moradias

Recente pesquisa sobre o assunto investiga como a edificação de mais arranha-céus em Nova York reduz os valores de locação e de compra de imóveis vizinhos. O levantamento junta-se a outros efetuados ao longo dos anos que analisam a relação entre novos empreendimentos, moradias e os preços dos aluguéis e colocam algumas certezas sobre o tema em xeque.

A crescente demanda por habitações e o aumento dos valores de locação em diversas localidades pelo mundo dificultam o acesso à moradia e reacendem os debates sobre os reflexos da construção de mais unidades nos preços de aluguel e de venda das residências. As discussões sobre a questão contrapõem duas percepções distintas: de um lado aqueles que argumentam que novos desenvolvimentos com taxas de mercado elevam os estoques de imóveis, ajudando a diminuir a busca por habitações existentes e os valores das locações, e de outro pessoas que defendem que esses empreendimentos atraem famílias de alta renda e amenidades – como restaurantes, cafés e comércios –, encarecendo os aluguéis e empurrando mais indivíduos para regiões afastadas dos centros dos municípios e com pouca infraestrutura.

Um dos estudos mais atuais sobre o assunto, o “Do New Housing Units in Your Backyard Raise Your Rent? (Novas Unidades Habitacionais no seu Quintal Elevam seus Aluguéis)”, publicado no Jornal de Economia Geográfica da Oxford Academy, no final de 2021, revelou que o acréscimo de mais moradias diminui ou desacelera o incremento dos preços de locações de residências que ficam até 500 pés de distância (152,4 metros). Elaborada pela economista da empresa Moody’s Analytics, Xiaodi Li, a pesquisa avaliou o impacto de arranha-céus que obtiveram licença para serem erguidos na cidade de Nova York entre 2003 e 2013 sobre os aluguéis em suas vizinhanças. Ela verificou ainda que essa redução dos valores ocorre ao mesmo tempo em que comodidades de consumo são introduzidas nos bairros.

Para Xiaodi, a oposição aos arranha-céus pode “exacerbar a crise de acessibilidade habitacional e aumentar os encargos de moradia para inquilinos locais”. Entre 2000 e 2010, foram aprovadas 1.141 novas edificações desse tipo, sendo a maioria delas implementada em áreas centrais da metrópole dos Estados Unidos ou ao longo das principais rotas de transporte. Em seu levantamento, a economista descobriu que os efeitos da construção desses prédios são menores nas comunidades próximas do Centro de Nova York, possivelmente em razão da demanda mais elástica nessas regiões, e que nos bairros mais afastados eles são mais brandos também nos edifícios de aluguel mais baixo. Em geral, o estudo identificou que, dentro de um raio de 152,4 metros, para cada elevação de 10% nos estoques de imóveis residenciais há uma diminuição de 1% no preço das locações do entorno. O mesmo ocorre com os valores das unidades para venda presentes nessa mesma distância. Em lugares mais longe do centro urbano da cidade, a redução dos aluguéis pode chegar a 2%.

A diminuição mais significativa encontrada por Xiaodi foi nos empreendimentos voltados para pessoas com renda média. Ela explica que isso está relacionado ao movimento provocado pela edificação dos arranha-céus, que fazem com que vizinhos mais ricos se mudem para as novas habitações, deixando as antigas vagas para a classe média. Assim, há um crescimento da oferta e, consequentemente, uma redução dos preços das locações e para a compra dos imóveis. Esse processo é chamado de filtragem e promove uma reação em cascata, que atinge a outras faixas econômicas, abrangendo todo o mercado imobiliário. Quando as famílias com rendimentos médios se transferem para as unidades deixadas pelos proprietários com poder aquisitivo maior, as suas residências ficam vazias e mais acessíveis a cidadãos com rendas mais baixas.

Esse instrumento ganha ainda mais importância à medida que diferentes soluções são procuradas pelos governos para disponibilizar mais moradias para a população e com valores que atendam a uma gama maior de realidades financeiras. Para se ter uma ideia do contexto em Nova York, o preço médio do aluguel em Manhattan era de 4.094 dólares em agosto de 2021 e passou a 5.246 dólares no mesmo mês de 2022, segundo relatório da companhia imobiliária norte-americana Douglas Elliman divulgado em matéria da rede de notícias Spectrum News. “Uma das previsões durante a pandemia de coronavírus era que a cidade morreria, que as pessoas não gostariam de estar aqui. E observamos o oposto. Na verdade, os indivíduos retornaram e também vimos os valores das locações se elevarem extraordinariamente como resultado dessa volta”, afirmou à reportagem o diretor executivo do NYU Furman Center – centro especializado em pesquisas sobre habitação, vizinhança e políticas urbanísticas –, Matthew Murphy.

Além disso, a taxa de apartamentos vagos para o aluguel na faixa entre 801 dólares e 1.499 dólares é de somente 0,9%, de acordo com informações da New York City Housing and Vacancy Survey destacadas pela Spectrum News. “Isso é funcionalmente zero, então o que você vai conseguir encontrar (para morar)?”, questiona Murphy. Conforme ele, o cenário está se agravando, os desafios aumentando e exigindo ações em escala muito maior. “Não estamos erguendo residências suficientes para responder às necessidades de quem quer viver aqui, e os mais prejudicados são aqueles que estão em unidades desprotegidas, de baixa renda ou que não podem pagar o incremento nas locações”, reforçou a coordenadora de campanha da Housing Justice for All, Cea Weaver.

Revisão de estudos assinala relevância do tema e leva a novas opiniões sobre a questão

A produção de pesquisas sobre a edificação de mais moradias e o seu reflexo nos preços dos imóveis vizinhos foi intensificada nos últimos anos, resultado da importância que o assunto ganhou diante do panorama atual de falta de habitações e de aluguéis mais caros registrados em inúmeras cidades dos Estados Unidos e de outros países. Os dados apurados abriram novas frentes de debate e levaram lideranças e políticos a alterarem seus posicionamentos sobre o tema, como foi o caso do senador democrata Jabari Brisport, de Nova York, que após o contato com artigos do NYC Furman Center e de Xiaodi Li publicou, em setembro de 2022, em seu Twitter que “está claro que a construção de unidades a valor de mercado não aumenta o preço das locações próximas”.

Os pesquisadores Shane Phillips, Michael Manville e Michael Lens, todos da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), divulgaram em 2021 relatório com uma revisão da literatura já realizada sobre a questão no trabalho “Research Roundup: The Effect of Market-Rate Development on Neighborhood Rents (Resumo do Estudo: o Efeito do Desenvolvimento a Taxas de Mercado nos Aluguéis de Bairro)”, como ressalta artigo do The Urbanist, organização sem fins lucrativos sediada em Seattle (EUA). Em seu texto, Phillips, Manville e Lens declaram que há um bom consenso de que novas residências mantêm baixos os valores das moradias em regiões de alta demanda.

Entre os materiais reavaliados está a pesquisa de Evan Mast, “The Effect of New Market-Rate Housing Construction on the Low-Income Housing Market (O Efeito da Construção de Novas Habitações a Taxas de Mercado no Segmento de Imóveis de Baixa Renda)”, lançada em 2019, que trata também do mecanismo de filtragem, porém focado nas unidades voltadas para pessoas com rendimentos menores. Mast analisou essa migração em 700 empreendimentos multifamiliares com preço de mercado e identificou que o ciclo de indivíduos se transferindo para as novas moradias e outros alugando ou comprando suas antigas residências e assim por diante cria uma folga no mercado imobiliário de baixo custo. Impacto esse que ocorre dentro de um período de cinco anos, segundo o autor. Ele descobriu ainda que 67% das mudanças eram na mesma área metropolitana, indicando que as habitações mais recentes não foram “instantaneamente engolidas pela demanda externa”.

Além desse levantamento, são abordados os estudos de Xiaodi Li e os de Kate Pennington, “Does Building New Housing Cause Displacement? The Supply and Demand Effects of Construction in San Francisco (A Construção de Novas Moradias Causa Deslocamento? Os Efeitos da Oferta e Demanda da Construção em São Francisco – EUA)”, de 2021, e de Andreas Mense, “The Impact of New Housing Supply on the Distribution of Rents (O Impacto da Nova Oferta Habitacional na Distribuição de Aluguéis)”, de 2020. Em comum, as três pesquisas encontraram valores de locações decrescentes em bairros e municípios onde novos empreendimentos a preços de mercado foram concluídos. Em sua investigação, Kate verificou também que o risco de deslocamento de pessoas caiu 17,1% a 100 metros do local onde estava sendo erguida uma edificação. Tanto o material de Xiaodi como o de Kate obtiveram evidências de efeito de demanda, com o aumento das reformas residenciais, rotatividade de negócios e abertura de restaurantes.

Para o editor júnior do The Urbanist e autor do artigo, Shaun Kuo, as informações reunidas pelos estudos devem apoiar o argumento de que a moradia a valores de mercado precisa complementar outras estratégias para a maior disponibilidade de imóveis. “A última coisa que as cidades devem fazer é forçar os desenvolvedores de projetos com preços de mercado e acessíveis a uma competição acirrada, restringindo severamente os lugares que permitem que os empreendimentos sejam construídos, o que apenas eleva os custos da terra e das habitações, resultando em menos unidades para todos”, enfatiza ele no artigo.

 

Cenário dificulta o acesso de jovens trabalhadores e grupos minoritários à casa própria e a aluguéis compatíveis com suas rendas

No começo de 2022, a rede social Tik Tok passou a ser o espaço para um tipo de conteúdo diferente: relatos de aumentos excessivos nos valores das locações nos Estados Unidos. Feitos em sua maioria por inquilinos na casa dos 20 a 30 anos, as revelações, que começaram com alguns poucos vídeos, invadiram a plataforma com histórias como a de uma moradora que teve o seu aluguel reajustado em 48%. Ao coro de reclamações, juntaram-se pessoas que viram os preços das locações saltarem de 2.500 dólares para 4.950 dólares, como descreve matéria da revista Curbed. A publicação detalha ainda que, em janeiro de 2022, cerca de 591 mil famílias deviam em torno de 1,97 bilhão de dólares em aluguéis atrasados somente em Nova York.

A escassez de imóveis associada aos valores mais caros das unidades disponíveis para a locação têm levado muitos jovens trabalhadores a buscarem empregos adicionais ou colegas de quarto para conseguirem pagar os custos com habitação, salienta reportagem da Reuters. Nesse contexto, entre os mais afetados estão os recém-formados e aqueles que acabaram de entrar no mercado de trabalho, que possuem poucas economias e não podem comprar uma casa. A matéria conta também o caso do residente de um apartamento no bairro Queens, em Nova York, de 23 anos, que fez um vídeo no Tik Tok falando sobre a fechadura da porta que não trancava após a recusa do proprietário de arrumá-la. Um ano e 230 mil visualizações depois, o problema continua o mesmo e o inquilino foi informado que o seu aluguel de 2,5 mil dólares seria aumentado em mais 1 mil dólares.

As cidades são diferentes, mas as histórias ouvidas pela Reuters seguem parecidas, como a de Skyler Lee, de 22 anos, que assinou junto com o namorado o contrato de locação de um apartamento de dois quartos em Austin (Texas) por um ano no valor de 1.950 dólares mensais. Pouco tempo depois de se mudarem, unidades parecidas com a de Skyler estavam sendo alugadas por 2,4 mil dólares por mês. Já na Costa Oeste do país, Celine Pun, 21, precisou dividir o apartamento de três quartos em Santa Bárbara (Califórnia) para tornar os custos mais acessíveis. Porém, quando a sua parte da locação de 600 dólares sofreu um acréscimo de 50 dólares mensais e alguns de seus cinco colegas foram embora, ela precisou encontrar um lugar mais em conta.

Nesse momento de pós-pandemia, de retorno de muitas pessoas paras as localidades e de maior demanda por imóveis, os donos de moradias podem pedir aos inquilinos que demonstrem rendas mais altas do que o exigido anteriormente, dificultando ainda mais o acesso à moradia de jovens e de grupos minoritários, complementa a reportagem. De acordo com a Reuters, locatários negros têm menos probabilidade de contarem com pais que possuam casas próprias e que consigam ajudá-los financeiramente, como pontua a professora de Política Urbana e Planejamento da Universidade de Nova York, Ingrid Gould Ellen.

Pesquisa recente da empresa imobiliária Zillow levantou que os inquilinos de cor (denominação usada naquele país para identificar afro-americanos, latinos, nativos americanos e asiáticos) precisam pagar depósitos de segurança mais altos e mais taxas de inscrição do que locatários brancos. Todos esses elementos juntos criaram um mercado em que garantir qualquer residência pode ser um grande desafio em algumas regiões. A estimativa para atender ao crescimento populacional apenas de Nova York é de que seja necessária a construção de cerca de 560 mil apartamentos até 2030, projeta relatório do Real Estate Board of New York, conforme reportagem do Spectrum News.

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