Shabbificação

Popularizadas a partir do final dos anos 1990, as pequenas comunidades de moradias instaladas em volta de um espaço compartilhado são uma opção para pessoas de diferentes idades e rendas que buscam recuperar um estilo de vida em que vizinhos se conhecem e interagem e pedestres e ciclistas são prioridade.

Um bairro dentro de outro. Essa é a proposta do arquiteto Ross Chapin para a construção de lugares mais vibrantes e com forte sentimento de pertencimento e de identificação. Ao reunir um número reduzido de habitações – entre oito e 12 unidades – em torno de um ambiente aberto em comum, como um pátio com jardim, uma rua tranquila para caminhar ou pedalar ou um beco recuperado, a convivência entre os residentes é incentivada e laços comunitários se formam. A procura por esse tipo de experiência e também por mais segurança tem levado um público diversificado a se mudar para os “pocket neighborhoods (bairros de bolso)”, termo criado por Chapin para designar esse tipo de planejamento urbano de pequena escala.

Essas vizinhanças podem ser implementadas em áreas urbanas, suburbanas e rurais, como descreve o site oficial do movimento, disseminado no fim da década de 1990, a partir do Noroeste Pacífico dos Estados Unidos – que abrange estados como Washington, Oregon e Idaho. Apesar das casas estarem próximas umas das outras, a privacidade é garantida no design desses locais, como reforça matéria da Forbes. Para isso, há uma atenção especial nos projetos para a disposição das janelas, portas e jardins individuais das propriedades, assegurando o espaço pessoal de todos.

Além disso, o desenho dessas comunidades prevê que as varandas da frente dos imóveis fiquem voltadas para o terreno compartilhado e que o estacionamento seja afastado das moradias, estimulando os indivíduos a caminharem pelas calçadas que rodeiam os ambientes verdes e a interagirem com os vizinhos. Essa conexão entre interior e exterior e o foco nos pedestres e ciclistas, deixando os carros em segundo plano, são outras características dos bairros de bolso. O lugar em comum ao ar livre é, inclusive, a peça-chave na idealização dessas áreas, sendo o elo que mantém a união e a vitalidade desses locais. Porém, esse espaço não costuma ser o único de uso dividido nessas estruturas, muitas delas contam ainda com um galpão de ferramentas e uma sala ou prédio, que pode ser utilizado para eventos, reuniões ou como acomodação extra para visitantes.

A manutenção e supervisão desses ambientes são feitas pelos próprios habitantes, cuidado que aumenta a sensação de segurança e o senso de comunidade, detalha a página do Pocket Neighborhoods. Essas vizinhanças diferenciam-se de um condomínio fechado porque há contato entre as residências com o restante do bairro tradicional em que estão inseridas. Em geral, elas dispõem a sua entrada e caixas de correios junto a uma rua da região e têm paisagismo e a fachada dos fundos de algumas unidades também direcionados para o lado de fora.

Com configurações e estilos distintos, as propriedades nessas comunidades podem ser unifamiliares, geminadas, conjunto de apartamentos, uma vizinhança para coabitação ou um grupo de moradores próximos que decide retirar suas cercas para estabelecer um novo lugar compartilhado em seus quintais. A quantidade de imóveis é outro elemento que pode variar, estabelecendo um aglomerado de bairros de bolso conectados por passarelas.

Essa flexibilidade associada à possibilidade de possuir casas de tamanhos menores que aquelas convencionalmente edificadas em um terreno para apenas uma habitação acaba atraindo famílias jovens com crianças, solteiros, pessoas mais idosas, casais que os filhos já saíram de casa, millennials (nascidos entre 1981 e 1996) e gerações mais novas. Conforme informações do site do movimento, esse formato funciona ainda para cidadãos com diferentes rendas e para a moradia acessível. Os bairros de bolso são ideais para quem deseja viver em uma área onde as relações entre vizinhos ocorram facilmente no dia a dia, afirmou Chapin em entrevista para a Forbes.

A oportunidade de fomentar comunidades em escala humana e meios de locomoção ativa, como andar a pé e de bicicleta, é um dos benefícios desse modelo de planejamento urbano. Outra vantagem assinalada pela revista é permitir desenvolvimentos mais densos sem expandir as cidades, implementando mais residências em um local anteriormente destinado exclusivamente para imóveis unifamiliares. Um dos desafios que a ampliação das vizinhanças de bolso encontra são as regras de zoneamento existentes em muitos municípios, acrescenta reportagem da Fast Company. Isso porque a maioria dos locais possuem normas que inviabilizam iniciativas dessa natureza. Mas, muitos planejadores urbanos estão vendo os pockets neighborhoods como uma maneira de elevar a oferta de casas e limitar o espraiamento, preservando o caráter dos bairros existentes, defende o movimento.

Third Street Cottages, o começo das pequenas comunidades de bolso contemporâneas

Oito chalés construídos em volta de um jardim compartilhado, com um edifício de uso comum, um barracão de ferramentas e estacionamento separado em Langley (Washington) foi o primeiro empreendimento de pocket neighborhoods concebido pelo arquiteto Ross Chapin. O Third Street Cottages, erguido em 1996 em quatro lotes para propriedades unifamiliares, tem unidades com cerca de 60 metros quadrados e lofts com em torno de 18,5 metros quadrados e já possuía as particularidades de design que iriam marcar as futuras vizinhanças de bolso.

Concretizado em parceria com os desenvolvedores Jim Soules e Linda Pruitt, o Third Street Cottages foi possível devido a uma alteração no código de zoneamento da cidade, desencadeada pelas dificuldades que o crescimento populacional e a demanda por mais habitações impõem a inúmeras regiões dos Estados Unidos e de outros países, como recorda reportagem da Forbes. A modificação possibilitou o dobro da densidade de moradias isoladas em todas as zonas unifamiliares, desde que a área do terreno fosse menor que 65 metros quadrados e a área total construída, inferior a 90,5 metros quadrados.

O nome do movimento foi dado por Ross enquanto esse projeto era realizado. De acordo com o site do Pocket Neighborhoods, a comunidade ficava afastada de uma rua com bastante fluxo, o que parecia para o arquiteto um “bolso guardando com segurança os seus pertences do mundo exterior”. Dessa forma, ele passou a chamar esse tipo de complexo de bairros de bolso e o termo acabou pegando. Após o Third Street Cottages, Ross – através da Ross Chapin Architects – e Joules e Linda – por meio da Cottage Company – efetuaram outras variações de pequenas vizinhanças, testando o mercado do entorno de Seattle, também em Washington.

Na sequência, outros empreendedores começaram a idealizar novas versões dessa maneira de viver, espalhando a solução urbana. Em 2011, depois de uma ampla pesquisa sobre o tema, Ross publicou o livro “Pocket Neighborhoods: Creating Small Escale Community in a Large Scale World (Bairros de Bolso: Criando Comunidades de Pequena Escala em um Mundo de Larga Escala)”. Na obra, ele reuniu dados sobre experiências históricas e mais atuais de vizinhanças menores e identificou os princípios de design que auxiliam na promoção do sentimento de pertencimento, na preservação da identidade, na privacidade das pessoas e no incentivo ao convívio.

Em 2019, foi a vez do município de Clarkston, próximo a Atlanta (Geórgia), ver um terreno baldio ser transformado em uma comunidade com oito residências erguidas em um lote onde já existiu um imóvel unifamiliar, lembra matéria da Fast Company. Com tamanhos que variavam de aproximadamente 23 metros quadrados a 46 metros quadrados, as casas custavam, naquele ano, entre 100 mil dólares e 125 mil dólares, cerca de 50% a menos que os valores de uma propriedade média naquele local.

Um bom lugar para a interação entre várias gerações

O senso comunitário, a segurança e a priorização das pessoas em vez dos veículos nos bairros de bolso tornam esses espaços indicados para crianças e idosos, que encontram um ambiente, respectivamente, para as brincadeiras e para terem autonomia na execução de suas atividades. O arquiteto Ross Chapin enfatizou em entrevista para a Forbes que essas vizinhanças são recomendadas para indivíduos em diferentes estágios de suas vidas. Para ele, essas áreas oferecem uma conexão tanto para cidadãos mais velhos, que podem se sentir solitários, como para jovens com famílias pequenas. Um encontro geracional benéfico para todos.

Ao contar com um local verde e outras estruturas compartilhadas, essas comunidades oportunizam ao público infantil a proteção necessária para se divertir longe dos riscos do trânsito, destaca a página do Pocket Neighborhoods. Os bairros de bolso também têm sido vistos pelo mercado como uma alternativa de habitação para idosos. Com o envelhecimento da população mundial, os municípios precisarão encontrar mecanismos para atender a essa parcela crescente da sociedade. No Brasil, por exemplo, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em 2021, aponta que o índice de pessoas mais velhas será de 40,3% em 2100. Em 2010, era de 7,3%.

O congresso Environments for Aging Expo & Conference, organizado pela revista Environments for Aging, em 2021, debateu como as pequenas vizinhanças podem ser adaptadas para suprir as necessidades de grupos específicos. Voltada para o desenvolvimento de espaços para idosos, a publicação trouxe naquele ano diversos atores dessa cadeia, entre arquitetos, empreendedores, engenheiros e profissionais da gestão da saúde, para falar sobre o design das unidades pensadas para esse público. Segundo os participantes, essas comunidades podem ser ajustadas para atingir mercados de baixa, média e alta renda e disponibilizar moradias individuais, duplex ou maiores. A conexão social e a caminhabilidade foram salientadas como as principais motivações para os maiores de 65 anos buscarem residências nesse tipo de lugar.

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