Misturar os usos do solo, ocupar os espaços dos municípios de maneira racional e oferecer uma diversidade de opções de residências e de locomoção são alguns dos conceitos que norteiam o desenvolvimento inteligente de localidades. Com o envolvimento das comunidades, essa estratégia de planejamento resulta em lugares mais dinâmicos e com menos impacto ambiental
Com 8 bilhões de habitantes no planeta atualmente e a perspectiva de chegar aos 9 bilhões em 2037, conforme projeções da Organização das Nações Unidas (ONU), pensar o futuro das cidades e como elas irão se preparar para atender às novas demandas de moradia, mobilidade e sustentabilidade é o desafio que se apresenta agora para governantes, planejadores urbanos e desenvolvedores. Mas, de que forma os municípios podem se expandir e receber mais residentes otimizando a infraestrutura existente, preservando os ambientes verdes e sem se espraiar? Segundo a abordagem do Smart Growth (Crescimento Inteligente), isso pode ser feito através do uso misto do solo, da construção de localidades compactas e do fomento a diferentes meios de transporte.
Partindo do princípio que o espaço onde as pessoas vivem influencia o seu bem-estar e suas escolhas de deslocamento e alternativas de trabalho e lazer, o Smart Growth surgiu como uma política de desenvolvimento para disponibilizar casas para famílias de todas as faixas de renda em bairros onde elas possam realizar suas tarefas diárias sem precisar de um carro para esse fim, ressalta artigo da entidade Smart Growth America. Ainda de acordo com a organização – que dá assistência técnica para comunidades que buscam a transformação de suas regiões em destinos vibrantes e saudáveis –, o Crescimento Inteligente abrange o reinvestimento nas áreas centrais das cidades, idealização de ruas seguras para os indivíduos caminharem, pedalarem e andarem de ônibus, metrô e trem e a promoção de lugares mais prósperos economicamente, diversos e resistentes às mudanças climáticas.
Nos ambientes urbanos, o Smart Growth pode ser implementado por meio do desenvolvimento orientado para o trânsito, que estimula o estabelecimento de novas centralidades perto de eixos de transporte coletivo, ou de medidas de preenchimento, combinando distintos tipos de habitação e de usos em bairros já edificados, como explica matéria do Planetizen. Um fator fundamental do Crescimento Inteligente é o investimento em soluções que diminuam a dependência dos veículos particulares. Para isso, o planejamento deve priorizar decisões sobre a utilização do solo que facilitem a mobilidade ativa das pessoas: andar a pé e pedalar.
As dez diretrizes que norteiam esse movimento foram definidas no final da década de 1990, momento em que várias entidades norte-americanas reuniram-se e fundaram a Smart Growth Network, em 1996, uma rede composta hoje por 35 parceiros, entre profissionais do setor de desenvolvimento urbano, gestores municipais e instituições com atuação nacional nesse segmento – como a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, da sigla em inglês) –, destaca artigo da Tomorrow City. Esses critérios foram mais detalhados em 2006, em documento publicado pela EPA e são eles:
- Mistura de usos do solo
- Aproveitamento do design compacto
- Criação de uma gama de oportunidades e escolhas de moradia
- Concepção de bairros caminháveis
- Promoção de comunidades diferentes e atraentes, com um forte senso de pertencimento
- Preservação de espaços abertos, terras agrícolas, belezas naturais e áreas ambientais críticas
- Fortalecer as comunidades existentes
- Fornecimento de uma multiplicidade de opções de transporte
- Tornar as decisões sobre desenvolvimento previsíveis, justas e econômicas
- Incentivo à colaboração da comunidade e das partes interessadas nas decisões
O governador de Maryland entre 1995 e 2003, Parris Glendening, é apontado pela reportagem da Planetizen como o primeiro a apoiar a elaboração de um programa estadual de Crescimento Inteligente nos Estados Unidos. Desde então, essa visão de planejamento urbano vem sendo adotada por diversas localidades e regiões como maneira de responder às necessidades de seus moradores. O Smart Growth se assemelha em muitos aspectos aos conceitos do Novo Urbanismo, escola que também nasceu nos anos 1990 e que defende a retomada das cidades para as pessoas, reduzindo o foco que é dado aos automóveis no desenho dos municípios. Apesar das semelhanças, a reportagem do Planetizen assinala que enquanto o Crescimento Inteligente é uma estrutura política, o Novo Urbanismo fornece as ferramentas e exemplos reais de como concretizar a estratégia do Smart Growth.
Diminuição das emissões de gases de efeito estufa é um dos benefícios do Crescimento Inteligente
O Smart Growth, reforça matéria da Topos Magazine, é um fator importante para a idealização de localidades saudáveis e habitáveis. Conforme a revista, ao aproveitar os recursos existentes e impulsionar a construção de edifícios com distintas configurações e alternativas de transporte, essa abordagem de desenvolvimento pode auxiliar na melhora da qualidade de vida dos indivíduos e do ambiente. Entre as vantagens dessas iniciativas está a utilização responsável do solo, adensando áreas onde já há prédios, instalação de mais comércios e redução da emissão de gases de efeito estufa.
Essas ações evitam o espraiamento das cidades e, ao mesmo tempo, contribuem para a conservação de espaços verdes, parques e praças, disponibilizando opções para atividades de lazer – que aliviam o estresse diário –, e para a diminuição da desigualdade econômica e racial, acrescenta a publicação. Por sua vez, o fomento à criação de ruas e bairros caminháveis e projetados para os seus residentes pedalarem ajuda a reduzir o uso dos carros e, dessa forma, a minimizar os congestionamentos, os acidentes e a poluição do ar, elementos essenciais para o bem-estar físico e mental.
Outro ponto salientado pela reportagem é que o Crescimento Inteligente promove a expansão econômica das comunidades através do aumento da densidade urbana, o que acaba atraindo pequenos negócios e serviços, como cafeterias, restaurantes, lojas e supermercados, agilizando a rotina dos moradores desses bairros, gerando renda, estimulando o convívio social e fortalecendo o sentimento de pertencimento àquela região. Já a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) complementa que implementar os princípios do Smart Growth torna os municípios mais resilientes aos reflexos do aquecimento global.
O órgão público do governo norte-americano enfatiza que a oferta de uma variedade de opções de transporte coletivo e/ou de veículos elétricos, aliada a edifícios que empregam técnicas de construção ecológica e de eficiência energética, também colabora para diminuir as emissões de gases de efeito estufa. Além disso, relata a EPA, a preservação de ambientes abertos, que é possível devido ao planejamento de comunidades compactas, garante a manutenção de terras e cursos de água naturais, protege as áreas destinadas para a agricultura, o habitat da vida selvagem e assegura lugares para a recreação ao ar livre e a filtragem natural da água.
No entanto, para que as diretrizes disseminadas pelo Crescimento Inteligente sejam implementadas por um número maior de localidades, alguns desafios ainda precisam ser vencidos, como a falta de investimentos para a concretização dessas medidas, analisa a matéria da revista Topos. Assim como as restrições de recursos financeiros, a resistência política ao desenvolvimento de bairros compactos, ao uso misto do solo e à mobilidade ativa é mais uma barreira a ser enfrentada pelo Smart Growth.
Outro elemento listado pela publicação refere-se à dificuldade de firmar parcerias para a concretização de projetos dessa natureza. Isso ocorre, principalmente, porque as soluções de Crescimento Inteligente exigem a participação de diferentes agentes trabalhando juntos.
Pela complexidade que muitos desses empreendimentos apresentam, eles necessitam também de uma multiplicidade de táticas e ferramentas para atingirem os resultados esperados, o que pode atrasar ou impedir a sua realização.
Estratégias de Smart Growth vão de revitalização de vias urbanas a abertura de parques
A cidade de Jackson, no Tennessee, é um dos exemplos nos Estados Unidos de destinos que adotaram os critérios de Crescimento Inteligente para transformar o centro do município. A experiência da localidade foi, inclusive, reconhecida pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA) com o Prêmio Nacional de Conquista por Smart Growth de 2015. Após ser atingido por tornados que destruíram o espaço central de Jackson, a região foi reconstruída, introduzindo o uso misto, com o foco nos segmentos de saúde e bem-estar. O redesenvolvimento abrangeu 20 acres (cerca de 81 mil metros quadrados) e trouxe novos habitantes e negócios para o ambiente, antes com poucas casas e pessoas caminhando nas ruas, como mercados de produtos naturais, restaurantes e um ginásio para atividades físicas. Segundo dados da EPA, atualmente a área conta com uma comunidade de em torno de quatro mil residentes e uma série de atrações culturais e artísticas efetuadas ao ar livre.
Já em Newark, Nova Jersey, a participação dos moradores foi fundamental para a concepção do parque Riverfront, no bairro Ironbound, iniciativa também destacada pela Agência de Proteção Ambiental em 2015. O espaço verde, com mobiliário urbano, playground e quadra esportiva, foi instalado, em 2012, em um lugar anteriormente deteriorado da cidade. Ao incentivar a reconexão do município com o seu rio, a medida está impulsionando o desenvolvimento econômico da região que fica no entorno, proporcionando à comunidade de classe trabalhadora um destino agradável e bonito para o entretenimento e o descanso e conservando ambientes abertos ao longo do rio, que auxiliam ainda a proteger os bairros próximos de inundações.
Três projetos de uso misto foram construídos em Hamilton, em Ohio, através dos conceitos de Smart Growth – mais uma das ações premiadas pela EPA no ano de 2015, última vez em que ocorreu essa distinção. A localidade atuou em parceria com a Historic Developers para fomentar investimentos no centro da cidade. Os complexos estão revigorando a zona empresarial dessa área de Hamilton e abrindo espaços para novos empreendimentos e negócios. De uma comunidade com baixa ocupação das lojas e apartamentos disponíveis em 2011, o município tinha poucas unidades vazias em 2015. Além da maior ocupação, o bairro revitalizou o comércio, com cafés, restaurantes, negócios de decoração e antiguidades, que podem ser acessados com uma breve caminhada.
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