos programas municipais propõem reduções de impostos e de exigências de estacionamento ou permitem que sejam erguidos prédios com maior densidade, informa a matéria da organização Inclusionary Housing. De acordo com o texto, a maioria dos governos reconhece que nem sempre é viável incluir imóveis acessíveis em edifícios com preços de mercado. Em alguns desses casos, os desenvolvedores podem optar por outras alternativas, como a produção de habitações populares em outro projeto, descreve a reportagem. O Leverage complementa que podem ser obtidas ainda licenças mais rápidas e/ou tarifas reduzidas para autorizações de zoneamento nas iniciativas imobiliárias e a possibilidade de construir empreendimentos mais altos.
Pesquisas sobre zoneamento inclusivo mostram resultados distintos nas cidades norte-americanas
O retorno da política de moradias é influenciado por fatores como a força do mercado imobiliário de uma determinada área e a compatibilidade da estratégia com as leis estaduais ligadas a esse setor, pontua o editor do CityLab da Bloomberg, Brentin Mock, em artigo. “É claro que o que dá certo em uma localidade específica dos Estados Unidos não funcionará em todos os lugares”, enfatiza. Ele comenta que Boston, por exemplo, teve problemas para controlar os custos das unidades com o seu zoneamento inclusivo. Estudo do Furman Center for Real Estate, apresentado pelo portal Leverage, descobriu que aproximadamente 43% dos distritos dessa região de Massachusetts que adotaram a estratégia não produziram habitação acessível.
O levantamento abrangeu também os programas de São Francisco (Califórnia) e de Washington D.C. e revelou que no município californiano foram edificadas algumas residências em distritos com a prática de incentivo e que na capital do país, em 2016, foram construídos 191 imóveis. A pesquisadora Emily Hamilton, da Universidade de George Mason, relata que o artigo “Efeitos do Zoneamento Inclusivo no Mercado Imobiliário”, publicado em livro do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano dos Estados Unidos, em 2009, apurou que a implantação da política na Califórnia fez com que os valores das moradias aumentassem de 2% a 3% mais rápido do que nos locais sem essa proposta.
Outro dado verificado pelos autores do estudo foi que o zoneamento inclusivo não trouxe efeito na oferta de unidades multifamiliares naquele estado, mas demonstrou diminuição na taxa de novas casas unifamiliares. Conforme o artigo, “os resultados são totalmente consistentes com a teoria econômica e confirmam que essa prática não vem sem custos”. Ainda sobre esse cenário, a pesquisa “Consequências não intencionais ou intencionais? O efeito dos mandatos habitacionais abaixo do mercado no segmento imobiliário da Califórnia”, de Tom Means e Edward Peter Stringham e divulgada em 2012 no Jornal de Finanças Públicas e Escolha Pública, indicou que os lugares com zoneamento inclusivo no estado viram a disponibilidade de imóveis reduzir em 7% e os preços elevarem em 20%.
Para Emily, embora essa política proporcione benefícios para um pequeno número de famílias de baixa e média renda, “a maioria das evidências empíricas aponta que ela (a estratégia) aumenta os valores para outras pessoas e diminui o acesso à moradia em geral”. Já Mock, do CityLab, frisa que o zoneamento inclusivo falhou, na maioria das situações, em criar residências a preços acessíveis para indivíduos de baixa renda. Além disso, ele considera que grande parte dos programas não foi elaborado para atingir a esse público.
Seja o primeiro a receber as próximas novidades!
Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.