A segurança é o principal motivo para que praças, áreas públicas e parques sejam menos utilizados pelas adolescentes do que por meninos e jovens homens. A ausência de ambientes idealizados para as meninas de 11 a 21 anos impacta na forma como elas se apropriam das cidades e também na sua saúde e socialização. Diferentes iniciativas pelo mundo vêm tentando mudar esse panorama.
Grandes demais para os equipamentos instalados nos playgrounds infantis e muito novos e sem dinheiro para irem a bares, restaurantes e cafeterias, os adolescentes caem em um limbo em que a maioria dos espaços não é projetado para eles. O problema se acentua ainda mais para as meninas e jovens mulheres, na faixa etária entre os 11 e 21 anos, que se sentem mais inseguras ao ar livre. Pesquisa de 2022 da Girlguiding, organização filantrópica do Reino Unido, aponta que 53% das mais de 3 mil adolescentes ouvidas têm esse sentimento de falta de segurança quando estão sozinhas.
Criados geralmente como grandes áreas com uma pista de skate ou uma quadra poliesportiva, praças e parques acabam sendo mais usados por meninos e jovens homens, ressalta matéria da Bloomberg. Um levantamento da empresa sueca White Arkitekter mostra que, a partir dos oito anos de idade, 80% dos frequentadores desses lugares são rapazes. O escritório de arquitetura desenvolve um programa, o Flickrum, para estimular a concepção de ambientes mais equitativos nos municípios, envolvendo as adolescentes em sua elaboração.
Essa realidade ocorre, na opinião das fundadoras da entidade de caridade britânica Make Space for Girls, Susannah Walker e Caroline Millar, não por desinteresse das jovens em jogar futebol, basquete ou andar de skate, por exemplo, mas sim porque há nesses locais, via de regra, apenas um espaço de maior porte para ser utilizado por todos e este acaba sendo dominado pelos meninos e os adolescentes. Outro fator reforçado por elas é que, frequentemente, essas quadras, pistas e outras estruturas são erguidas em regiões dos parques e praças longe da vigilância natural, onde existe uma movimentação intensa de pessoas, o que os torna mais inacessíveis para garotas por causa da insegurança.
A carência de áreas pensadas para as meninas e as adolescentes não traz reflexos somente para a maneira como elas ocupam os lugares públicos, isso afeta o bem-estar desse público, que é menos ativo que os homens em todas as fases da vida, conforme Susannah e Caroline. A Make Space for Girls, que atua no fomento de campanhas para que os ambientes urbanos sejam feitos também para as jovens mulheres, assinala em seu site que o contato com a natureza – que tem um efeito positivo na saúde mental – é mais um fator prejudicado pela inexistência de locais idealizados por e para as meninas e as adolescentes. Para a entidade, melhorias nos parques e praças os deixariam mais inclusivos, beneficiando outros grupos como idosos, mulheres adultas, pessoas com deficiência e ainda meninos e rapazes que não estão interessados nas instalações disponibilizadas ou sentem que não podem acessá-las.
Diante desse cenário, um movimento de design vem se expandindo pelo mundo para projetar espaços mais qualificados para as meninas e as jovens, como salienta a reportagem da Bloomberg. A partir de estudos ao longo dos anos sobre o que deixa as regiões mais atrativas para as adolescentes, a Make Space for Girls lista uma série de características que devem estar presentes nas áreas públicas para que elas sejam mais utilizadas pelas garotas. Uma das principais particularidades, segundo a organização, é planejar lugares lúdicos que permitam conversar, sentar, escalar ou até deitar no chão.
Criar bancos para que as jovens possam se olhar de frente, como as tradicionais mesas de piquenique com um assento diante do outro, é uma das formas indicadas para promover a socialização, assim como colocá-los em estruturas com alguma proteção – que possibilitem uma boa visão do entorno e estejam próximos de pontos com circulação. Balanços com o tamanho adequado para que as meninas e as adolescentes possam usá-los é, de acordo com a Make Space for Girls, um dos equipamentos mais pedidos em pesquisas sobre o assunto.
Outros recursos solicitados por elas são o desenvolvimento de locais menores, com a distribuição dos ambientes para que possam ser compartilhados por vários grupos, academias para exercícios com barras em alturas apropriadas para as garotas e o desenho de trajetos seguros para caminhadas pelos parques e praças. A presença de banheiros é mais um item descrito pela entidade como fundamental para que as adolescentes frequentem um espaço público. Conforme a organização, um levantamento realizado com meninas em Yorkshire (Inglaterra) revelou que 78% delas veem a ausência de sanitários e vestiários como uma barreira para elas se exercitarem no parque e 67% afirmaram que a falta de banheiros é um obstáculo para elas utilizarem a área.
Sem receita pronta: é preciso ouvir as adolescentes para conceber bons lugares
Apesar de não existir uma fórmula única para a elaboração de locais mais inclusivos para as meninas e as jovens, um dos aspectos enfatizados tanto pela reportagem da Bloomberg como pela Make Space for Girls e pelo programa Flickrum é a importância de envolver as garotas na idealização dos ambientes públicos. A solução para que os espaços funcionem para as adolescentes é, para as fundadoras do Make Space for Girls, conversar com elas, compreender as suas opiniões sobre as áreas e saber as dificuldades que enfrentam para frequentarem esses lugares.
Conhecer a região onde fica o parque ou praça é essencial para pensar um ambiente, bem como investir recursos e esforços nos pontos que já são usados pelas meninas e as jovens, em vez de tentar transferi-las para uma outra parte da cidade, frisou a arquiteta Rebecca Rubin à Bloomberg. Na época da entrevista, a profissional fazia parte da equipe do escritório sueco White Arkitekter. A matéria acrescenta que é preciso ainda avaliar o custo de sair de casa para as adolescentes e criar alternativas para incentivá-las a praticarem uma atividade física, que não precisa ser um esporte – pode ser algo mais criativo e menos competitivo.
Em vez de quadras, podem ser projetados pequenos palcos para elas dançarem ou se apresentarem informalmente ou um recanto com bicicletas dispostas próximas para que possam pedalar, bater papo e também carregar o celular. Implementar as estruturas em pontos elevados aumenta a proteção das usuárias e oportuniza ainda a concretização de ideias criativas, como o acesso a esses locais por meio de escalada. Espaços com academias, pistas de patinação e de skate onde as garotas possam tentar e fracassar sem julgamentos ou vaias e áreas para brincar, conversar, ouvir música ao ar livre sem precisar pagar ingresso para um festival e fazer um exercício é o que buscam atualmente as meninas e jovens mulheres, resume a matéria da Bloomberg.
O Swing Time, um lugar interativo instalado em Boston (Massachusetts, EUA), em 2014, é umas das referências citadas por Susannah Walker, cofundadora da Make Space for Girls. Desenvolvida pelo escritório Höweler + Yoon Architecture, a ação contava com 20 balanços iluminados em formato de anel. A proposta era grande o suficiente para as adolescentes, próxima para bater papo e divertida para apelar ao desejo de fortes emoções, disse Susannah em entrevista para a Bloomberg. Segundo o escritório que concebeu o lugar, ele foi ativado temporariamente em uma região central do município norte-americano com o objetivo de elaborar um novo tipo de parque urbano.
Os balanços, que foram construídos em três tamanhos distintos para abranger toda a comunidade e permitir que as pessoas brincassem e se exercitassem individualmente ou em grupo, tinham iluminação LED em seu interior. Quando parados, os elementos emitiam uma luz branca e suave que iluminava o ambiente, em movimento, a cor mudava para roxo, gerando um efeito de luz brilhante e colorida.
Exemplos de parques desenhados por e para meninas e jovens mulheres se multiplicam
Um local que alia arte e segurança para as adolescentes foi planejado pela cidade de Umea, no Norte da Suécia. O Frizon foi idealizado pelos arquitetos do escritório Tyréns em conjunto com a artista Kerstin Bergendal como um espaço de encontro, identidade e igualdade dentro de um parque na área central do município, o Årstidernas. Para encontrar as estratégias de designs mais indicadas, foram efetuados workshops com meninas e jovens mulheres para entender quais eram as suas demandas.
Com um formato escultural, o lugar tem telhado oval que envolve uma árvore que já existia ali. A estrutura é perfurada e vidros coloridos preenchem os buracos abertos, contribuindo com o efeito luminoso da região. Além disso, grandes assentos redondos foram pendurados no teto, possibilitando que várias pessoas sentem juntas e interajam. O complexo foi pensado para oferecer uma atmosfera convidativa e segura, mesmo à noite e no inverno sueco. No Frizon, as adolescentes também podem conectar os seus smartphones e ouvir música.
Já em Yangon, maior cidade de Myanmar, a insegurança tornava mais difícil para as jovens usarem os ambientes públicos, exemplifica a Make Space for Girls. Para reverter essa situação, uma instituição de caridade trabalhou com um grupo de adolescentes para criar um parque onde elas se sentissem à vontade, protegidas dos assédios verbais e sexuais que são um grande problema local, de acordo com a organização britânica.
A iniciativa foi projetada por uma empresa do município, especializada em regeneração de espaços urbanos. Desde o início do processo, as jovens participaram de toda as etapas de desenvolvimento da área, contribuindo na visão para o lugar e na definição do design e depois na apresentação das ideias para a vizinhança. O resultado foi um ambiente com diversos locais altos com muitos espaços para elas conviverem e conversarem, pontos de escalada, balanços e equipamentos para os exercícios.
Nova York (EUA) também conta com uma referência nesse segmento. Combinando mesas, assentos, rampas, degraus, redes e barras circulares, o Restorative Ground era uma enorme peça colorida de mobiliário urbano implementado em 2021 na esquina das ruas Hudson e King, na Hudson Square. Com 25 metros de comprimento, a estrutura concebida pelo coletivo de design WIP Collaborative ocupava a calçada e parte da via pública e tinha como finalidade reativar a vida urbana daquela região. A intervenção temporária, que durou até 2022, possuía uma área de cerca de 195 metros quadrados e contava com lugares para o uso mais ativo e outros para atividades mais calmas, detalha reportagem do Curbed.
Apesar de ter sido pensado como um ambiente para todos os moradores de Nova York, a solução incluiu muitos recursos adotados por designers para elaborar locais para meninas e jovens mulheres, como assentos do tipo lounge, que oportunizam a reunião de grupos, uma sensação de recinto sem perder a segurança, elementos jogáveis, mas não infantis, e redes, como complementa a matéria da Bloomberg. Para conseguir um espaço inclusivo, os profissionais do WIP Collaborative pesquisaram e entrevistaram mulheres, adolescentes, crianças, pessoas com deficiência e especialistas em autismo, assim como a comunidade do entorno.
Dividida em zonas por tipo de utilização, a estrutura misturava materiais, texturas e alturas e possibilitava que os frequentadores a usassem para fazer uma refeição, descansar, conversar, participar de uma reunião, ler ou relaxar. A união de bancos altos e baixos funcionava ainda como um convite para as crianças subirem e descerem e as barras arredondadas permitiam que elas se pendurassem e brincassem na área. Além desses exemplos, muitas outras ações começam a ser planejadas em diferentes países que estão atuando para deixar os ambientes mais preparados para receber mulheres de todas as idades.
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