Vistas finais

Instalados no fim ou no meio de uma rua, monumentos ou prédios importantes ganham destaque no tecido urbano, podendo ser admirados a uma longa distância e se tornando um diferencial nos municípios. Além de serem pontos focais na paisagem, as vistas finais passam uma ideia de identificação com os lugares.

Cartões postais de suas cidades e países, o Arco do Triunfo em Paris (França), o Palácio de Buckingham em Londres (Inglaterra) e o Capitólio em Washington D.C. (Estados Unidos) têm outra característica em comum: todos são terminating vistas, termo que pode ser traduzido como vistas finais ou como vistas encerradas. São elementos significativos do design urbano, como edifícios simbólicos ou com valor histórico – como prédios governamentais e igrejas – e monumentos, que ficam estrategicamente no fim ou no meio de vias públicas, estabelecendo um ponto de atenção na paisagem e enfatizando a sua relevância.

De grandes dimensões, essas edificações podem ser enxergadas de vários locais dos municípios e acabam virando também uma referência de orientação para a circulação, sem falar no seu atrativo estético e turístico. Descrita como “uma ferramenta poderosa” do urbanismo em artigo do Strong Towns, a vista final é utilizada geralmente para passar uma sensação de profundidade e de perspectiva em determinadas regiões das cidades, especialmente nas áreas centrais e mais antigas, mas podem estar ainda no término de uma rua residencial.

Porém, não são apenas construções que podem se transformar em pontos visuais de interesse nas localidades, paisagens naturais também cumprem essa missão, como ressalta artigo do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU). Planejado para ter a sua via principal acabando na direção dos picos das Montanhas Rochosas, o município de Banff (Canadá) é um dos exemplos desse tipo de terminating vista citados pela publicação. A Banff Avenue, no centro da cidade, revela a Snow Peak (que compõe as Montanhas Rochosas na altura da Província de Alberta) ao longe e conta com uma movimentação diária de 20 a 30 mil carros, conforme o Public Square. Apesar da presença contínua de veículos, a avenida possui escala humana, com diversas lojas, serviços e restaurantes em seu trajeto, o que traz vitalidade ao espaço.

Com 50 metros de altura, 45 metros de largura e 22 metros de profundidade, o Arco do Triunfo, que fica na praça Charles de Gaulle, de onde partem 12 avenidas, entre elas a Champs-Élysées, não é a única vista final de Paris, reforça texto do Wikipédia. A capital francesa tem ainda o Palais Garnier (Ópera de Paris) e o Panteão, edificações representativas da arquitetura local e que estão onde acabam distintas ruas. Outros lugares listados em artigo do Skyrise Cities são a antiga prefeitura de Toronto (Canadá) e a estação Grand Central e o arranha-céu MetLife, ambos em Nova York (EUA). A Praça de São Pedro, em frente à basílica de mesmo nome, no Vaticano, e o prédio do governo da Filadélfia (Pensilvânia, EUA) são mais referências acrescentadas pelo Wikipédia.

As vistas finais podem também ser adotadas em projetos de empreendimentos imobiliários, como bairros planejados, proporcionando um elemento estético que auxiliará a criar uma identificação com o novo ambiente. Em municípios concebidos priorizando os automóveis, edifícios, monumentos e paisagens naturais nas vias públicas podem ser compreendidos como um problema para o tráfego, deixando-o mais complicado, e impedindo o desenho das cidades em um sistema de grade de quarteirões.

A implementação de rotatórias ou de outras técnicas têm sido empregadas para gerenciar o trânsito no entorno dessas regiões. Há ainda a necessidade de pensar em soluções para garantir a segurança das pessoas no acesso a esses espaços e de reavaliar o enfoque que é dado aos carros pelas localidades em suas deliberações de planejamento urbano. No Arco do Triunfo, por exemplo, duas passagens subterrâneas facilitam a entrada dos visitantes.

Se por um lado elas podem ser entendidas por muitos como uma dificuldade para o tráfego, por outro as vistas finais podem contribuir para a idealização de áreas mais qualificadas, dinâmicas e protegidas. Itens verticais, como sedes de governos, igrejas, esculturas, como obeliscos presentes em vários municípios do mundo, combinados a outras construções, árvores e à largura das ruas e dos ambientes coletivos transmitem essa sensação de conforto e segurança. Conhecido como senso de enclausuramento, esse mecanismo define uma moldura visual que abrange elementos verticais distribuídos em uma faixa horizontal, estabelecendo lugares onde os indivíduos querem ficar.

A existência de limites verticais e laterais nas vias colaboram para que os cidadãos tenham a percepção de estarem em um refúgio seguro, observando um determinado espaço, com um ponto para se orientarem – como uma vista final. Essa sensação de enclausuramento é, segundo matéria do Somos Cidade, provocada por tudo aquilo que é colocado no solo, como bancos, floreiras, arbustos, entre outros, e pela quantidade de céu exposta ao olhar de quem anda pelas ruas.

Washington Square Park: a vista final quase derrubada

Instalado no começo da movimentada 5ª Avenida, em Greenwich Village, o Washington Square Park é uma das áreas mais frequentadas de Nova York e região para o lazer, a contemplação e também para manifestações artísticas e políticas. O parque de cerca de 40,4 mil metros quadrados, que conta, desde 1895, com o Arco de Washington – inspirado nas estruturas romanas e na de Paris –, é mais um exemplo de vistas finais. O local foi ainda palco de uma célebre disputa de opinião sobre o futuro dos municípios entre a escritora e ativista Jane Jacobs e o planejador urbano Robert Moses, que pretendia expandir a famosa avenida atravessando esse espaço público, como detalha reportagem do Somos Cidade.

Enquanto Jane defendia que os bairros deveriam ser mistos, densos, diversos, com vida nas vias e pessoas circulando ao longo de todo o dia e sem o protagonismo dos veículos, Moses acreditava que a modernização da metrópole norte-americana deveria acontecer através da edificação de arranha-céus e de rodovias, que acabavam dividindo as comunidades. A proposta de Moses para a ampliação da avenida pelo meio do Washington Square Park surgiu em 1935, quando ele estava à frente do Departamento de Parques e resultou em uma mobilização dos moradores de Greenwich Village e de frequentadores do ambiente, recorda material da organização sem fins lucrativos que atua na manutenção do lugar.

Sem nunca terem se encontrado pessoalmente, a escritora e o planejador mantiveram por anos um embate sobre o destino do local. Jane, que também vivia no bairro, ficou sabendo sobre o projeto por meio de um panfleto e começou uma série de iniciativas para chamar a atenção sobre o assunto, como o envio de uma carta para o prefeito, a organização dos habitantes da área e o engajamento de outros residentes com influência para impedir a demolição do Washington Square Park. As táticas para classificar uma extensa região de Greenwich Village como “destruída”, o que permitiria a remodelação urbana desejada por Moses, e para redesenhar o trânsito dentro e no entorno do parque foram discutidas por décadas.

Somente em 1958, a movimentação em prol da manutenção do Washington Square Park obteve vitória e os planos de Moses para o espaço foram arquivados. Ao longo de sua existência, o ambiente passou por reformas, sendo a mais recente em 2014. Na ocasião, foram recuperados canteiros e gramados, novos bancos e iluminação foram colocados e caminhos foram pavimentados, assim como a fonte central foi revitalizada. Os trabalhos incluíram ainda a qualificação do playground, a implementação de um palco, uma praça de xadrez remodelada e o paisagismo foi aprimorado, assim como uma área para os cachorros foi concebida e outra para a recreação.

 

Como as vistas finais se encaixam em municípios desenvolvidos em escala humana

Apesar de terem, em geral, grandes dimensões, as vistas finais podem ajudar a elaborar lugares que serão experimentados do jeito e na velocidade com que os indivíduos se movem, de seus cinco sentidos e de suas percepções, ou seja, em escala humana. Isso é viável através da idealização de ruas, que emolduram as construções e os monumentos importantes, como aponta o artigo do Strong Towns, e de bairros dinâmicos. Para o arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl, que é o criador do conceito de Cidade para Pessoas, as localidades devem ser concebidas com os seus moradores no centro das decisões e não os automóveis. Gehl assinala que os espaços devem ser apreciados na velocidade real de seus usuários – no ritmo de uma caminhada – e não na de um carro.

Dessa forma, salienta o profissional, os indivíduos podem aproveitar a vida que acontece entre os prédios, como relata matéria do ArchDaily. Com mais de 60 anos de pesquisas sobre como os ambientes influenciam a maneira como eles são usados, o arquiteto afirma que regiões densas, com boas calçadas, fachadas ativas, cafés, bares, lojas e mobiliário urbano convidativo são mais frequentadas e trazem reflexos positivos para o bem-estar das pessoas. Gehl já comentou em entrevistas que áreas com o térreo – que é onde ocorre a comunicação entre o interior e o exterior de um edifício – rico proporcionam uma experiência significativa também, não importando o que funciona acima dos empreendimentos, sejam habitações ou escritórios.

Além de ser uma das articuladoras da mobilização a favor do Washington Square Park, a origem do termo escala humana é atribuída à escritora Jane Jacobs, de acordo com o ArchDaily. Em seu livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, que foi escrito enquanto acontecia o embate quanto ao parque em Greenwich Village, Jane apresenta seus argumentos em defesa do zoneamento misto e da presença dos indivíduos nas vias públicas para que os lugares sejam vibrantes e seguros, o que depois passou a ser conhecido como “os olhos da rua”. Ao tirar o foco dos veículos, os municípios podem explorar estratégias que permitam aliar elementos estéticos, como as vistas finais, a medidas que priorizem os cidadãos.

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