Shabbificação

Bairros planejados e prédios que decidem usar soluções de urbanismo centradas nas pessoas são vantajosos tanto para as localidades e seus habitantes como para os desenvolvedores imobiliários. Além de lugares mais qualificados e diversificados, o emprego dessas técnicas valoriza os projetos e o metro quadrado, agilizando as vendas

Aproximar moradia, trabalho e lazer, criando novos destinos dinâmicos e que são utilizados pelos indivíduos em diferentes horários do dia, é uma característica em comum dos empreendimentos que investem em bom urbanismo. Inspirados em conceitos como os do novo urbanismo – que incentiva a construção de espaços a partir da perspectiva humana e retira o protagonismo dos carros – e nas ideias de pensadores como a escritora e ativista Jane Jacobs e do arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, esses complexos têm reflexos positivos na forma de ocupação dos municípios e no bem-estar dos cidadãos.

A concepção de locais caminháveis e que são amigáveis para os pedestres, com mais conforto para esses usuários do que para os veículos, é uma das práticas do bom urbanismo salientadas pelo coordenador do Somos Cidade, empresário e fundador da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit), Felipe Cavalcante. A essas soluções ele acrescenta ainda o uso misto nos projetos, as fachadas ativas, o adensamento das regiões centrais dos bairros planejados e diversificação dos meios de locomoção dos residentes, possibilitando que eles realizem todas as suas atividades no próprio lugar.

Cavalcante pondera também que municípios adensados são mais sustentáveis e uma grande aposta na luta contra o aquecimento global. Isso porque as localidades compactas, em comparação com aquelas espraiadas para as periferias, diminuem o número de motoristas nas ruas já que os trajetos a serem percorridos são menores, e consequentemente as emissões de gases de efeito estufa são reduzidas, e há mais alternativas de transporte, incluindo o coletivo.

“Além disso, o que vem sendo adotado nesses complexos imobiliários são técnicas de desenho urbano que estão esquecidas no Brasil. As faculdades se preocupam muito com o planejamento urbano, que é uma escala mais macro e teórica, e menos com o desenho urbano, na microescala, na ambiência para as pessoas”, argumenta. Para Cavalcante, implementar essas práticas diminui a dependência de apenas um modal, que é o automóvel, estimulando as caminhadas e o ciclismo (mobilidade ativa). Andar a pé ou de bicicleta, ressalta o coordenador do Somos Cidade, permite que os indivíduos tenham um contato melhor com o espaço e impacta positivamente a saúde das pessoas.

A segurança coletiva e o reforço do senso de comunidade são outros benefícios do bom urbanismo para os municípios e os seus habitantes apontados por Marcelo Gomes, CEO do Cidade Pedra Branca, empreendimento que desde o final da década de 1990 vem transformando uma fazenda familiar em Palhoça (SC) em um bairro planejado na área Metropolitana de Florianópolis. “Essas soluções trazem ainda incentivo à criatividade, conforto, bem-estar, melhoria da renda, atração e retenção de talentos e alegria de viver”, complementa Gomes.

A criação de memórias afetivas é mais um dos aspectos favoráveis do investimento em bom urbanismo destacado por Fabiano de Marco, sócio e cofundador da Idealiza Cidade e desenvolvedor do Parque Una, em Pelotas (RS), bairro aberto instalado na localidade da Metade Sul gaúcha. “Noto que os indivíduos se relacionam bem com o ambiente, mesmo que não sejam moradores ou trabalhem ali. Isso porque eles possuem lembranças boas de um filho que pediu para ir brincar no parque ou de um amigo que convidou para tomar um chope. As pessoas querem ocupar os lugares e o Parque Una se transformou em mais uma opção de lazer, ajudando a deixar o município mais dinâmico”, assinala.

O bom urbanismo é também vantajoso para os empreendedores imobiliários, afirma Cavalcante. Segundo ele, a idealização de espaços urbanos que os municípios não oferecem atualmente faz com que os imóveis agreguem valor mais que os de outras áreas. “Isso reflete em uma valorização superior aos projetos que estão na vizinhança e não apresentam os mesmos recursos urbanos”, adianta. A maior velocidade na comercialização e na aprovação dos complexos são outros fatores citados pelo coordenador do Somos Cidade.

“Acredito que vale muito a pena investir (em urbanismo) e uma prova é que coloco todo o meu dinheiro nisso”, enfatiza de Marco. Ele analisa ainda que o bom urbanismo ocorre quando a área pública é utilizada de uma maneira segura e diversa pela população e que no momento que isso é alcançado o valor do imóvel aumenta. Hoje, revela o sócio e cofundador da Idealiza Cidade, o preço do metro quadrado do Parque Una alcançou o patamar de ser, pelo menos, 30% maior que o das demais iniciativas em Pelotas.

Já Gomes indica três formas de promover o urbanismo nos desenvolvimentos: regeneração de ambientes construídos degradados, mudando a percepção do local para melhor, ocupação de vazios urbanos, otimizando a aplicação de recursos públicos e privados do entorno, e expansão do tecido urbano, que atende um mercado em crescimento. “Cada uma delas enseja uma abordagem específica, porém todas se mostram muito atraentes tanto do ponto de vista social como de resultados econômicos para o empreendedor, pois, normalmente, esses projetos implicam modificações significativas na própria região de atuação bem como nos arredores e assim se tornam interessantes para os consumidores”, pontua o CEO da Cidade Pedra Branca.

Desafios para a disseminação do bom urbanismo e aprovação dos complexos

O desconhecimento do mercado imobiliário e dos profissionais de arquitetura sobre as boas soluções urbanísticas e seus efeitos na qualificação dos municípios e dos espaços para os seus residentes é uma das principais dificuldades atualmente no País para a expansão dos empreendimentos com essas técnicas na opinião do coordenador do Somos Cidade, Felipe Cavalcante. “Muitos desenvolvimentos com essas práticas não eram permitidos pela legislação brasileira, como o uso misto, as fachadas ativas e o adensamento das áreas centrais. Isso fez com que uma geração de arquitetos, planejadores urbanos e incorporadores não tivessem contato com esses técnicas, o que impacta na não produção de projetos dessa natureza e na falta de costume dos clientes com essas iniciativas”, relata.

Devido a esse contexto, detalha Cavalcante, muitas vezes, o consumidor não consegue ver as diferenças entre os tipos de projetos imobiliários. “Mas, depois que a primeira fase do complexo que adotou o bom urbanismo é entregue e o indivíduo vive no local, ele consegue entender melhor o que distingue os empreendimentos e passa a valorizar essas particularidades. O desafio está em explicar que as pessoas irão ter um ambiente distinto do que estão habituadas”, sustenta.

O entendimento dessas características e de seus reflexos pelas pessoas afeta na agilidade com que os imóveis são comercializados. Esse cenário ocorre, conforme o sócio e cofundador da Idealiza Cidade, Fabiano de Marco, porque há um desejo maior dos clientes em morar nesses lugares. “O Parque Una lançou a sua primeira torre de apartamentos no final de 2016 e agora estamos projetando o 20º empreendimento de incorporação e já ultrapassamos R$ 1 bilhão em vendas”, exemplifica de Marco. Ele conta que quando o desenvolvimento atinge resultados econômicos melhores que outros que não implementam soluções de bom urbanismo ele passa a influenciar o mercado como um todo. “Os indivíduos dão valor a terem uma associação de bairro e um complexo de uso misto”, reforça.

O sócio e cofundador da Idealiza Cidade comenta que a maior previsibilidade que os bairros planejados oferecem sobre como será uma região daqui a 10, 20 anos também torna esses projetos mais interessantes para os investidores de locação e de longo prazo, sendo mais um elemento na comercialização mais rápida das unidades. A velocidade das vendas é impactada por inúmeros fatores, agrega o CEO do Cidade Pedra Branca, Marcelo Gomes. “Invariavelmente quando o empreendimento toma a dimensão de urbanismo, sua comercialização é mais ágil para cada etapa do processo”, diz. E isso acontece, de acordo com ele, devido ao efeito positivo que esses desenvolvimentos têm na renovação dos locais.

Com relação à aprovação desse tipo de complexo, Gomes avalia que as melhores técnicas urbanas tendem a atrair a boa vontade dos órgãos públicos, dos agentes formadores de opinião e do público. Por outro lado, de Marco relata que há um alinhamento de interesses que diminui os pontos de conflito durante o processo de liberação de iniciativas com bom urbanismo, o que acaba por reduzir o tempo de aprovação. “O Parque Una em Pelotas recebeu a liberação em 12 meses, o projeto de São José dos Campos (SP), 24 meses, e o de Uberlândia (MG), 30 meses. O que para um município com mais de 700 mil residentes é um prazo muito bom”, descreve o sócio e cofundador da Idealiza Cidade.

Cidade Pedra Branca é referência em urbanismo e na priorização dos pedestres

Com uma população de 14 mil habitantes, 13 mil postos de trabalho, 10 mil estudantes e duas mil empresas instaladas em uma área de cerca de 250 hectares e 2,3 mil lotes em Palhoça, o Cidade Pedra Branca investiu em práticas urbanísticas como o respeito ao ambiente natural e à cultura local e à valorização das pessoas em vez dos carros nas decisões no planejamento do novo destino de Santa Catarina. No que diz respeito à natureza foram consideradas e conservadas as características da hidrografia, geologia, topografia, clima, flora e fauna. O desenvolvimento contou ainda com atenção especial à vida ao ar livre, às famílias, à jardinagem, ao rigor com a arrumação e limpeza, aos esportes, às artes, ao empreendedorismo e à sustentabilidade.

“Além disso, priorizamos os pedestres, com tudo ao alcance de uma caminhada de 15 minutos, adotamos a mistura de usos e funções e densidade”, recorda o CEO do complexo, Marcelo Gomes. A implementação do projeto foi iniciada em 1999, com o primeiro loteamento residencial. Inspirada pelas ideias do Novo Urbanismo, do Urbanismo Sustentável e da Cidade para Pessoas, difundido pelo arquiteto Jan Gehl, a iniciativa de estabelecer uma nova centralidade na área da grande Florianópolis traduziu esses conceitos através do desenho de ruas curtas, calçadas generosas e confortáveis e trânsito acalmado.

Instalando moradias, comércio, serviços, lazer, trabalho e educação a distâncias confortáveis para serem percorridas a pé ou de bicicleta, o bairro-cidade investiu também no mobiliário urbano, paisagismo, em fachadas ativas, marquises em abundância, prédios sustentáveis e na utilização de materiais de construção vernaculares (itens do lugar ou da região). Gomes observa que aspectos como segurança, senso de comunidade, qualidade da edificação e dos produtos empregados são os que mais atraem os clientes, assim como a vida na rua e vias livres de poluição visual, do ar e sonora.

O Passeio Pedra Branca, o “shopping a céu aberto” da localidade, foi elaborado para funcionar como um espaço de interação do empreendimento e reúne diversas das soluções urbanísticas listadas acima. O ambiente possui praça com espelho d’água, lojas, bares e restaurantes dispostos em uma área confortável, segura e atrativa, que possui calçadas de oito metros de largura e vegetação variada. O lugar aplica ainda o conceito de rua compartilhada nessa região, com passeios públicos sem meio-fio, ficando vias e calçadas alinhadas, o que facilita a mobilidade.

Sobre o relacionamento com os consumidores, bem como com os corretores de imóveis, em desenvolvimentos como o Cidade Pedra Branca, Gomes argumenta que ele é de longo prazo, contado em décadas. “Portanto, essa relação deve ser franca, leal e de confiança mútua”, resume. O CEO do complexo em Palhoça analisa também que empreendimentos urbanos não são produtos que nascem prontos e acabados. “Mais que um projeto, eles são um processo que influencia a clientela e por ela são influenciados”, conclui.

Parque Una transforma área em novo destino para os pelotenses

“Crie espaço para as pessoas e elas virão”, defende o sócio e cofundador da Idealiza Cidade, Fabiano de Marco, ao falar sobre as técnicas urbanísticas empregadas no bairro planejado Parque Una, em Pelotas. Ele destaca que o primeiro movimento realizado pela empresa foi a construção de um parque público, que se tornou um novo destino na localidade, suprindo uma carência identificada na maioria dos municípios brasileiros: a falta de regiões verdes e de lazer. Foi essa a maneira escolhida pela Idealiza para apresentar o complexo aos habitantes da cidade, que passaram a ir até o lugar e a ter uma experiência positiva nele.

Com o fluxo de milhares de frequentadores no parque nos finais de semana ou de tarde, houve uma grande circulação na Casa Una, que é o showroom e ativador do ecossistema da iniciativa. No prédio, os indivíduos podem ir na cafeteria, na loja de souvenir, na cobertura ver o ambiente de outro ângulo e conversar com os corretores de imóveis. “Ali começou a ser uma fábrica de vendas natural (do Parque Una). As pessoas gostavam do parque e queriam viver perto dele”, assinala. Após o lançamento dos apartamentos, foram sendo inseridas lojas nas bases dos edifícios e elas se tornaram atrativas para os residentes e demais públicos.

O uso misto e as fachadas ativas foram algumas das práticas urbanísticas adotadas no empreendimento, que é inspirado em distintos livros, como os de Jan Gehl e Jane Jacobs, dos quais os desenvolvedores retiraram vários aprendizados. Do primeiro veio uma visão sobre como fazer a ocupação da área pública e de Jane a compreensão sobre os “olhos da rua”: como ter cidadãos caminhando pelas vias ao longo de todo o dia deixa os espaços mais seguros. “A partir disso, nosso olhar para o térreo e o segundo pavimento dos prédios passeou a ser diferente”, afirma.

Já a obra “Ascenção da classe criativa”, de Richard Florida, incentivou a Idealiza Cidade a conceber o Una Makers, um local de dois mil metros quadrados voltado para empresas de tecnologia. A proposta, segundo de Marco, é identificar e atrair startups e os principais cérebros do município para o projeto e, assim, acelerar o crescimento do Parque Una. Outra referência na concepção do complexo foi “Triunfo da Cidade”, de Edward Glaeser, que consolidou a importância da diversidade e de se ter um bairro aberto para impulsionar encontros entre pensamentos diferentes.

Instalado entre uma comunidade, um shopping e um condomínio de alto padrão, o Parque Una está se transformando em um ponto de conexão entre mundos diversos. Prestes a lançar o 19º empreendimento no final de 2023 e projetando o 20º, o bairro planejado possui hoje em torno de 2 mil moradores, 750 salas comerciais vendidas e uma variedade de negócios e serviços implementados, como a primeira escola infantil bilíngue de Pelotas (inspirada na instituição presente do Passeio Primavera do Cidade Pedra Branca), pet shop, padaria, academia, restaurantes e casa de carnes. “O varejo ainda está em processo de formação e em dezembro deve ser entregue um restaurante com 400 metros quadrados que irá movimentar a vida noturna na região”, adianta.
“Desenvolvimentos de bairros planejados com urbanismo são bons quando ocupam o lugar entendendo de cidades. Embora seja um conhecimento milenar, ele é inovador”, enfatiza de Marco. Para ele, mais que tecnologia de ponta, os complexos no atual panorama nacional precisam do básico: água, esgoto, drenagem, fachada ativa, uso misto, parques iluminados com paisagismo cuidados pelas associações de moradores.

O Parque Una teve o seu início em 2007, quando o terreno foi comprado, lembra o empreendedor. Em 2013 surgiu o desejo de fazer o bairro planejado, em dezembro de 2014 ele foi aprovado e em março de 2015 ocorreu o seu lançamento oficial. Já a primeira torre de apartamentos foi apresentada em 2016. Desde então, a empresa vem estabelecendo um relacionamento longo com corretores de imóveis e clientes. “Como estamos presentes na associação de bairro e somos atuantes na gestão do projeto, nosso contato com os consumidores é de 20, 40 anos”, frisa.

De Marco acrescenta que o Parque Una em Pelotas foi a primeira iniciativa da Idealiza e que hoje se expandiu para outras localidades do Brasil, com complexos em andamento em Porto Alegre (RS), Paulista (na grande Recife, Pernambuco) e em São José dos Campos (SP), por exemplo. “Mais do que planejar um novo ambiente, nosso papel é fazer uma boa curadoria e não um processo de antever tudo o que vai ser feito. Somos como um teatro, não sabemos quais serão os shows que virão no futuro, mas tentamos efetuar uma boa seleção para ter sempre bons espetáculos”, compara.

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