Facilitar o processo de liberação de empreendimentos que atendam a todos os requisitos das leis de uso do solo e de edificação é o objetivo do desenvolvimento por direito. O mecanismo reduz o tempo, os custos e a incerteza política para a aprovação das iniciativas e pode incentivar a construção de mais habitações nos municípios.
As atuais normas que determinam as edificações que podem ou não ser erguidas nas localidades já demonstraram que não são eficientes para adicionar o número de moradias necessárias para responder à demanda da população mundial – que deve chegar a 10 bilhões de pessoas em 2058, sendo que 68% desse total viverá nas áreas urbanas, conforme estimativa da Organização das Nações Unidas (ONU). Entre as diferentes ferramentas que vêm ganhando espaço nas cidades e estados para elevar a disponibilidade de residências está o desenvolvimento por direito (by-right development).
Visto por diversos municípios como uma das soluções para resolver a crise habitacional enfrentada por muitas comunidades, esse modelo permite um procedimento mais agilizado de liberação para complexos que cumprem os padrões de zoneamento e de construção da região onde serão implementados. E isso pode ser feito sem um processo de revisão discricionária, explica a arquiteta, especialista em reforma de zoneamento e cofundadora da Opticos Design, Karen Parolek, em artigo publicado na seção da Associação Americana de Planejamento em Los Angeles (EUA).
A etapa de aprovação discricionária, detalha matéria do Planetizen, pode variar segundo as regras locais ou estaduais, mas, em geral, ela envolve uma reavaliação da solicitação de uma edificação por um conselho de zoneamento ou municipal e ainda por autoridades eleitas para isso. Defensores da moradia e agentes do setor imobiliário nos Estados Unidos – país que tem uma quantidade crescente de cidades adotando o recurso do desenvolvimento por direito – acreditam que a revisão discricionária colabora para a escassez de imóveis naquela nação, incrementa os custos das residências e resulta, muitas vezes, na dificuldade de erguer as unidades necessárias, pondera Karen em seu artigo.
A Planetizen destaca também que um complexo qualificado para ser liberado por direito deve conseguir todas as licenças obrigatórias para que a construção possa ser realizada. O que muda, nesses casos, é que a permissão para concretizar o projeto pode ser obtida mais facilmente e sem sobrecarregar os empreendedores com despesas legais e incertezas políticas – o que reflete nos valores finais das casas e prédios edificados. Ao cumprir todos os requisitos impostos pelas leis de zoneamento, o complexo deve ter um processo de aprovação tranquilo e rápido, complementa artigo do arquiteto e diretor de Ação Comunitária da Strong Towns, Edward Erfurt, veiculado no site da organização.
Existe uma desconexão entre os regulamentos de uso do solo e a procura no mercado imobiliário devido à falta de desenvolvimento por direito, de acordo com o Planetizen. A reportagem do site de notícias sobre urbanismo salienta ainda que alguns empreendedores imobiliários reforçam que as liberações por direito são “indiscutivelmente mais baratas” do que as que necessitam de uma revisão discricionária. Outra prova do desencontro entre as normas de zoneamento em vigor e a demanda do mercado, conforme o Planetizen, é que em muitas localidades dos Estados Unidos os prédios mais valiosos – sejam eles comerciais ou habitacionais – não são mais permitidos pelas regras de utilização da terra.
Também segundo a reportagem, um dos benefícios do mecanismo de desenvolvimento por direito para os moradores e donos de propriedades é a previsibilidade e a certeza sobre os tipos de imóveis que poderão ser esperados na vizinhança no futuro. Muitas cidades norte-americanas, pontua o Planetizen, estão reescrevendo os seus códigos de zoneamento para garantir que mais projetos sejam permitidos e aprovados por direito. Porém, agrega que para isso é essencial que esses municípios possuam uma política pró-desenvolvimento, abrangendo ações como o upzoneamento – para que mais prédios de apartamentos possam ser erguidos nos bairros – ou o rezoneamento, viabilizando em mais áreas o uso misto nos complexos e as construções comerciais. No entanto, as associações comunitárias e os grupos de Nimby (Não no Meu Quintal), ressalta o site, têm usado a liberação discricionária como uma ferramenta legal para impedir novos empreendimentos.
Estudo em Los Angeles mostra agilidade das aprovações por direito em comparação às discricionárias
Para entender melhor as vantagens das propostas de desenvolvimento por direito e contribuir com os debates que traçam um paralelo entre essa maneira de permissão de novas edificações e a efetuada por meio de reavaliação discricionária, a pesquisa “Does Discretion Delay Development? The Impact of Approval Pathways on Multifamily Housing’s Time to Permit (A Discrição Atrasa o Desenvolvimento? O Impacto dos Caminhos de Aprovação no Tempo de Permissão da Habitação multifamiliar)” se aprofundou sobre o assunto, utilizando informações de Los Angeles (EUA) para verificar a hipótese de que as liberações por direito são mais rápidas. Para a investigação, foram reunidos dados do Programa Comunidades Orientadas ao Trânsito (TOC, na sigla em inglês) da localidade californiana entre 2018 e 2020, como relata matéria da Associação Americana de Planejamento.
Após ser aprovado em 2016, o TOC fomentou a construção de mais complexos próximos a estações de transporte coletivo, diminuindo os requisitos de estacionamento e aumentando o limite de residências para que fosse preciso a revisão discricionária. Ao todo, de acordo com a Associação Americana de Planejamento, foram examinados 352 projetos multifamiliares – 40 deles do TOC de permissão por direito, 50 do TOC discricionários, 84 não-TOC de direito e 178 não-TOC discricionários. Os autores do levantamento, Michael Manville, Paavo Monkkonen, Nolan Gray e Shane Phillips, estudaram o tempo que levava para um empreendimento ser liberado – desde o pedido até a entrega das licenças –, observando características como o tamanho da edificação, estacionamento exigido, composição do bairro, presença de varejo, opções de emprego e distrito municipal.
Eles descobriram que os projetos de desenvolvimento por direito foram aprovados mais velozmente que os discricionários: os que faziam parte do TOC e os que não eram do programa. Os complexos do TOC foram autorizados 60 dias mais agilmente que os discricionários. Já os que não integravam o TOC foram liberados 248 dias mais rapidamente. Baseados nesses resultados, os pesquisadores enfatizaram que as “permissões mais ágeis e certas podem reduzir os cursos de manutenção, ajudar os incorporadores a assegurarem financiamento (para suas iniciativas) e possibilitar que os empreendedores elevem a oferta de novas moradias em geral”.
Além disso, os prazos de aprovação mais rápidos foram acompanhados por um incremento no tamanho médio das construções e no número de casas reservadas para famílias de baixa renda, aponta artigo do California Yimby (Sim no Meu Jardim). Os autores indicaram ainda, de acordo com o grupo, que a criação de um programa de desenvolvimento e de autorização das novas edificações por direito, com uma relação detalhada de critérios que devem ser atendidos, pode produzir benefícios comunitários semelhantes aos alcançados através da negociação discricionária.
Por que as leis de zoneamento empregadas atualmente não são as ideais para regulamentar os bairros?
Para a especialista em reforma de zoneamento e cofundadora da Opticos Design, Karen Parolek, na discussão sobre um processo de permissão por direito, as leis de uso do solo convencional colocaram “desnecessariamente” os apoiadores da habitação contra os defensores das comunidades. No artigo publicado na unidade da Associação Americana de Planejamento em Los Angeles, a arquiteta frisa que grupos de residentes, ambientalistas e outras pessoas envolvidas na questão estão incomodados com a possibilidade do zoneamento por direito porque, muitas vezes, parece que o procedimento de reavaliação discricionária é a seu único instrumento para prevenir o desenvolvimento inadequado e fora de escala.
Ela acrescenta que, em algumas situações, podem ser integrantes de Nimbys que se recusam a consentir a entrada de mais ou de certos indivíduos em seus bairros. Mas, que em outros cenários são membros da própria comunidade que se posicionam pela manutenção da vida como estão acostumados em suas regiões. Diante desse contexto, a especialista argumenta que o zoneamento deveria definir aquilo que pode ser erguido em um bairro. No entanto, as normas tradicionais de uso do solo são, em sua opinião, falhas para regulamentar as comunidades.
Entre os motivos para essa afirmação, Karen cita o fato dessas regras descreverem o que não é autorizado e não o que é exigido ou pretendido em um lugar. Isso impede, conforme ela, qualquer chance de prever com precisão o que será construído em um bairro. A arquiteta lista os recuos, a proporção da área útil (FAR) e a densidade como exemplos de regulamentações imprevisíveis. Outro ponto assinalado por ela para justificar sua visão é o de que as leis de uso do solo não trazem detalhes suficientes sobre a forma dos prédios e como eles moldam o espaço público. A especialista fala sobre como em uma comunidade onde se pode caminhar é relevante, em muitos panoramas, que a porta da frente fique voltada para a rua, porém a maior parte do zoneamento não aborda isso.
Por fim, Karen esclarece que o desenvolvimento por direito é “extremamente importante” para elevar a acessibilidade à moradia em todos os níveis, abrangendo as famílias de todas as faixas de renda. Ela sustenta que uma das maneiras dos bairros abandonarem com confiança a aprovação discricionária é a alteração dos zoneamentos convencionais para os Códigos Baseados em Formulários (FBCs, na sigla em inglês), que regulamentam os edifícios com uma riqueza de detalhes. A cofundadora da Opticos Design reforça que a união dos FCBs com o desenvolvimento por direito pode garantir que as iniciativas imobiliárias atendam aos desejos da comunidade, entreguem mais imóveis e auxiliem a disponibilizar alternativas de habitações para todos que desejam viver em um bairro caminhável.
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