Pioneiro nas estratégias para o incentivo ao uso das bicicletas como meio de transporte, a nação europeia tem visto crescer entre os atores que elaboram as políticas públicas para a área o interesse sobre os efeitos que o ciclismo tem no bem-estar mental e na alegria das pessoas e na interação entre elas e com o ambiente urbano.
Com uma população de mais de 17,5 milhões de habitantes e 23 milhões de bicicletas – sendo mais de três milhões delas elétricas –, a Holanda é uma referência quando o assunto é mobilidade e o desenvolvimento de localidades que priorizam os pedestres e ciclistas em seus projetos urbanos. Cerca de 27% de todas as viagens realizadas no país são feitas pedalando, anualmente são percorridos mais de 15,5 bilhões de quilômetros, apontam dados do governo da nação. Apesar do índice elevado, o objetivo é adotar iniciativas que estimulem ainda mais os municípios a transformarem seus espaços e darem mais lugar para o ciclismo como principal opção para o deslocamento entre trajetos curtos, de até 15 quilômetros.
Além dos benefícios já conhecidos e pesquisados da utilização dessa maneira de locomoção para melhorar a circulação e os congestionamentos nas cidades, o meio ambiente e a saúde física das pessoas, a Embaixada Holandesa de Ciclismo (DCE, da sigla em inglês), uma rede pública-privada que atua no fomento desse transporte e reúne experiências, conhecimento e especialistas na área, observa que vem ganhando visibilidade entre os planejadores e formuladores de políticas do país o conceito de “fietsgeluk”. O termo pode ser traduzido como “felicidade no ciclismo” e indica uma maior percepção das qualidades emocionais, sensoriais e sociais que a bicicleta oferece e que por décadas foram ignoradas.
O bem-estar, a redução do estresse e o aprimoramento da saúde mental são alguns desses atributos desconsiderados por muitas administrações públicas como razões para apoiar a construção de mais ciclovias protegidas e ciclofaixas (demarcadas, em geral, pela pintura do chão). A interação social com diferentes usuários ao longo do itinerário e com o ambiente ao redor são outras vantagens ressaltadas pela Embaixada, que enfatiza que pedalar aperfeiçoa os lugares, com a retirada de vagas de estacionamento nas vias e a sua readaptação para locais com espaço para as bicicletas, o verde e playgrounds.
A associação entre andar de bike e alegria pode ser atestada por levantamento feito pela DCE: 59% de todos os ciclistas que usam esse transporte para trabalhar o relacionam à felicidade. A independência, conveniência e flexibilidade desse modal também são salientadas pela Embaixada entre os motivos para que mais municípios privilegiem as bicicletas entre suas soluções urbanas. Outro ponto reforçado pela entidade é que o ciclismo é um dos caminhos para se ter cidades mais saudáveis, vibrantes e acessíveis no futuro. Por ocuparem uma pequena parcela das ruas, esses equipamentos são uma forma mais eficiente e barata para movimentar indivíduos em regiões restritas, como os centros, do que um carro, por exemplo. A DCE defende ainda que, por ser mais divertido e seguro, muitos cidadãos devem ter a possibilidade de sentir a felicidade do ciclismo em suas localidades.
O governo da Holanda, que começou suas mudanças em prol das bicicletas nos anos 1970, tem a meta de elevar o número de quilômetros pedalados na nação em 20% entre 2017 e 2027, através do seu programa Tour de Force. A ideia é tornar essa alternativa de deslocamento mais atrativa para a sociedade revendo as redes de ciclovias e as conexões com o transporte coletivo existentes, os programas, financiamentos e tecnologias que podem ser utilizados para fazer com que pessoas de todas as idades usem as bikes em seus percursos.
Entre as medidas adotadas para alcançar esse resultado, o governo nacional possui incentivos financeiros, como um subsídio de viagem para ciclistas de 19 centavos de dólar por quilômetro andado para quem vai de bicicleta para o trabalho. Há também benefícios fiscais na compra ou aluguel desses equipamentos, bem como campanhas de conscientização, treinamentos educacionais para crianças e atividades para estimular que idosos continuem pedalando. Para saber mais sobre as ações que a Holanda promove para ser mais amigável para os ciclistas, leia matéria que fizemos para o nosso portal.
Cinco dicas de design para construir redes eficientes para a utilização de bicicletas
A felicidade e alegria descritas por quem pedala estão vinculadas ainda há fatores como a melhora na qualidade do ar e a uma menor poluição sonora, que ocorrem em lugares onde há uma redução dos veículos circulando e o aumento da quantidade de indivíduos caminhando, andando de bike e usando meios públicos de locomoção. O investimento em ciclovias pode diminuir expressivamente as emissões de gases de efeito estufa e os custos de transporte e evitar mortes em comparação com o aporte de recursos em outras infraestruturas de mobilidade.
A pesquisa “Protected Bicycle Lanes Protect the Climate (Ciclovias Protegidas Protegem o Clima)”, elaborada pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, da sigla em inglês) e apoiada pela Fundação FIA – Federação Internacional de Automobilismo, analisou os impactos que os sistemas voltados para a movimentação de bicicletas têm em Bogotá (Colômbia) e em Guangzhou (China). O levantamento estimou que essas redes de transporte evitam a emissão de em torno de 22 mil toneladas de gás carbônico ao ano na capital colombiana e aproximadamente 16 mil toneladas de CO2 na cidade chinesa. Isso equivaleria ao volume de carbono que seria sequestrado com o plantio de 300 mil a 400 mil árvores anualmente em cada localidade.
O relatório afirma que a construção de ciclovias protegidas é uma iniciativa altamente econômica para municípios de renda média, infraestruturas que acabam se pagando em menos de 12 meses. Foi calculado ainda que para cada 200 dólares gastos em rodovias cerca de uma tonelada de gases de efeito estufa são gerados por ano. No entanto, não basta implementar mais espaços para as bikes se eles não forem eficientes e bem conectados entre si e com outras opções de deslocamento, acredita a Embaixada Holandesa de Ciclismo.
O país possui um guia com os princípios básicos de desenho para planejar áreas seguras e qualificadas para quem pedala. O “Dutch Design Manual for Bicycle Traffic (Manual de Design Holandês para Tráfego de Bicicletas)” traz cinco dicas para edificar uma rede de ciclovias eficaz. São eles: coesão, retidão, segurança, conforto e atratividade, conceitos que podem ser adequados a maioria dos contextos dos municípios no mundo. No primeiro item, coesão, o objetivo é permitir que se vá de bicicleta a qualquer lugar da cidade e para isso é necessária a conexão com outros modais e opções de ligações entre a origem e os destinos dos ciclistas.
Já a retidão envolve a busca de um equilíbrio entre a distância e o tempo, minimizando os desvios que o indivíduo terá que fazer. Para isso, devem ser diminuídas as curvas, priorizado quem pedala nos semáforos e construídas ciclovias exclusivas ou separadas dos automóveis. Com isso, são reduzidos os esforços dos ciclistas, deixando esse transporte mais interessante para os usuários. Além disso, um bom projeto deve garantir a segurança social e viária das pessoas, outro elemento fundamental no design, baixando a exposição a poluente e ruídos e o estresse.
Por sua vez, o conforto está associado a tornar o ciclismo uma atividade agradável, o que pode ser alcançado através do cuidado com a instalação de um pavimento liso que diminui a vibração e uma sinalização intuitiva e bem-feita. A última sugestão, a atratividade, tem ligação com a criação de ambientes esteticamente bonitos e com qualidade para potencializar o ciclismo. Vegetação e água, com espaços verdes e abertos para o descanso, também chamam a atenção de quem anda de bicicleta. A combinação desses pontos contribui para que mais pessoas resolvam escolher esse equipamento para se locomover.
Experiências em localidades holandesas estimulam o ciclismo e aumentam a segurança
Utrecht, a terceira cidade mais amigável para as bicicletas no mundo – ela fica atrás de Copenhagen (Dinamarca) e de Amsterdam, segundo o Copenhagenize Index –, decidiu deixar a sua infraestrutura de ciclovias entre a universidade, casas estudantis e estação de transporte coletivo mais atraente, rápida e protegida para a circulação dos cerca de 65 mil alunos que estudam no município. Entre 2017 e 2018, conforme detalha a Embaixada Holandesa de Ciclismo, a rota entre a região habitacional de Overvecht e o Parque Utrecht Science foi qualificada. Mesmo com a maioria dos trechos para bicicleta já ser separada do trânsito motorizado nessa parte da localidade, ainda era preciso dividir o espaço com os veículos em algumas vias residenciais.
Para elevar a proteção dos usuários, essas ruas viraram ciclovias com asfalto vermelho para facilitar a identificação. Motoristas podem continuar trafegando nessas áreas, mas devem diminuir a velocidade, o que deve conquistar mais pessoas interessadas em pedalar e aproveitar os seus benefícios para a saúde e o bem-estar. Outra medida efetuada foi a colocação de bicicletários e ambientes verdes nessas vias alteradas para dar mais conforto aos moradores. A estação de trem de Overvecht também recebeu mais vagas para as bikes como forma de acomodar o crescente número de passageiros que chegaram com as melhorias efetuadas.
Uma ação distinta foi concretizada na rua Sarphatistraat, na parte central de Amsterdam, um trajeto popular para quem pedala na cidade. Apesar disso, a via não contava com lugar para aumentar o espaço para os ciclistas ou separar as bicicletas dos veículos. Em 2016, a região foi usada pela administração pública como um projeto-piloto para redesenhar a ciclovia. Por ter um trilho de bonde no meio da rua, o novo design acrescentou duas faixas de mão única, uma de cada lado. Esses trechos são de utilização prioritária das bicicletas, mas podem ser usados pelos carros, com limite de velocidade de 30 quilômetros por hora.
Após a implementação e avaliação dos resultados, algumas modificações foram promovidas para aprimorar a experiência dos cidadãos, como a inclusão de uma faixa extra para os pedestres e aprimoramento da sinalização ao longo do percurso e nos símbolos presentes na via. O retorno positivo dos ciclistas transformou as mudanças na Sarphatistraat permanentes e em uma referência para que outras partes do anel interno de Amsterdam virem ciclovias largas e asfaltadas e com trânsito amigável para as bicicletas.
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