Vias largas, com muitas faixas e alta velocidade, que atravessam locais com movimento de pedestres e de comércio são as que oferecem mais riscos de acidentes e refletem na vitalidade desses lugares. Qualificar o desenho desses espaços é o caminho apontado por diferentes associações ligadas ao planejamento dos municípios.
A cena é comum e pode ser vista em quase todas as cidades do mundo: pessoas com dificuldade para cruzar uma rua ampla com intenso fluxo de veículos, que se deslocam rapidamente por várias pistas de rolamento. Sem sinalização adequada para os motoristas ou proteção para quem caminha ou pedala, esses trechos tornam-se perigosos para quem mora, trabalha, estuda ou faz compras no entorno dessa região. Nos Estados Unidos, onde estão presentes na maioria das localidades, eles podem ser chamados de avenidas, vias arteriais e também de “stroad”.
O termo foi criado pela associação Strong Towns, em 2013, e simboliza a união das características de uma rua (do inglês street, um lugar onde os indivíduos interagem com negócios e residências e geram riqueza) com as de uma rodovia (em inglês road, que é uma rota de alta velocidade entre pontos produtivos). Conforme a entidade, que analisa dados e desenvolve conteúdos sobre como melhorar os municípios estadunidenses e canadenses, as “stroads” são extremamente caras para serem construídas e o seu retorno econômico e social é baixo. Ao deixarem mais insegura a circulação dos cidadãos, essas vias impactam no dinamismo e na vitalidade desses espaços e na qualidade de vida dos seus habitantes.
Nos bairros dos Estados Unidos, as “stroads” representam 15% de todas as estradas. Apesar desse índice reduzido, são nelas que ocorrem 67% das mortes de pedestres, como ressalta artigo de Alex Engel e Kate Fillin-Yeh, especialistas em planejamento urbano da Associação Nacional de Oficiais de Transporte da Cidade (Nacto), publicado em julho deste ano no site da Smart Growth America – que trabalha para o crescimento sustentável das localidades daquele país. Os autores destacam ainda que essas ruas foram instaladas desproporcionalmente em comunidades de pessoas de cor (expressão usada pelos norte-americanos para identificar afro-americanos, latinos, asiáticos e nativos-americanos) de baixa renda.
O relatório Dangerous by Design 2022, lançado todo o ano pela Smart Growth America e pela National Complete Streets Coalition, revela que a quantidade de indivíduos que foram atingidos e mortos enquanto caminhavam bateu um novo recorde em 2020, com mais de 6,5 mil cidadãos – uma média de quase 18 por dia e um aumento de 4,5% em relação a 2019. Essa situação, segundo o documento, vem piorando nos Estados Unidos ao longo dos anos devido à maneira como as vias são desenhadas, priorizando a locomoção dos carros em alta velocidade em vez da segurança de todos. O material reforça que as ruas da nação são “perigosas por design”.
O estudo, que utiliza dados federais, indica também que as estimativas iniciais da Governors Highway Safety Association mostram que 7.485 pedestres foram atropelados e faleceram em 2021. De acordo com o levantamento, esse seria o número de vítimas mais alto nas últimas quatro décadas nos Estados Unidos. Outro fator assinalado pelo relatório é que a pandemia de coronavírus, apesar de ter modificado a forma como as pessoas vivem e se deslocam, manteve em elevação os indicadores de indivíduos que morreram em decorrência de acidentes de trânsito – principalmente idosos e moradores de bairros de baixa renda.
Uma das explicações para esse cenário é que com a Covid-19 menos cidadãos usaram os seus automóveis para chegar até seus destinos, diminuindo os congestionamentos e permitindo que os condutores circulassem mais rapidamente pelas vias. Essa mudança associada à mais habitantes caminhando e pedalando teria contribuído para o incremento dos óbitos nas ruas norte-americanas. No entanto, essa realidade não foi constatada somente nos Estados Unidos. Anualmente, em média, 1 milhão e 350 mil pedestres perdem a vida nas estradas pelo mundo – um a cada 24 segundos –, conforme dados da Organização das Nações Unidas (ONU), configurando-se hoje como a principal causa de morte de pessoas de 5 a 29 anos de idade.
Encontrar soluções para reverter esse panorama é tão importante que, em 2020, a Assembleia Geral da ONU declarou a década de 2021 a 2030 como a da Segurança nas Estradas e estipulou a meta de evitar, pelo menos, 50% das fatalidades e ferimentos causados pelo tráfego até 2030. O terceiro domingo de novembro, inclusive, é marcado como o Dia Mundial em Memória das Vítimas de Acidentes de Trânsito – que neste ano cai em 20 de novembro.
Para aumentar proteção dos indivíduos, é necessário aliar diminuição de velocidade e redesenho das vias urbanas
Segurança e carros se locomovendo rapidamente em ruas onde há indivíduos, comércio, cruzamentos e curvas são incompatíveis. Essa visão é defendida tanto pela Strong Towns como pela Smart Growth America e pela Nacto, que acreditam que a redução dos limites de velocidade precisa estar associada à qualificação do design desses espaços – projetados para os veículos fluírem sem perder tempo – para que se consiga desenvolver lugares protegidos, animados e produtivos para os seus residentes.
Em vídeo publicado em seu canal no YouTube, a Smart Growth America apresenta detalhes de como o incremento da velocidade nas vias reflete no crescimento do risco de acidentes com morte. Segundo o material, feito em parceria com a National Complete Streets Coalition, nas ruas com limite de 20 milhas por hora (32 quilômetros por hora) a possibilidade de fatalidades é de 5%, nas com 30 milhas por hora (48 quilômetros por hora) sobe para 45% e nas de 40 milhas por hora (64 quilômetros por hora) esse índice chega a 85%.
As vias excessivamente largas, mesmo que possuam calçadas e lojas em seu entorno, incentivam os motoristas a dirigirem mais rápido, afirma a Smart Growth America. A proposta para alterar esse contexto, demonstra o vídeo, é utilizar o design para encorajar a desaceleração dos automóveis. E isso pode ser feito através do planejamento de ruas mais estreitas – que despertam a sensação de enclausuramento, conceito que aborda a relação entre a altura dos prédios e outros elementos verticais e a largura das vias, trazendo aconchego –, da colocação de árvores e equipamentos urbanos nos passeios públicos e da instalação de faixas de pedestres fáceis de serem visualizadas. Extensões de meio-fio, ilhas de segurança, separação das bicicletas dos carros e faixas exclusivas para ônibus são outras sugestões listadas.
Essas medidas dão dicas para os motoristas sobre a presença de cidadãos na área e os ajudam a ficar mais atentos e cuidadosos, assim como a elaboração de cruzamentos seguros, com rampas de acesso e faixas de pedestres. Quanto maior for a distância que a pessoa tiver que atravessar, mais espaços os condutores possuem para fazer curvas em alta velocidade, alerta a Smart Growth America. Outro ponto avaliado no vídeo é que a as faixas livres à direita para a conversão de veículos também aumentam os riscos para quem caminha e pedala. Isso porque esse design de rua não exige que os motoristas diminuam a velocidade com que estão se deslocando. A remoção dessas pistas é vista como uma ação para elevar a proteção dos indivíduos e ainda como uma alternativa para a criação de novos ambientes para os habitantes andarem e para se ter um café ou outro negócio na calçada.
Em seu artigo, Alex Engel e Kate Fillin-Yeh, da Nacto, citam outras iniciativas que podem ser adotadas com o propósito de incrementar a segurança dos moradores, como por exemplo conhecer onde estão as vias com problemas e quais são as dificuldades enfrentadas por aqueles que precisam usá-las. Além disso, argumentam que é necessário rever os critérios e métodos empregados para determinar os limites de velocidade, se basear em projetos de ruas que obtiveram resultados positivos e deixaram os locais mais dinâmicos, priorizar o transporte coletivo e documentar e compartilhar resultados alcançados pelas cidades com seus redesenhos.
Modificações realizadas em Manhattan reduzem mortes no trânsito em mais de 30%
Na região da First e da Second Avenues, em Manhattan, em Nova York (EUA), uma série de medidas foram implementadas para melhorar a experiência de quem caminha, dos ciclistas, usuários do transporte público e motoristas. Alex Engel e Kate Fillin-Yeh descrevem as soluções que foram concretizadas pelo Departamento Estadual de Transporte nessas avenidas para aprimorar a segurança das pessoas e a ocupação dos espaços urbanos.
Entre elas estavam a sincronização dos semáforos para velocidades mais lentas com o objetivo de desencorajar os condutores a correrem e a marcação de pistas exclusivas para os ônibus. Foram instaladas também faixas de pedestres nos pontos onde os cidadãos queriam atravessar a rua, o que facilita com que elas sejam utilizadas, e a definição de tamanhos adequados das pistas para a circulação de ônibus e caminhões. Foram ainda construídas ilhas de segurança para os indivíduos conseguirem cruzar as amplas vias de maneira protegida e barreiras para separar as vagas de estacionamento das ciclovias.
Nos lugares de Nova York onde foram efetuadas mudanças, os acidentes com mortes tiveram uma diminuição de 34% apontam os autores em seu artigo para a Smart Growth America. Eles complementam com um exemplo do município de Fremont, na Califórnia, que documentou toda a intervenção feita em um perigoso cruzamento da localidade e que serviu de base para outros redesenhos. Com as alterações promovidas, a cidade conseguiu reduzir em 45% os acidentes com óbitos ou ferimentos graves entre 2015 e 2020, reforçando a importância do design para a proteção das pessoas.
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