Shabbificação

A China está na vanguarda na utilização de tecnologia de ponta para coletar e analisar dados em tempo real para prevenir ou reduzir engarrafamentos. Chamado de “Cérebro da Cidade”, esse recurso pode ser empregado ainda para qualificar a experiência nas localidades, diminuir o tempo de deslocamento e otimizar a aplicação dos recursos físicos e financeiros

Circular com mais agilidade pelas ruas é um dos benefícios que já pode ser sentido nos municípios que estão implementando o City Brain (Cérebro da Cidade, em tradução livre), sistema desenvolvido pela gigante Alibaba para aprimorar a gestão urbana das localidades através do uso de big data, computação em nuvem, inteligência artificial (IA) e outras tecnologias que estão despontando. Hangzhou, onde fica a sede da companhia, foi o primeiro lugar a adotar a ferramenta na China, em 2017.

Após um ano de funcionamento da plataforma de cidade inteligente (smart city), foi registrada uma redução de cerca de 15% nos congestionamentos em Hangzhou, no Leste do país, informa matéria da revista Wired. O que, até pouco tempo, era apenas roteiro de livros e filmes de ficção científica, hoje é realidade em mais de 20 municípios da Ásia, conforme artigo deste ano do Venturous Group, grupo chinês que atua na operação e investimento na área de Smart Cities.

O sistema reúne uma grande quantidade de informações de sensores de uma cidade, como vídeos de câmeras instaladas em cruzamentos de vias e dados de GPS sobre a localização em tempo real de carros e ônibus – como ocorreu em Hangzhou. Essas informações são então processadas por algoritmos em supercomputadores e alimentadas de volta em centros de controle para que os administradores possam tomar suas decisões. Em alguns casos, o processo é automatizado, funcionando sem a intervenção humana, explica artigo da Nesta – Agência de Inovação para o Bem Social do Reino Unido.

A China, na visão da Nesta, está na vanguarda do que deve ser uma cidade inteligente e o City Brain é uma demonstração de até que ponto o pensamento da nação sobre esse tema progrediu nos últimos anos. Elaborado inicialmente para solucionar o problema dos engarrafamentos de Hangzhou, uma metrópole com mais de 10 milhões de habitantes, a ferramenta está se tornando uma “nova infraestrutura para melhorar a capacidade de governança do município”, destaca material do site da prefeitura local. As mudanças colocadas em práticas fizeram com que a classificação de congestionamento da cidade caísse da segunda para a 35ª posição entre os municípios chineses, em 2020.

Outras vantagens observadas em Hangzhou, de acordo com a reportagem da CNN, foram a diminuição dos minutos e horas gastos nos deslocamentos dos veículos e a maior agilidade nos atendimentos de emergências, com caminhões de bombeiros e ambulâncias reduzindo em quase pela metade o tempo necessário para chegarem aonde eram chamados. Isso é possível porque a plataforma avalia os dados em tempo real para coordenar os sinais de trânsito na localidade e, dessa forma, aperfeiçoar o fluxo e aliviar ou prevenir os engarrafamentos, acrescenta matéria da revista The Week.

A riqueza de informações fornecida pelo City Brain possibilita também que as cidades façam análises globais sobre diversos assuntos ligados a sua gestão e ao seu planejamento, aponta o Venturous Group. A partir disso, os governos municipais podem destinar as verbas públicas de maneira mais eficiente, qualificar a governança social e promover o desenvolvimento urbano sustentável. Por sua vez, dados obtidos pelo sistema, como estrutura, ambiente e atividades sociais, podem auxiliar as localidades a determinarem a forma mais adequada de utilizar seus recursos físicos e resolver problemas pendentes relacionados ao espaço urbano, complementa artigo do site Hackermoon.

Além disso, a ferramenta pode vir a ser, na opinião do Hackermoon, um dos mecanismos mais competentes para melhorar a vida dos moradores de uma cidade, já que empresas e pessoas seriam atendidas com mais precisão e eficácia pelos serviços disponibilizados. Um dos exemplos apresentados é o do transporte coletivo, que passaria a operar em sintonia com as demandas reais de seus usuários. Outro fator assinalado no artigo, é que o City Brain traria avanços no segmento industrial urbano, com as informações processadas pela plataforma sendo empregadas como a base para a transformações dessas companhias tradicionais em novas empresas.

Mas, para que o sistema opere com sucesso, indica o Venturous Group, é preciso de uma parceria entre administrações públicas (para que liberem o acesso aos seus dados) e diferentes parceiros. A tecnologia de código aberto, aprendizado de máquina e inteligência artificial são essenciais para a evolução e a inovação contínua dos municípios, relata o artigo do grupo chinês. Essas tecnologias, segundo a companhia, contribuirão no enfrentamento aos inúmeros desafios que surgem no crescimento urbano.

Solução chega a outros países

O City Brain também está sendo usado pela localidade chinesa de Suzhou, que fica a Oeste de Xangai e tem cerca de 11 milhões de residentes. A ferramenta vem auxiliando a cidade a funcionar com mais eficiência e segurança através da liberação de uma quantidade expressiva de dados sobre transporte coletivo, turismo, aparência do município e de vários setores administrativos da prefeitura para o departamento de segurança pública, salienta artigo do Venturous Group. A plataforma tem permitido ainda a integração e análise de informações em tempo real de distintos sistemas de gestão urbana e secretarias do governo.

Depois da China, foi a vez da Malásia implementar o City Brain em sua capital, Kuala Lumpur, recorda o Venturous Group, em 2019. A primeira etapa do programa envolveu a administração do tráfego para aprimorar a mobilidade na localidade, diminuir os congestionamentos e facilitar outras tarefas, como a identificação de acidentes de trânsito. O pesquisador de aprendizado de máquina da Alibaba Cloud, uma das empresas do Grupo Alibaba, Wanli Min, afirmou em entrevista para a revista Wired que a Malásia era para a companhia um “país com enorme potencial para adotar computação em nuvem, inteligência artificial e big data devido a sua rápida velocidade de transformação digital e à demanda do setor público e privado”.

Outras experiências com a ferramenta estão ocorrendo em lugares como Dubai (Emirados Árabes Unidos) e em Wolfsburg (Alemanha). Na primeira cidade, o City Brain está sendo utilizado no planejamento da rede de transporte coletivo, com o objetivo de aprimorar o serviço de ônibus. A expectativa, conforme o Venturous Group, é de um aumento de 17% no número de passageiros, uma redução de 10% no tempo de espera e de 5% na duração das viagens. Já no município alemão, as companhias Volkswagen e Siemens estavam testando um modelo de tráfego inteligente para ajudar os motoristas a prever quando viria uma onda de semáforos verdes.

O trabalho que vem sendo realizado em Barcelona (Espanha) também foi ressaltado pela Nesta – Agência de Inovação para o Bem Social do Reino Unido e pelo Venturous Group. O Barcelona Digital City opera uma rede de sensores idealizada com tecnologia de código aberto para agregar e compartilhar dados sobre qualidade do ar e níveis de ruído. Qualquer pessoa pode acessar as informações, assim como tem controle sobre como os seus dados são empregados. De acordo com a Nesta, ainda levará um tempo para que a plataforma se torne um “cérebro” que faça a conexão entre todos os serviços públicos da localidade.

Já em Toronto (Canadá), a cidade transferiu, em 2017, a responsabilidade de partes de sua infraestrutura para a Sidewalk Labs (empresa que faz parte do Google), segundo a Agência de Inovação para o Bem Social do Reino Unido. O projeto de desenvolvimento urbano inclusivo ao longo da orla Leste do município canadense envolveu a instalação de sensores e câmeras que registravam os níveis de poluição, fluxo do trânsito, clima, o comportamento dos usuários dessa área, entre outros dados. A meta era oferecer uma vivência mais amigável para os pedestres, na qual os semáforos inteligentes amenizariam o congestionamento e robôs fariam a coleta de lixo.

Segurança das informações e privacidade

O avanço da tecnologia traz consigo preocupações que precisam ser resolvidas com transparência. A proposta criada pelo Sidewalk Labs para Toronto, por exemplo, enfrentou problemas de confiança pública, lembra a Nesta – Agência de Inovação para o Bem Social do Reino Unido. Uma das principais especialistas em privacidade da iniciativa renunciou ao cargo, em 2018, devido à forma como os dados sobre os cidadãos estavam sendo usados. Em 2020, o projeto foi encerrado, conforme a companhia, por causa das incertezas econômicas provocadas pela pandemia de Covid-19.

Uma pesquisa da maior empresa de Internet da China, a Tencent, e da emissora estatal chinesa CCTV revelou que em torno de 80% dos entrevistados disseram estar receosos com o impacto da inteligência artificial em sua privacidade, detalha reportagem da CNN. O grande índice pode estar associado ao cenário atual do país, que está incrementando a vigilância e espalhando câmeras de reconhecimento facial. “As implicações são enormes”, enfatizou Gemma Galdon Clavell, cientista social que trabalha com a ética da tecnologia, em entrevista para a revista Wired. Ela alerta que não está claro como o City Brain utilizará as informações sobre as pessoas para oferecer serviços aprimorados, mas sim que os dados serão valiosos para perfis e atividades comerciais.

A cientista social pondera que esse tipo de mecanismo tem potencial para “grandes violações” de informações e que a tendência é caminhar para uma dependência “preocupante” de sistemas centralizados que podem falhar ou serem hackeados e prejudicar o funcionamento de instituições e espaços públicos. Já os apoiadores do City Brain, da inteligência artificial e de outras tecnologias destacam que, mesmo as cidades inteligentes mais desenvolvidas do mundo, ainda estão no começo de sua trajetória e que questões como a privacidade serão solucionadas. Um dos argumentos adotados para defender o City Brain, de acordo com a CNN, é que os seus benefícios superarão as preocupações no final, principalmente por assegurar que as localidades funcionem com o “mínimo possível de recursos”.

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