Shabbificação

Com a participação da população, o país escandinavo está mudando a configuração das vias de diversos municípios usando módulos flexíveis e temporários projetados para atender às demandas dos cidadãos, criando espaços para brincar, socializar ou deixar bicicletas no lugar de uma ou mais vagas para carros

A ideia da Cidade de 15 Minutos que vem sendo implementada por Paris (França) em seus bairros e que permite que os indivíduos realizem todas as suas atividades – morar, trabalhar e se divertir – com apenas uma caminhada ou pedalada de até um quarto de hora está sendo elevada a um outro patamar na Suécia. Para potencializar a transformação das ruas da nação e instalar uma estrutura viária que tenha os pedestres e ciclistas como prioridade em vez dos veículos, o país está colocando em prática uma visão de planejamento hiperlocal: a Cidade de 1 Minuto.

A iniciativa Street Moves, que é desenvolvida pelo órgão de inovação sueco Vinnova e pelo think tank de design ArkDes, atua na modificação das vias, uma a uma, a partir das necessidades específicas de seus habitantes. A meta é repensar todas as ruas da nação até 2030 para que elas sejam ambientes mais sustentáveis, saudáveis e vibrantes, conforme matéria da Bloomberg. A primeira fase da ação ocorreu entre 2020 e 2021 e abrangeu os municípios de Estocolmo, Gotemburgo e Helsingborg. Desde o ano passado e ao longo de 2023, será a vez Umeå, Hultsfred, Härnösand e Södertälje desencadearem alterações em suas vias.

Apesar do nome, a Cidade de 1 Minuto não pode ser compreendida de forma tão literal, isso não significa que tudo o que os residentes precisam está disponível em apenas um quarteirão, como ressalta reportagem do Fast Company. A proposta está mais relacionada com a possibilidade de diminuir o ritmo das ruas para que elas funcionem como as áreas públicas que são, explicou o gerente de Projetos do ArkDes, Daniel Byström, em entrevista para o site de notícias. Ele salientou ainda que o Street Moves demonstra que as vias podem ser otimizadas considerando as demandas do homem e da natureza. Byström reforçou também que a maneira como as ruas são projetadas hoje, com o foco nos automóveis, sem deixar espaço para outras funções, não é sustentável.

O programa sueco utiliza módulos interativos temporários que podem ser adaptados às necessidades identificadas entre os moradores da via que será mudada. Elaboradas pelo estúdio Lundberg Design, as unidades de mobiliário urbano são compostas por um kit com uma placa de base feita em madeira leve, mas resistente, e por peças (como bancos, mesas e floreiras, por exemplo) no mesmo material que podem ser montadas como um Lego, descreve o Fast Company, para criarem diferentes ambientes, como locais para as crianças brincarem, assentos para a interação social entre a vizinhança, suporte para bicicletas, estação de carregamento de patinetes elétricos, academias ao ar livre e até mesmo para uma horta urbana ou outras atividades que tragam a vida de volta para as ruas, detalha material do ArkDes.

Ainda segundo o think tank de design sueco, essa solução, por ser de fácil montagem, desmontagem e adequação a novos usos, pode ser entendida como um caminho intermediário para iniciar a transformação da paisagem urbana imediatamente, como um primeiro passo para alterar o planejamento dos municípios, no qual as pessoas são os protagonistas e não os carros. O mobiliário da equipe do Lundberg Design foi concebido para caber nas dimensões de uma vaga de estacionamento padrão. São os habitantes das vias que passarão por modificações que definem o quanto dessas áreas será destinado para a implementação dos módulos.

Essas estruturas, comenta o diretor de Design Estratégico do Vinnova, Dan Hill, em entrevista para a Bloomberg, podem ser unidades independentes ou serem configuradas para ocuparem uma rua inteira. Hill assinala que o conceito do Street Moves foi inspirado em “coisas como Lego ou (empresa de móveis) IKEA ou (jogo) Minecraft, onde você tem um sistema consistente que pode ser remodelado, adicionado ou ajustado”. Essas instalações, relata a reportagem, podem tornar as vias em lugares de sociabilidade e de mistura, articulando-se, cada vez mais, em bairros onde os espaços utilizados diariamente pelos seus residentes se estendem a céu aberto.

Mesmo sendo uma alteração que começa em blocos individuais, a ação da Suécia é flexível o suficiente para conseguir se expandir para toda a nação e ser adotada ainda por outros países. Hill afirmou ao Fast Company que as cidades existem na escala de ruas e quarteirões e que todo plano de um município é composto desses elementos e de blocos de construção. Essa é, para ele, a dimensão em que a boa vida nas localidades acontece. “Felizmente, já passamos dos dias em que o planejamento vinha de cima para baixo e era obcecado com a grande escala em detrimento dos cidadãos e do meio ambiente”, analisou.

Comunidade participa das decisões sobre as vias que passam por suas casas

Essa mudança promovida pela Suécia, assim como a de Paris e a que vem sendo efetuada nas superquadras de Barcelona (Espanha), precisa ser bem idealizada para que funcione. Isso porque, quando o assunto é redesenhar as ruas para ampliar o ambiente para os pedestres e ciclistas e reduzir o dos veículos, as cidades enfrentam pressão daqueles que apoiam a onipresença dos automóveis nas localidades. Muitos municípios, lembra a matéria da Bloomberg, dependem da receita do estacionamento nas vias para financiar outros serviços públicos.

Nesse sentido, para medidas como o Street Moves darem certo é necessário calcular como esses lugares podem diminuir os pontos destinados aos carros nas ruas sem prejudicar os orçamentos das prefeituras e oferecer aos motoristas uma comodidade que possa compensar a perda dessas vagas. Outra forma de obter sucesso com iniciativas com esse mesmo propósito é ouvir a população. O programa sueco, por exemplo, oportuniza que as comunidades colaborem na definição do design para suas vias.

A intenção do Street Moves é que cada um dos moradores da Suécia ajude a pensar, cuidar e aproveitar ao máximo o que está diante da porta de suas casas, de acordo com o The Local, site de notícias em inglês sobre o país. Esse envolvimento ocorre por meio de oficinas, consultas e workshops, nos quais os habitantes podem decidir sobre o quanto de área vai ser reservada para os estacionamentos e quanto será voltada para outros usos. A participação dos residentes nessa etapa dá voz para os indivíduos, que podem se manifestar sobre o que desejam para os seus espaços, e, ao mesmo tempo, oferece uma possibilidade de as pessoas utilizarem o ambiente a favor do seu bem-estar, destaca a matéria do site.

Já a reportagem do Fast Company acrescenta que essa abertura com a comunidade representa uma tentativa de dar aos moradores um controle mais direto sobre o lugar onde vivem e do seu entorno. Essa experiência poderia ser, inclusive, observada por outros municípios do mundo. Quando a estratégia passou a ser testada em quatro quarteirões distintos do Centro de Estocolmo, as crianças das escolas primárias presentes nessa região fizeram parte das oficinas de design para desenvolver as ruas. Entre as sugestões delas apareceram pedidos por balanços, plataformas de dança e para a pintura nas vias.

O diretor de Design Estratégico do Vinnova, Dan Hill, complementou na entrevista para o Fast Company que ter a população atuante nesse tipo de ação é fundamental para obter o melhor projeto para uma área e para auxiliar os cidadãos a se sentirem “donos da rua”. Para ele, essa interação contribui para que as medidas ocorram de uma maneira mais rápida e eficiente e que se debata, pesquise e que se faça protótipos sobre o que deve ser executado primeiro.

Retorno positivo e benefícios do Street Moves

A reconfiguração das vias públicas faz parte de um plano mais amplo do governo sueco para zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2045, adianta o Fast Company. No entanto, nove cidades do país pretendem alcançar esse objetivo antes, até 2030. Além das vantagens ambientais para a nação e a sua contribuição no combate ao aquecimento global, o Street Moves pode ajudar a elevar o tecido social, fortalecer o comércio e reduzir os índices de crimes nessas ruas transformadas, relata o The Local.

Iniciativas hiperlocais podem ainda se tornar a resposta para os maiores desafios urbanos da atualidade, defendeu o diretor de Design Estratégico do Vinnova, Dan Hill, em entrevista para o site de notícias. Programas como o da Suécia, ponderou Hill, que incentivam o transporte ativo – caminhar e pedalar – e espaços biodiversos e multiculturais, podem também amenizar problemas de saúde pública. Ele avalia que os conceitos de Cidades de 15 Minutos e de 1 Minuto buscam reorientar os municípios “em torno de pessoas e lugares”.

Em Estocolmo, uma pesquisa investigou as impressões dos indivíduos sobre as transformações realizadas nos primeiros quarteirões da capital sueca. Em setembro de 2021, foi registrado um incremento de 400% de vizinhos nas ruas, aproveitando os novos ambientes que passaram a ocupar as vagas destinadas para os veículos, conforme matéria do Fast Company. A maioria dos 322 entrevistados, cerca de 70%, declarou também estar feliz ou muito feliz com as mudanças, mesmo com a retirada dos estacionamentos, agrega artigo do Daily Scandinavian, canal de notícias sobre os países escandinavos.
As lições aprendidas até agora pelo ArkDes ajudarão na implementação do projeto em outras cidades. Para isso, em 2021, o think tank de design elaborou um manual para que outras localidades tenham uma orientação sobre os principais processos e questões para colocarem em prática o Street Moves em suas vias públicas, segundo a Bloomberg.

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