Shabbificação

Além de melhorar a qualidade do ar e reduzir os riscos de acidentes no trânsito, iniciativas que estimulam pais e filhos a se deslocarem de bicicleta ou a pé até suas instituições de ensino contribuem para a maior autonomia das crianças, ampliam a interação social e trazem uma nova percepção sobre o uso e a ocupação dos espaços públicos

O trajeto de casa até o colégio não tem sido o mesmo em diversas cidades que contam com programas para impulsionar o ciclismo e a caminhada entre as famílias com crianças pequenas. Saem de cena os engarrafamentos, os veículos estacionados em filas duplas e os ônibus parados aguardando os alunos embarcarem/desembarcarem nas vias públicas próximas de escolas – uma realidade comum em muitas instituições de ensino do Brasil e de outros países – e entram ruas com o ar menos poluído e mais seguras para os estudantes e seus pais circularem de bicicleta ou a pé.

Diferentes municípios pelo mundo vêm desenvolvendo projetos para fomentar a mobilidade ativa – caminhar e pedalar – entre os seus moradores, inclusive os mais jovens, e a adoção de comportamentos mais saudáveis e sustentáveis. Diminuir a utilização dos carros e, com isso, o risco de acidentes de trânsito e a emissão de gases de efeito estufa são outros benefícios que essas medidas estão proporcionando para as localidades, assim como melhorar a experiência de todos nos ambientes urbanos.

Em Londres (Inglaterra), por exemplo, a ação School Streets (Ruas Escolares) restringe o acesso dos automóveis à via em frente ao portão dos colégios no horário de início e fim das aulas, tornando mais fácil, protegido e agradável para os alunos fazerem o caminho entre suas residências e instituição de ensino a pé, de bicicleta, patins ou skate. Essas limitações para os veículos duram entre 30 a 60 minutos e só ocorrem durante os dias da semana e no período letivo – há exceções para os habitantes da região e também para serviços públicos. A primeira Rua Escolar da capital inglesa foi lançada no distrito de Camden, em 2017, segundo informações da prefeitura. Dois anos depois, já havia cerca de 90 School Streets em 20 bairros da cidade.

As iniciativas, que podem ser demandadas pelos moradores junto aos conselhos de seus distritos, que por sua vez seguem regras estabelecidas pelo Departamento de Transporte de Londres (TfL) para implementá-las e que é responsável pelo seu financiamento, foram expandidas durante a pandemia de coronavírus. Em 2022, já abrangiam em torno de um quarto dos colégios primários do município, totalizando 511 Ruas Escolares – todos os meses novos pedidos são solicitados por distintas comunidades. Conforme o governo local, caminhar era a principal forma como 58% das crianças com idades entre 5 e 11 anos iam às instituições de ensino no ano passado.

Estudo realizado pelo TfL mostrou que o School Streets tem forte apoio dos londrinos, com 77% dos pais e responsáveis pela educação de estudantes de 35 colégios favoráveis à manutenção das restrições aos carros a longo prazo. Além disso, 18% dos entrevistados relataram que usam menos o automóvel para levar seus filhos até a escola. O fechamento das vias para o tráfego no entorno das instituições no horário de chegada às aulas da manhã reduziu também os níveis de dióxido de nitrogênio em até 23%.

Entre os retornos já obtidos pelas Ruas Escolares, a prefeitura de Londres destaca a diminuição do trânsito nas novas zonas de School Streets do distrito de Islington de 50% durante a manhã e de 39% à tarde, entre agosto de 2020 e julho de 2021. Na Escola Primária Thornhill, no mesmo bairro, foi apurada uma elevação de 11% na quantidade de alunos que fazem o percurso de suas casas até o colégio caminhando ou pedalando, entre maio de 2019 e agosto de 2021. Por outro lado, o índice de crianças que eram levadas ou buscadas de carro nessa instituição caiu de 17% para 8%, no mesmo intervalo de tempo.

As Ruas Escolares vêm se configurando ainda em um importante mecanismo para auxiliar na redução da utilização dos veículos pela população da cidade que, de acordo com o Departamento de Transporte de Londres, tem cerca de 50% de suas emissões de gases de efeito estufa oriundas do transporte rodoviário. A poluição do ar, reforça o TfL, causa milhares de mortes prematuras todos os anos, assim como prejudica a formação dos pulmões em jovens e aumenta os casos de doenças respiratórias.

Dados da Iniciativa School Streets UK, organização que ajuda os municípios a criarem suas Ruas Escolares, indicam que o tráfego relacionado aos deslocamentos para os colégios representam 25% dos automóveis nas vias e acrescenta 254 mil carros por dia somente na capital da Inglaterra. Junto com a insegurança, estacionamentos ilegais e impacto ambiental que essa maior circulação traz, há outro fator que precisa ser considerado que é a sensação despertada nas pessoas que andam a pé ou de bicicleta de que as ruas não são para elas, o que pode ter reflexos permanentes na forma de aproveitar os espaços urbanos, principalmente nas crianças.

A socialização entre quem usa o School Street é mais um fator positivo do programa assinalado pelo governo de Londres, bem como o incentivo à prática de exercícios, o bem-estar proporcionado pela atividade física, os efeitos na saúde e a independência que os pequenos ciclistas ganham. Estudantes mais dispostos durante as aulas é outro aspecto a favor da ampliação das Ruas Escolares, que fazem parte do projeto Ruas Saudáveis efetuado pela prefeitura e que envolve a instalação de mais ciclovias protegidas no município, redução da velocidade permitida em alguns distritos e qualificação das calçadas.

Entre os desafios para que mais localidades implementem medidas como essas está o envolvimento da comunidade escolar, que é visto pela Iniciativa School Streets UK como um dos elementos mais importantes para o sucesso dessas ações. Para eles, pais e residentes bem informados são os melhores defensores da estratégia. Além disso, lugar para deixar as bicicletas junto às instituições é outro problema que precisa ser solucionado, uma vez que a maioria delas não possui mais área livre para esse fim.

Bicibús transforma trajeto para o colégio em festa para as crianças de Barcelona

Em vez de uma fila de automóveis em direção às escolas, o que se percebe de manhã em algumas vias da cidade espanhola são grupos de pequenos ciclistas acompanhados de seus pais ou responsáveis e por uma viatura da polícia urbana, todos embalados por músicas que animam e divertem os participantes do Bicibús (Ônibus de bicicleta), como descreve matéria da revista BCN-NY, publicação do mestrado em Jornalismo da Universidade de Barcelona e da Escola de Jornalismo da Columbia. A iniciativa conta com um itinerário fixo, hora de saída e chegada e com paradas ao longo do caminho para que as pessoas possam entrar e sair, detalha o BiciZen, uma plataforma colaborativa para tornar os municípios mais adequados para pedalar.

Para os integrantes do movimento, o Bicibús é uma maneira de reivindicar por localidades mais amigas das crianças e oferecer uma alternativa mais sustentável e segura de ir para a aula, assim como para promover a interação entre alunos das diferentes instituições de ensino que fazem parte dos percursos. Apesar de já existir em outras cidades do mundo, a primeira experiência nesse sentido na Catalunha foi em Vic, em 2020, chamada de Bus Bici, e logo se espalhou pela região até chegar a Barcelona, onde foi batizada de Bicibús.

Existem hoje cerca de 15 rotas espalhadas por Barcelona, operando dois ou três dias por semana, descreve reportagem do The Guardian. O jornal explica ainda que os trajetos em grupo acontecem apenas no horário de entrada dos estudantes porque muitas crianças têm atividades extracurriculares, como esportes e música depois do colégio, e nem todas elas terminam ao mesmo tempo. A Rede Barcelona Bicibús calcula que foram feitas cerca de 15 mil viagens nesse modelo durante o ano letivo de 2022. A segurança no caminho é garantida pelos adultos que nas sinaleiras bloqueiam o cruzamento para garantir que nenhum pequeno ciclista fique para trás e também impedir que eles furem o sinal. O funcionamento do grupo é comandado pelos pais através do WhatsApp.

Os entrevistados pelo The Guardian e que faziam o caminho pelo bairro Eixample foram unânimes em afirmar que o Bicibús eleva o sentimento de comunidade e oportuniza que as crianças tenham maior convívio social. Já os professores ouvidos disseram que os alunos chegam à escola revigorados e alertas. Da mesma forma que Londres, uma das dificuldades enfrentadas pelas instituições de ensino para que mais estudantes se integrem a esse tipo de programa é a falta de ambiente para guardar as bicicletas. Além disso, a Rede Bicibús de Barcelona apresentou à Câmara Municipal uma série de propostas para que as ruas sejam mais atrativas e protegidas para as crianças, como a construção de mais ciclovias, limite máximo de velocidade de 30 quilômetros por hora e a instalação de novas rotas.

Experiências de Ruas Escolares se multiplicam pelo mundo

Assim como Londres e Barcelona, outros municípios de variados países estão colocando em prática projetos para oportunizar que as crianças possam circular a pé, de bicicleta, de patins ou patinete pelas vias públicas com segurança e sintam que aquele espaço pertence a elas também. A Itália foi uma das nações pioneiras na elaboração de políticas na década de 1990 para viabilizar a ida dos alunos com proteção até os seus colégios. Desde então, a medida ultrapassou as fronteiras da Europa e chegou a lugares como o Canadá.

Em Vancouver, por exemplo, o School Street – com restrições à movimentação de automóveis no entorno das instituições de ensino nos horários de chegada e saída dos estudantes – começou em 2021 e atualmente conta com 11 escolas. A iniciativa faz parte do Plano de Ação para Emergências Climáticas da cidade, segundo a prefeitura municipal. Ainda conforme o governo local, entre 2022 até agora, 23% das famílias de estudantes do ensino fundamental ressaltaram que caminham mais e 33% dos alunos do ensino médio passaram a andar mais a pé. O levantamento apurou também que em torno de 500 famílias e estudantes do ensino médio tentaram caminhar ou pedalar até o seu colégio pela primeira vez e que 92% dos integrantes do ensino fundamental comentaram que as vias pareciam mais seguras.

Já em Edimburgo (Escócia) as Ruas Escolares foram introduzidas em 2015 e hoje estão ativas em 12 instituições de ensino primário da cidade, sendo que algumas delas participam desde o começo do programa. Além de proibir a maior parte do trânsito no entorno dos colégios, o limite de velocidade na zona determinada é de 30 quilômetros por hora durante os períodos de chegada e saída das aulas. Relatório de 2022 da Fundação FIA, criada em 2001 pela Federação Internacional de Automobilismo, revela que há no momento aproximadamente 1 mil School Streets pelo mundo, com mais da metade delas no Reino Unido (a maioria em Londres) e um grande número na Bélgica (mais de 170), França (150 apenas em Paris) e Itália (mais de 80).

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