A partir da combinação de dados em tempo real e inteligência artificial, municípios estão criando versões virtuais idênticas de seus territórios. A tecnologia vem sendo utilizada para simular os impactos de novas construções e políticas no ambiente urbano e pode revolucionar o planejamento das cidades.
Como no SimCity, jogo de videogame em que os usuários precisam idealizar e administrar uma localidade, os municípios estão desenvolvendo modelos virtuais que reproduzem fielmente suas características, indo muito além das plantas em 3D simples. A concepção de cidades gêmeas digitais (digital twins cities) permite testar e analisar os reflexos de mudanças nas áreas urbanas antes de realizá-las, tornando essa ferramenta tecnológica um avanço para o planejamento dos lugares, como ressalta matéria da Bloomberg. Com múltiplas camadas de informações, esses espelhos dos territórios reúnem subsídios sobre o tecido histórico, edificações, transporte público, mobilidade, presença de luz ao longo do dia, sombreamento, vegetação, consumo de energia, entre outros, acrescenta artigo do ArchDaiy.
Esses dados são possíveis, segundo reportagem da Fast Company Brasil, devido à Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), como sensores, câmeras, alarmes, scanners e outros dispositivos inteligentes conectados à rede que vão compilando elementos em tempo real e offline para gerar as versões virtuais das localidades e auxiliar governantes e planejadores urbanos na tomada de decisões sobre os rumos dos municípios. Entre as modificações que podem ser simuladas nos gêmeos digitais estão configurações de fluxo nas ruas, verificando como o trânsito é afetado, e também como prédios mais altos podem interferir na iluminação natural de uma região.
As aplicações mais comuns dessa inovação, que emprega ainda inteligência artificial (IA), são no setor de produção, como na réplica de fábricas para aperfeiçoar os processos, descreve a Fast Company, que cita como exemplo a união da BMW e da Nvidia para projetar um modelo virtual de uma das plantas da montadora. Além delas, empresas como a Amazon, GE, IBM, Microsoft e SAP estão liderando o mercado de gêmeos digitais, que em 2022 foi avaliado em 11,6 bilhões de dólares e que deve chegar a meio trilhão de dólares até 2032, adianta a publicação.
Já relatório da ABI Research de 2021 apontou que as cidades deverão economizar cerca de 280 bilhões de dólares até 2030 com a adoção dessa tecnologia para ter um planejamento mais eficiente da estrutura urbana e das estratégias implementadas, assinala artigo do diretor da divisão de Segurança, Infraestrutura e Geoespacial da Hexagon, Uwe Jasnoch, para a plataforma de notícias sobre mobilidade e locais inteligentes Cities Today. Ele afirma que os modelos virtuais proporcionam resultados tangíveis, com vantagens que vão desde a qualificação dos procedimentos e maior produtividade até a transição para uma economia sustentável e circular.
Outros benefícios enfatizados por Jasnoch são a oportunidade de identificar potenciais problemas, simulá-los, e encontrar soluções de uma maneira mais rápida e econômica, antes de colocá-las em prática no mundo físico, assim como os gestores públicos contam com mais informações para tomarem decisões e melhorar a vida dos moradores e aumentar a sustentabilidade e resiliência dos municípios diante dos desafios atuais. Essa ferramenta pode também usar imagens de satélites para descobrir tendências de deslocamento do solo, agindo para impedir problemas como vazamentos de esgoto.
Para o diretor, os gêmeos digitais das cidades têm efeitos ainda na forma como os governos se comunicam e interagem com a população, oportunizando que as partes interessadas no planejamento urbano tenham acesso aos planos virtuais sobre atividades como, por exemplo, programas de transporte inteligente, diminuição da poluição e iniciativas para reduzir os impactos ambientais. Por fim, ele defende que a tecnologia pode colaborar para que qualquer localidade se prepare para enfrentar as dificuldades futuras e para assegurar que os cidadãos vivam em áreas mais seguras, conectadas e inteligentes.
As versões digitais podem também, de acordo com a matéria da Bloomberg, ajudar os administradores a diminuírem os custos operacionais e as emissões de carbono de novas construções e a evitarem alterações caras depois do término de um empreendimento. Outro ponto salientado pela publicação é que, em um cenário de aquecimento global e crise climática, os modelos digitais dos municípios possibilitariam que as cidades averiguassem a eficácia de diversas medidas contra as zonas de calor urbano e elevação do nível do mar.
Localidades apostam nas versões virtuais de seus territórios para resolver distintos desafios
Até 2025, a expectativa é que mais de 500 gêmeos digitais urbanos sejam criados no mundo, indica reportagem do Cities Today que entrevistou integrantes de projetos de municípios virtuais de diferentes regiões. O Green Twins, em Tallinn, por exemplo, foi idealizado para aprimorar a tomada de decisões sobre a capital da Estônia, revela o especialista em 3D da ferramenta, Andres Maremäe. Primeiro foi desenvolvido um modelo 3D do espaço medieval da cidade com a meta de difundir o lugar para os turistas. Em seguida, ele foi utilizado para o planejamento de outras áreas e, atualmente, abrange toda a localidade.
Anualmente, adianta o especialista, são capturados dados físicos das vias públicas e extraídas informações sobre sinais de trânsito, marcações rodoviárias, anúncios externos, entre outros. Além disso, estão sendo instalados sensores para medir o tráfego e monitorar o consumo de energia e o clima em edifícios públicos e ocorrerá a coleta e armazenamento de elementos sobre as redes subterrâneas de serviços municipais. Ele complementa que, com o auxílio do programa Gêmeos Verdes (Green Twins) do centro de pesquisa internacional FinEst para Cidades Inteligentes e do apoio de Helsinque (Finlândia), estão agregando dados sobre o meio ambiente à versão virtual de Tallinn.
Já Des Moines (Iowa, EUA) começou a investir nessa tecnologia porque precisava de uma estratégia mais moderna para analisar os futuros empreendimentos e os seus reflexos em várias regiões da localidade, explica o gerente do sistema de informação geográfica (GIS, na sigla em inglês) do modelo virtual do município, Aaron Greiner. O mapeamento foi iniciado pelo Centro de Des Moines e bairros do entorno e contou com uma riqueza de detalhes das construções, que incluiu seus telhados e particularidades das estruturas das paredes.
O gêmeo digital da cidade, que está sendo criado desde 2019, simplificou os fluxos de trabalho da gestão local e aperfeiçoou a capacidade da equipe de serviços de desenvolvimento para discutir e apresentar os efeitos das propostas de novos projetos no município, agilizando o processo de planejamento urbano, destaca Greiner. A versão virtual foi usada também para avaliar complexos para o novo Market District e para que os funcionários do segmento de parques da Des Moines pudessem buscar opções de espaços para implementar uma horta comunitária com base em dados sobre a sombra dos prédios existentes.
Com informações sobre em torno de 600 mil estruturas terrestres, como pontes rodoviárias, viadutos, travessias para pedestres, redes de água, tubulações de gás, telecomunicações e sistemas de aquecimento, Seul idealizou o seu gêmeo digital para solucionar problemas urbanos por meio da simulação de diversos cenários ambientais e de crescimento. Outro objetivo com a tecnologia é oferecer serviços personalizados no setor de cultura e de turismo, recorda o oficial da divisão GIS do governo metropolitano da capital da Coreia do Sul e gerente da plataforma virtual da cidade, Yoo Byoung Min.
O S-Map, como é chamada a iniciativa em Seul, disponibiliza dados que aumentam a eficiência do planejamento urbano e do redesenvolvimento da localidade, assim como fornece distintos serviços de mapas customizados aos seus residentes. O modelo concebido reproduz todo o município, que tem 605,2 quilômetros quadrados. Entre os recursos compilados pela ferramenta estão infraestrutura pública, estações de metrô e instalações de combate a incêndio integradas à Internet das Coisas.
A esses itens juntam-se ainda mapas geográficos, pontos de controle topográficos e trajetória dos ventos. Min reforça que o retorno esperado com a tecnologia é poder prever o impacto de desastres e acidentes na capital, como incêndios florestais, e observar como novos prédios e estruturas erguidas em Seul poderiam interferir nos padrões de vento e piorar a poluição de poeira fina na área.
Gêmeos digitais também podem contribuir para tornar as cidades mais sustentáveis
Poder se desenvolver sem provocar reflexos negativos no meio ambiente é um dos muitos desafios impostos às localidades pela conjuntura contemporânea. Nesse sentido, as réplicas virtuais dos municípios podem auxiliar na identificação dos efeitos de novas edificações e políticas nos espaços verdes dos lugares. A Virtual Singapura, versão virtual da cidade-Estado, é mais uma ferramenta empregada pela administração pública para conseguir evoluir de forma sustentável, relata matéria da Bloomberg.
O modelo de Singapura tem mais de três milhões de imagens capturadas no nível da rua e 160 mil que foram tiradas do ar e se somam a um gigantesco conjunto de informações sobre a região, que possui uma população de aproximadamente seis milhões de habitantes vivendo em uma área de cerca de 725 quilômetros quadrados. Entre os dados coletados e transferidos para o gêmeo digital estão desde o uso da terra até a cobertura de árvores e os serviços públicos subterrâneos disponibilizados.
O levantamento dos elementos que compõem a versão virtual da cidade-Estado iniciou-se em 2014 e abrange ainda informações de sua topografia e construções. O modelo consegue, conforme a publicação, distinguir edifícios de árvores e ruas de calçadas, deixando mais fácil testar como itens individuais reagem em diferentes simulações. Janelas, telhados e fachadas dos prédios também são tratados como bens individuais. Buscando medidas para reduzir as suas temperaturas, as novas propostas de empreendimentos são analisadas dentro da ferramenta tecnológica, que estuda como o complexo pode afetar o fluxo do vento, as sombras e o efeito de ilhas de calor urbano para aprovar ou não os projetos.
As localidades são dinâmicas e para que os gêmeos digitais se mantenham relevantes eles precisam ser constantemente atualizados. Em Singapura, o mapeamento das vias deve ocorrer a cada dois ou três anos e o aéreo a cada cinco anos. No futuro, a cidade-Estado espera utilizar os dados combinados na sua versão virtual para planejar cenários para veículos autônomos e robôs e para a reconstrução após acidentes.
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