mobilidade urbana

Construir amplas ruas para que os indivíduos circulem com a máxima velocidade e viajem longas distâncias é a política de transporte mais adotada ainda hoje pelas cidades. Mas, essa maneira de pensar as localidades começa a ganhar outra visão, centrada na proximidade dos moradores com os lugares onde realizam suas atividades.

A forma como os municípios vêm sendo desenvolvidos década após década já se mostrou ineficiente para atender às demandas atuais da população tanto no acesso aos espaços, à habitação, às oportunidades, como na redução dos impactos ambientais e no combate ao aquecimento global. A acessibilidade é, inclusive, apontada por pesquisadores como o novo paradigma do planejamento urbano, saindo do foco da mobilidade e abrindo outras perspectivas para resolver os problemas das cidades no setor de transporte, assinala o fundador do Victoria Transport Policy Institute (Canadá), Todd Litman, em artigo para o Planetizen.

Em vez de continuar idealizando estratégias públicas nesse campo com o objetivo de elevar as velocidades com que as pessoas se deslocam e os percursos que elas fazem de suas casas até seus empregos, lazer, lojas, serviços e demais tarefas ligadas ao cotidiano ou à diversão, o planejamento baseado na acessibilidade busca a diminuição dessas distâncias. Essa alteração na maneira de projetar as localidades possibilita que novos elementos sejam analisados para encontrar medidas que assegurem que um maior número de indivíduos possa se locomover sem depender de carros ou perder muito tempo em seus trajetos.

A acessibilidade nesse contexto é entendida, conforme o Centro de Estudos de Transporte da Universidade de Minnesota (EUA), como a capacidade e a facilidade dos cidadãos chegarem aos lugares que querem visitar para satisfazer suas necessidades diárias ou de entretenimento. Diferentes fatores podem influenciar essa ação, como a infraestrutura de transporte, padrões de uso e ocupação do solo, disponibilidade de serviços de circulação de massa, políticas de gestão do trânsito e preferências comportamentais de viagem. Entender como esses aspectos interagem entre si e podem afetar a vida dos residentes dos municípios e de suas regiões metropolitanas é uma das metas dos levantamentos sobre acessibilidade.

Litman acrescenta que essa nova maneira de olhar para essa questão reconhece o valor dos deslocamentos ativos – como caminhar e pedalar – e dos meios coletivos, da qualificação da conectividade da rede de transporte e do aumento da proximidade (distância entre destinos). Além desses fatores, são considerados significativos a quantidade de informações que o usuário tem disponível sobre como efetuar seus percursos e os reflexos que as modificações sociais dos últimos anos trouxeram, como a expansão do trabalho remoto e dos serviços de e-commerce e tele-entrega.

A lógica da mobilidade que ainda prevalece nas cidades, de acordo com artigo do Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento Brasil (ITDP Brasil, na sigla em inglês), não leva em conta alguns pontos fundamentais como a multiplicidade de locais desejados ou necessários para a vida das pessoas e a eventual saturação dos sistemas de transporte ocasionada pelo crescimento populacional. Essa visão para o planejamento dos municípios também despreza o fato de que o aumento das distâncias percorridas causa grandes impactos no meio ambiente, com maior emissão de gases de efeito estufa, consumo de energia e gastos públicos, uma vez que a implementação e manutenção de qualquer rede de transporte em uma cidade espraiada são mais caras se comparadas àquelas instaladas em localidades compactas.

A acessibilidade no ambiente urbano passou a ser discutida na área de transporte na década de 1960, recorda o ITDP Brasil, sendo introduzida inicialmente pelo sueco Torsten Hägerstrand, um dos precursores da Geografia Temporal, campo de estudos que começou a olhar para as relações entre tempo e espaço. O artigo reforça que, a partir dessa mudança, a duração da locomoção deixou de ser a variável central das pesquisas e a questão da facilidade de circulação pelos municípios ganhou maior relevância. Facilidade essa que engloba tanto a proximidade como a conectividade (eficiência do sistema de transportes) e as características individuais ou culturais de uma região, incluindo as restrições de mobilidade e religiosas, violência de gênero e outras limitações que podem ampliar ou reduzir o acesso.

Diante dessa alteração de paradigma em curso, o fundador do Victoria Transport Policy Institute afirma que levantamentos recentes enfatizam que a proximidade é mais importante que a mobilidade na oferta de acessibilidade. Para ele, as agências de transporte ergueram estradas urbanas e “destruíram e degradaram bairros multimodais e acessíveis para beneficiar os motoristas suburbanos”, assim como atribuíram uma importância superestimada à elevação da velocidade na economia de tempo de viagem. No entanto, ele salienta que muitas pessoas precisam – e vão continuar necessitando – de seus automóveis para irem ao trabalho ou para executar alguma atividade e que nem todos podem andar de bicicleta ou utilizar o transporte público, mesmo que ele esteja disponível. Cenário que exige novas estratégias para atender às distintas realidades dos moradores das cidades.

Crescimento Inteligente: uma ferramenta para ter localidades mais compactas e acessíveis

O investimento em soluções que reduzam a dependência dos veículos particulares é um fator-chave do Smart Growth (Crescimento Inteligente), abordagem de expansão dos municípios pensada para disponibilizar habitações para indivíduos e famílias de todas as faixas de renda em lugares onde eles possam fazer suas tarefas a pé, de bicicleta ou utilizando o transporte público, criando comunidades mais compactas. Nas áreas urbanas, ele pode ser implementado através do desenvolvimento orientado para o trânsito (TOD, da sigla em inglês), que incentiva a formação de novas centralidades próximas a eixos de transporte de massa, ou de medidas de preenchimento, aliando diversos tipos de residências e de usos em bairros já edificados.

No final da década de 1990, foram definidas as dez diretrizes que norteiam esse movimento, período em que várias entidades dos Estados Unidos se reuniram e fundaram a Smart Growth Network, em 1996. São elas: mistura de usos do solo, aproveitamento do design compacto, concepção de uma série de oportunidades e ofertas de imóveis, idealização de comunidades caminháveis, promoção de bairros diferentes e atraentes – com forte senso de pertencimento, preservação de espaços abertos, terras agrícolas, belezas naturais e regiões de preservação ambiental, fortalecimento das comunidades existentes, fornecimento de uma multiplicidade de opções de transporte, tornar as decisões sobre desenvolvimento previsíveis, justas e econômicas e estímulo à colaboração dos moradores e das partes interessadas nas decisões.

O aumento da acessibilidade, especialmente para quem não é motorista, é uma das principais vantagens dos lugares que apostam no Smart Growth, na opinião do fundador do Victoria Transport Policy Institute, Todd Litman. Ele detalha que nos bairros de Crescimento Inteligente os cidadãos conduzem menos, as velocidades do tráfego são mais baixas, os deslocamentos mais curtos, menos quilômetros são percorridos e as pessoas contam com mais acessibilidade e menos disparidade entre quem dirige e não-dirige. Outro ponto a favor das comunidades compactas e multimodais é que elas aproximam os indivíduos de oportunidades de emprego, supermercados, escolas, hospitais, parques e outros serviços e comércios.

Estudo efetuado em 2023 pela Associação Nacional de Corretores de Imóveis, organização sediada em Chicago (EUA), com 2 mil adultos das 50 maiores áreas metropolitanas norte-americanas, descobriu que quem reside em bairros onde se pode caminhar tem maior probabilidade de estar satisfeito com sua qualidade de vida e que mais de 30% dos entrevistados das gerações Y (nascidos entre 1981 e 1995) e Z (entre 1996 a 2009) estão dispostos a “pagar muito mais” para morar em uma comunidade caminhável. A pesquisa apurou ainda que 53% dos participantes indicaram preferir viver em apartamentos ou condomínios do que em uma casa unifamiliar isolada, se isso representasse que eles poderiam andar a pé facilmente até uma loja ou restaurante.

Litman complementa que muitas pessoas gostariam de residir em bairros mais compactos, mas que não podem por causa da falta de oferta de unidades. Os resultados do levantamento, segundo ele, evidenciam a necessidade dos departamentos de transportes e tomadores de decisões focarem em um planejamento multimodal, apoiando modos de locomoção ativos, melhorando a conectividade e dando suporte às políticas de Crescimento Inteligente para que mais comunidades mistas e compactas sejam criadas.

Plataforma avalia acessibilidade em nove regiões metropolitanas brasileiras

O potencial de acessibilidade dos indivíduos nas maiores cidades e áreas metropolitanas nacionais é um dos indicadores analisados na plataforma MobiliDADOS, lançada em 2017 pelo Instituto de Políticas de Transporte & Desenvolvimento Brasil (ITDP Brasil). O maior objetivo da ferramenta é fornecer informações para auxiliar governos e administradores na construção de localidades mais equitativas, sustentáveis e alinhadas aos princípios do desenvolvimento orientado para o trânsito (TOD). As nove regiões metropolitanas monitoradas – Belém (Pará), Belo Horizonte (BH), Curitiba (PR), Distrito Federal e entorno, Fortaleza (CE), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP) – concentram cerca de 30% da população brasileira, 24% das emissões de CO2 devido à queima de combustíveis e 35% das mortes no tráfego ao ano.

Na área metropolitana de São Paulo, por exemplo, que conta com 39 municípios, os dados de 2017 mostravam que a maioria dos trajetos feitos naquele ano foram de transporte público, com 36%. Na sequência, vinham os realizados a pé, 32%, os de automóveis, 31%, e os de bicicleta, 1%. Já na região de Recife, que une 15 cidades, os percentuais verificados eram: 42% das viagens efetuadas em 2018 foram de transporte coletivo, 38% a pé, 17% de carro e 2% de bicicleta. Uma das dificuldades relatadas pela entidade é a obtenção das informações, que precisam ser disponibilizadas pelos governos locais.

O Instituto defende que, com o conhecimento sobre como está distribuído o potencial de acesso dos cidadãos ao longo do território, os gestores e planejadores urbanos podem direcionar mais efetivamente investimentos em transporte, estabelecer estratégias que favoreçam a abertura de oportunidades ou instalar equipamentos e serviços públicos nos espaços menos favorecidos, diminuindo o custo de tempo das pessoas com os deslocamentos. Também conforme o ITDP Brasil, planos diretores, de mobilidade ou grandes iniciativas de reestruturação urbana podem orientar a expansão mais equilibrada dos municípios, aproximando serviços e opções de trabalho e lazer às habitações e elevando a acessibilidade.

Outro projeto que a organização faz parte é o Acesso a Oportunidades, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e que investiga anualmente o acesso da população a vagas de trabalho, serviços de saúde, educação e assistência social através do transporte nos 20 maiores municípios do Brasil. A intenção é conceber uma base de dados abertos para acompanhar as condições da acessibilidade nas cidades do País e, com isso, estimular a formação de redes de estudos para utilizar essas informações em pesquisas comparativas e no planejamento e avaliação de políticas públicas.

No período de 2023 a 2026, o Ipea firmou parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome para mapear vazios de proteção social. O levantamento irá identificar nas áreas urbanas brasileiras quais são os bairros e quarteirões com baixo acesso aos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). As informações produzidas poderão ser usadas por gestores públicos federais, estaduais e municipais para compreender os desafios da cobertura espacial do Cadastro Único e contribuir no desenho de medidas para melhorar a busca ativa dessa ferramenta. Entre 2019 e 2023, o trabalho concretizado envolveu pesquisas sobre mobilidade e acessibilidade nas localidades nacionais e contou com a parceria do Ministério das Cidades.

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