Grandes lugares começam a ser edificados aos poucos. Essa é a visão que orienta os projetos de desenvolvimento incremental, que busca a criação de comunidades completas e mais fortalecidas a partir da implementação de complexos de menor escala que qualifiquem esses locais.
Em sintonia com os princípios do Novo Urbanismo, de planejar municípios e bairros mais caminháveis, menos espraiados e dependentes dos carros e com maior senso de comunidade, o desenvolvimento incremental incentiva a construção gradual das regiões através de pequenos empreendimentos que promovam um impacto significativo e que possam ser aprimorados com o tempo. O objetivo é disponibilizar mais moradias em áreas que já possuem infraestrutura e estão próximas aos centros das cidades e do transporte público.
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Essa forma de urbanismo de menor escala tem entre suas vantagens os custos e riscos mais baixos e os projetos com foco nos cidadãos, como destaca matéria do Planetizen. Além disso, oportuniza que pequenos empresários atuem em conjunto para a implementação de bairros completos, mais diversos e sustentáveis social e economicamente. O desenvolvimento incremental pode ser adotado para a edificação de habitações médias (casas geminadas, duplex, tríplex ou prédios de poucos andares), comércios de menor porte, unidades residenciais acessórias ou até mesmo imóveis para hóspedes, explicam o diretor da Anderson-Kim Architecture & Urban Design, John Anderson, e o diretor da Kronberg Urbanists + Architects, Eric Kronberg, em entrevista para o Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU).
Qualquer grande comunidade ou localidade costuma ser erguida em pequenos pedaços, reforça Anderson, ao lembrar de lugares como o Brooklyn Heights, em Nova York, Back Bay, em Boston, Charleston (Carolina do Sul) e Nova Orleans (Louisiana), nos Estados Unidos, que passaram por aperfeiçoamentos e aumentos ao longo dos anos. Para Kronberg, que trabalha recuperando espaços degradados, o desenvolvimento incremental é uma forma mais eficaz de assegurar que os moradores permaneçam em suas regiões e de fortalecer e revitalizar os bairros.
Ele acredita também que elaborar um projeto de qualidade para áreas onde há infraestrutura oferece mais chances para a criação de comunidades inclusivas, levando os benefícios do urbanismo para as pessoas que vivem nelas e buscando reduzir os deslocamentos populacionais. Outra observação feita por Kronberg é que essa maneira de desenvolvimento é um caminho contrário ao que ocorre em muitos bairros e municípios, quando todas as construções existentes são derrubadas e substituídas por novos planos. O empreendedor afirma que, ao ter que edificar a infraestrutura do zero, o produto final acabará com um preço mais elevado, pois os custos para isso são maiores, o que pode resultar em habitantes tendo que se mudar para pontos mais afastados das cidades.
Até 2030, cerca de 75% da demanda do mercado imobiliário dos Estados Unidos será constituído por unidades de aluguel, ressalta Anderson, que vê potencial nesse segmento para os pequenos empreendedores se unirem e atenderem a essa necessidade. Segundo ele descreve, o candidato ideal para se envolver com desenvolvimento incremental é aquele que olha para uma loja fechada ou um estacionamento de cascalho em sua comunidade, pensa que algo deveria ser feito a respeito e procura os meios e as habilidades para realizar essa transformação.
O diretor da Anderson-Kim Architecture & Urban Design complementa que a chave nesse campo é não ver o prédio que será construído como um projeto em si, individual, e sim como uma peça que auxiliará na implementação de um bairro, que vai torná-lo mais estável e economicamente produtivo, assim como será a forma de colocar recursos no portfólio geral do pequeno empreendedor. A iniciativa, salienta Anderson, deve ser boa o suficiente, mas com espaço para melhorá-la adiante. Ele exemplifica que em um primeiro momento se ergue um edifício, depois se conquista um inquilino que aumenta a vizinhança, alguém que abre um café, restaurante ou administra uma creche e atrai mais residentes e valoriza os prédios erguidos.
Questionados pelo editor do jornal Public Square, Robert Steuteville, sobre em que lugares esses pequenos empresários deveriam efetuar seus projetos, Anderson recomenda ir para regiões que eles gostam e descobrir como esses ambientes funcionam, dedicando tempo para entender o porquê de querer empreender nessas localidades e como qualificá-las. Já Kronberg indica comunidades que possuam lotes vagos e que precisem de investimentos e novos preenchimentos, como moradia e comércio.
Tanto Anderson como Kronberg afirmam que, por serem ações de menor risco e, em geral, idealizadas em áreas com comodidades já instaladas, os pequenos empresários tendem a priorizar bairros caminháveis, com quadras menores e boas calçadas. Quanto mais conectada for a comunidade a ser reconstruída ou implementada, menos terreno e recursos serão alocados para disponibilizar estacionamentos e outras amenidades, como praças ou espaços verdes. Esse cenário eleva ainda a possibilidade desses empreendedores obterem lucro com seus prédios, assinalam os entrevistados.
Associação prepara e aproxima empreendedores para atuarem nesse campo
Para fomentar o ecossistema de desenvolvimento incremental e permitir que novos atores participem e se aprimorem, a Incremental Development Alliance foi fundada por urbanistas em 2015. A organização tem o propósito de compartilhar informações e promover treinamentos com a meta de fortalecer os bairros através de projetos imobiliários de menor escala. Outro fator importante para a aliança – da qual fazem parte John Anderson, que é um de seus fundadores, e Eric Kronberg – é conectar os indivíduos que estão fazendo esse tipo de trabalho para que eles possam se ajudar e aprender uns com os outros.
As atividades da entidade são centradas em workshops de um e dois dias, relata Anderson. O primeiro é destinado para quem deseja se tornar um pequeno empreendedor e faz uma introdução geral sobre o segmento e o segundo é para pessoas que já têm uma iniciativa no papel ou em andamento. Nesses casos, eles contam com um instrutor-aluno que irá auxiliá-los no detalhamento da ideia para que ela seja concretizada. O perfil dos integrantes das palestras e outras medidas da Aliança são cidadãos sem experiência nesse setor que desejam construir pequenos edifícios habitacionais ou de comércio em suas comunidades e representantes das administrações municipais, com os quais são tratadas questões sobre as regulamentações de uso do solo e as dificuldades enfrentadas pelos empreendedores de menor escala.
Nos Estados Unidos, já há projetos em diferentes etapas de desenvolvimento em regiões do Arkansas, como Bentonville, Springdale e Fayetteville, no entorno de Dallas (Texas) e na Flórida. Conforme Kronberg, existem também complexos em Atlanta e Savannah (Geórgia) e em Chattanooga (Tennessee), cidades do Sul daquele país que têm grandes bairros em mau estado e subúrbios esvaziados, com espaço para a edificação de residências e outras comodidades. Em Chattanooga, inclusive, a Incremental Development Alliance está trabalhando em parceria com a Lyndhurst Foudation e a Chattanooga Neighborhood Enterprise para facilitar a construção de moradias médias para melhorar as suas comunidades e possibilitar que a localidade se adapte às necessidades atuais de habitação ao mesmo tempo que preserva o patrimônio existente.
No entanto, para que essas e outras ações sejam viáveis, é preciso rever as regras de zoneamento dos municípios norte-americanos e de outras nações, grande parte deles ainda com restrições à execução de alguns tipos de edificações em determinados lugares, que mantêm comunidades onde apenas casas unifamiliares podem ser erguidas em um terreno. O Congresso para o Novo Urbanismo tem um programa que adota uma estratégia incremental para fomentar mudanças nessas normas estaduais e das cidades, o Projeto de Reforma do Código.
Por meio dessa iniciativa, são realizados treinamentos de funcionários dos governos locais sobre metodologias, alternativas de regramentos e divulgação de dados sobre alterações que obtiveram sucessos. De acordo com o CNU, essa abordagem possibilita que cada área defina o ritmo para as suas modificações e as prioridades para responder às necessidades de suas comunidades. O programa colabora para simplificar os processos de reforma de códigos, que são essenciais para garantir que ambientes mais caminháveis, equitativos e prósperos sejam criados.
Quinta Monroy, referência em desenvolvimento incremental que vem do Chile
Com o desafio de acomodar 100 famílias que por cerca de 30 anos ocuparam irregularmente um terreno de 5 mil metros quadrados no Centro de Iquique, na região do deserto do Atacama, no Chile, o arquiteto e urbanista Alejandro Aravena e o seu escritório Elemental encontraram no desenvolvimento incremental uma solução para evitar que os residentes acabassem deslocados para uma área periférica. O projeto para atender a essas pessoas foi concebido, em 2003, dentro do programa Vivenda Social Dinâmica Sem Dívida, do Ministério de Habitação daquele país, como recorda matéria do ArchDaily.
O subsídio por família disponibilizado por essa medida era de 7,5 mil dólares e deveria cobrir os custos relativos à compra do terreno e aos serviços de infraestrutura e de arquitetura. Esses recursos possibilitavam construir propriedades de somente 30 metros quadrados. Entre as diversas alternativas testadas pelos profissionais na época para melhor aproveitar o solo e assegurar que todos fossem atendidos, eles optaram por planejar prédios que tivessem apenas o térreo e o último andar.
Nesse sentido, foi elaborada uma tipologia que permitiu chegar a uma densidade relativamente alta que viabilizasse a compra do lote, que é muito bem localizado, com acesso ao transporte, empregos, educação e saúde. Ter a moradia perto do trabalho e outras comodidades era fundamental para que as famílias conseguissem se manter financeiramente e valorizar seus imóveis, defende Aravena. Dentro desse contexto, o arquiteto e sua equipe idealizaram um edifício que comportaria crescimentos futuros da estrutura.
Em vez de construir uma unidade de 30 metros quadrados, eles entregaram o que era possível fazer com a verba destinada e com aquilo que seria mais difícil para os residentes conseguirem pagar: banheiro, cozinha, escadas e paredes divisórias para uma habitação de 70 metros quadrados. Dessa forma, as famílias poderiam erguer, de maneira gradual e personificada, os 50% restante de suas casas e ampliar horizontalmente o seu espaço, como mostra o vídeo da Universidade Católica da Colômbia.
Os distintos modelos desenhados foram apresentados e debatidos com a comunidade, que passou a se chamar Quinta Monroy, que escolheu essa versão que oportuniza a expansão dos imóveis e o acréscimo de elementos individuais, sem que isso descaracterize o projeto e desvalorize o lugar. Além disso, foi criado entre as áreas públicas, as ruas e calçadas, e os espaços privados, as moradias, um ambiente coletivo para a socialização – uma propriedade comum a todos.