Ocupando lugares que vão de jardins de condomínios, praças de bairros e canteiros centrais de avenidas a grandes parques públicos e terrenos, as florestas urbanas contribuem para o reequilíbrio do meio ambiente, filtragem de gases tóxicos e têm um importante papel educativo e cultural de valorização da flora regional.
As pequenas florestas urbanas vêm se disseminado por diversos países e municípios do mundo como uma forma localizada de responder aos enormes desafios ambientais que se impõem atualmente e de trazer o verde de volta às cidades. Essas áreas com vegetação nativa auxiliam no sequestro de carbono, que é a retirada do gás carbônico (CO2) da atmosfera, e na restauração da biodiversidade originária, atraindo insetos e novas plantas. Além disso, colaboram para a diminuição da temperatura e do ruído, aumentam a umidade do ar e a retenção de águas das chuvas e filtram gases tóxicos.
Esses são alguns dos benefícios dessas iniciativas salientados pelo botânico e paisagista Ricardo Cardim. Mestre em Botânica pela Universidade de São Paulo e diretor da Cardim Arquitetura Paisagística, o profissional recebeu, em 2021, um dos principais prêmios ambientais do Brasil, o Muriqui, concedido pela Reserva da Biosfera da Mata Atlântica (RBMA)-Unesco. Aliado a essas vantagens, há ainda um relevante fator cultural que coopera para o surgimento cada vez maior desses espaços. “Quando você traz uma floresta nativa da região para dentro do município, está mandando a mensagem para as pessoas de que ela é desejável e que essa vegetação é importante e digna de estar no convívio dos indivíduos. E você muda esse quadro terrível do País de que 90% da vegetação usada nas cidades é de origem estrangeira, se passa a valorizar a flora brasileira”, reforça o botânico.
Cardim desenvolveu uma técnica mais natural de restauração da Mata Atlântica, baseada na sua dinâmica competitiva-cooperativa, a Floresta de Bolso. Respeitando a evolução original das florestas, esse método possibilita um crescimento mais rápido das espécies, menor índice de perdas, baixo consumo de água, menos manutenção e pode ser implementado em pequenos locais, a partir de 15 metros quadrados, e em terrenos extensos. Em São Paulo (SP), cerca de 16 florestas de bolso foram criadas, relata o botânico, a maioria delas realizada com a participação de empresas e cidadãos voluntários. Experiências como essa oportunizam também a formação de vínculos entre as pessoas e o verde urbano e os seus reflexos positivos, especialmente entre os jovens.
Uma das principais características das pequenas florestas e das de bolso é utilizar espécies oriundas do lugar onde estão sendo instaladas, assinala Cardim. “Hoje, existem muitas evidências científicas de que quando se usa vegetação nativa regional se reequilibra o meio ambiente, se restabelece funções ecossistêmicas e se educa a população sobre a relevância dessa vegetação e da sua beleza”, afirma. Ele enfatiza que essas áreas com natureza, se forem bem-feitas, se adaptam com facilidade e tranquilidade a praticamente qualquer espaço. “Já fizemos florestas de bolso de Mata Atlântica de 15 metros quadrados, de dois mil e de cinco mil metros quadrados. Elas cabem dentro de pequenas praças, fundo de quintal, jardim de condomínios, grandes parques públicos e canteiros centrais de avenidas”, exemplifica.
Para plantar uma floresta urbana, observa Cardim, é preciso ter rigor técnico, projeto e alguém com conhecimento sobre botânica e ecologia para que seja elaborado um ambiente que não cause danos às estruturas adjacentes, que evolua rápido e não demande manutenção. Esses lugares devem ser planejados para terem durabilidade, capacidade de autorregeneração e de polinização e dispersão das sementes, complementa o botânico.
Comuns na Europa e em nações da Ásia, como Japão e Índia, as pequenas florestas nativas aprimoram não só a biodiversidade dos municípios. “Elas melhoram tudo: tanto a saúde das cidades como a das pessoas – a física e a psicológica”, ressalta. Conforme ele, várias ações de trazer a floresta para dentro das localidades têm sido concretizadas pelo planeta, de maneira que se possa ter uma harmonia entre a “paisagem ancestral, quando ela é florestal, e a cidade moderna construída”.
Método Miyawaki: inspiração para o desenvolvimento de milhares de florestas urbanas
Pioneiro na criação de uma técnica para a formação de pequenas florestas nativas, o botânico e professor japonês Akira Miyawaki (falecido em 2021) concebeu, a partir da década de 1970, um processo de plantio de espécies originárias para recuperar agilmente a vegetação em terras degradadas. Fundador do Instituto de Ciência e Tecnologia Ambiental da Universidade Nacional de Yokohama, também nos anos 1970, Miyawaki estudou e catalogou minuciosamente as espécies japonesas, recorda reportagem da National Geographic. Em 2006, ele recebeu o Prêmio Planeta Azul, que reconhece trabalhos de pesquisa científica que contribuíram para mitigar problemas ambientais.
“Ele inventou esse método de adensar as florestas de uma maneira muito diferente do que se fazia, com uma técnica que permite uma grande competitividade entre a vegetação, como ocorre em uma floresta nativa”, detalha o botânico e paisagista Ricardo Cardim, que é autor dos livros “Remanescentes da Mata Atlântica: As Grandes Árvores da Floresta Original e Seus Vestígios”, de 2018, e “Paisagismo Sustentável para o Brasil: Integrando natureza e humanidade no século XXI”, de 2022. No procedimento de Miyawaki, primeiro é feita uma pesquisa sobre as espécies indígenas da região e então as mudas jovens são plantadas juntas umas das outras e competem pela luz, o que faz com que elas cresçam mais rápido. “Assim você tem alta resiliência no sistema, porque se uma muda morre, ela é rapidamente ocupada por outras e a floresta segue vigorosa”, argumenta.
A popularização do método Miyawaki, segundo a National Geographic, aconteceu por meio do engenheiro industrial Shubhendu Sharma, que conheceu o botânico japonês durante a implementação, em 2009, de uma floresta na fábrica da Toyota na Índia, onde Sharma trabalhava. Impressionado com a rápida evolução do espaço verde, ele se tornou um voluntário de Miyawaki e testou os seus conhecimentos no quintal de sua casa. Em 2011, Sharma abriu a Afforestt, empresa com sede em Bangalore e em Nova Delhi, na Índia, que oferece serviços para o desenvolvimento de florestas nativas, sem fertilizantes químicos e livres de manutenção (depois dos três primeiros anos).
De acordo com informações do site da Afforestt, a companhia instalou 138 florestas e plantou mais de 450 mil árvores em 44 municípios de dez países. Já a metodologia de Miyawaki foi adotada para a constituição de mais de 3 mil florestas pelo mundo. Durante apresentação no TED, em 2014, Sharma comentou que um ambiente idealizado seguindo a técnica do botânico japonês cresce dez vezes mais rápido que uma plantação convencional e é 30 vezes mais densa. Além disso, declarou o engenheiro e ecoempreendedor, as pequenas florestas nativas têm 100 vezes mais biodiversidade, pássaros e frutos sazonais.
Sharma disse ainda que a Afforestt, que conta com um manual com o passo a passo para se ter uma pequena floresta e uma série de tutoriais em vídeo, disponível no seu canal no YouTube, utiliza biomassa local para corrigir e adubar o solo, podendo usar cascas de cocos esmagadas misturadas com palha de arroz ou pó de arroz com adubo orgânico. Depois das espécies serem plantadas, eles colocam grama ou palha de arroz para cobrir a terra para que a água da irrigação não evapore.
Retorno social e ambiental impulsiona criação de pequenas florestas na Holanda
Tornar a natureza mais acessível para as crianças e conscientizar a população sobre os desafios ambientais foram algumas das razões que levaram à implementação da primeira pequena floresta nativa da Holanda, em 2015, destaca matéria da National Geographic. Desde então, o conceito idealizado pelo botânico japonês Akira Miyawaki tem se espalhado entre as cidades e os proprietários privados daquela nação. A iniciativa foi lançada pela organização sem fins lucrativos IVN Nature Education, em Zaanstad, que conta com o seu próprio manual de instalação desses espaços naturais.
A entidade foi orientada pela Afforestt e o trabalho de concepção do local verde, assim como todos os demais que optam pelo método, começou pelo levantamento das espécies da região que seriam plantadas. Em 2021, existiam 144 pequenas florestas na Holanda e a perspectiva era de fechar aquele ano com cerca de 200, conforme o IVN Nature Education. Em geral, os projetos públicos da organização, que são efetuados em conjunto com escolas, membros das comunidades e municípios, ocupam uma área de 200 a 250 metros quadrados, o tamanho aproximado de uma quadra de tênis.
Nessas ações, que possuem um significativo papel educativo, os custos de instalação são divididos entre a IVN e as cidades, incluindo o treinamento de professores para dar aula nas florestas. Em Utrecht, que em 2021 tinha sete pequenos espaços de vegetação nativa, a solução é vista pelos administradores da localidade como uma maneira de enfrentar as ondas de calor e melhorar a retenção de água, mas o mais importante é o impacto social que esses lugares têm, aponta a revista.
Entre os resultados já obtidos pelas pequenas florestas na Holanda, estudo da Universidade de Wageningen, divulgado em abril de 2021, indica a presença de 636 espécies de animais nos 11 ambientes monitorados desde 2018 e 298 espécies de plantas, além daquelas colocadas originalmente, informa a reportagem. Os pesquisadores da instituição descobriram ainda que, em média, cada uma delas sequestrou em torno de 127,5 quilos de carbono em 2020.
Mas não é apenas a Holanda que vem chamando a atenção pela adoção dessa prática. O Reino Unido contava, em 2021, com 17 pequenas florestas urbanas e a previsão era fechar o ano de 2022 com mais 21 unidades, segundo a National Geographic. A tendência é que mais países da Europa utilizem essa metodologia, assim como outras nações, como a Índia e o Japão – que já possuem diversas iniciativas. A organização sem fins lucrativos SUGi, por exemplo, tem projetos inspirados na técnica Miyawaki em Cambridge (EUA) – que criou uma pequena floresta urbana em um antigo aterro sanitário –, em Glasgow (Escócia), Githima (Quênia), Karachi (Paquistão), Pirque (Chile), entre outras cidades. No Brasil, além de São Paulo, há ações nesse sentido em Belo Horizonte (MG).
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